Archive for Outubro, 2009

As 15 razões que fazem a Mulher Cougar pegar homens jovens

31/10/2009

Cougar é mulher que pega cara novo. É uma descrição crua, mas é isso mesmo. É uma gíria que colou nos Estados Unidos. Maddona, com seu Jesus brasileiro, é cougar. Demi Moore, com seu marido 20 anos mais novo, é cougar. Jennifer Aniston, com seu namorado que parece ter saído há pouco dos escoteiros, é cougar. Neocougar, a rigor, porque antes namorara caras da mesma idade. Martina Navratilova, com sua mulher russa de fazer bispo chutar poste, é cougar.

O Brasil é rico em mulheres cougars. Ana Maria Braga é a matriarca delas, e Suzanne Vieira  a mártir. Marília Gabriela talvez tenha sido a pioneira.  Há muitas outras. De uma delas, que me pediu anônimato, recebi uma carta que gostaria de compartilhar:

Fabio. Posso te chamar assim? Me sinto amiga sua porque leio você desde os tempos em que você seria meu target. Não quero parecer grosseira, mas não é mais. Você ficou velho para mim. Homem enrugado, e não estou falando apenas de você, não me entenda mal, é homem morto para mim. Talvez eu abrisse uma exceção para o Dr. House, mas para o Bruce Willys não. Muito menos para o Jack Nicholson, porque a coisa mais chocante sexualmente para uma mulher (ou fêmea, como notei que você gosta de escrever, seu danadinho) é um Viagra ou Cialis nas mãos de um homem. Devia ser proibido o doping no sexo, como é no esporte.

Tenho dinheiro, é verdade. Sou VP de RH de uma multinacional. Carro da empresa, bônus, aquela história toda. A idade não conto, porque eu me sentiria tentada a mentir. Acho graça ver todas aquelas idades de mentira na Caras e nas colunas sociais. Por que só saio com homens novos desde que me divorciei, depois de 17 anos de casamento em que só cometi adultério na imaginação enquanto meu marido poderia encher uma lista telefônica com os nomes das pxxxs com as quais me enganou? Porque:

1) Têm senso de humor.

2) Não se queixam da vida como os homens velhos.

3) Têm espírito de aventura. Topam escalar uma montanha dormindo numa barraca enquanto homens velhos só aceitam hotéis estrelados.

4) Mexem com facilidade e graça no computador, uma máquina que faz os homens velhos parecerem mais velhos ainda ao pedir ajuda o tempo inteiro por causa de alguma coisa que não entenderam.

5) Não têm cabelo no nariz.

6) Não ouvem Frank Sinatra, Beatles (sei que você gosta, desculpa) e outros sons da Antiguidade.

7) Dançam.

8  ) Não reclamam de dores reumáticas e nem do frio ou do calor.

9) Sabem menos que eu, o que me dá poder.

10) Não falam de política e nem de economia.

11) Na cama, fazem coisas que  meu ex-marido nem sabe que existem.

12, 13 e 14) Provocam uma pxxx inveja nas minhas amigas.

15) Não roncam.

Ah, Fabio, se você tivesse 15 anos menos… Mas o mundo não é perfeito.

Beijos

Gabriela

Não é o nome verdadeiro, é claro. O codinome Gabriela é uma homenagem a Gabriela, Cravo e Canela, um livro de Jorge Amado que está ali na estante. Sou um admirador de Jorge Amado, o maior escritor brasileiro depois de Machado de Assis, e Gabriela é um de meus romances prediletos. Recomendo vivamente. Também admiro Tom Wesselman, pintor que retratou magistralmente o sorriso da Mulher Cougar, na imagem que ilustra este texto.

E a nossa Gabriela, a mulher cougar que optou, racionalmente, pelos homens sem cabelo no nariz e sem Cialis? Tenho minhas opiniões, mas me deu uma certa preguiça agora — e é por coisas assim que não sou ‘target’ das cougars, como ficou explícito — e queria ouvir as de vocês primeiro.

Você apagaria se pudesse a lembrança de uma dor amorosa?

30/10/2009

Kuba é um querido e brilhante amigo meu à distância. Mora em Santa Bárbara,  Califórnia. Mexe com computadores, e também com palavras, e em ambas as coisas é muito bom. Alguns anos atrás, escrevia semanalmente a um grupo de pessoas, entre as quais eu, as “Impressões Kubanas”, um relato dos fatos interessantes que sua mente alerta e seus olhos sensíveis captavam no dia a dia. Posso confidencialmente dizer que tomar cerveja com Kuba era tão bom quanto lê-lo.

E eis que, depois de um longo tempo, chegam à minha caixa de correspondência as “Impressões Kubanas”. Terão retornado regularmente? Espero que sim.

O tema central me fascina, a possibilidade de extiparmos as memórias ruins da vida, sobretudo as amorosas. O filme em que o assunto é tratado, O Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, é perturbador, romântico e provocativo. Escrevi um texto sobre ele, e se não dou o link aqui, é por minha obtusidade tecnológica. Simplesmente não sei.

Você gostaria de apagar as lembranças do amor perdido? É uma questão complexa. Parte de mim diz, num impulso, sim, sim, sim. Outra parte, depois de pensar um pouco, diz não, não, não. Nadja, por exemplo. Num certo momento, ma separação, eu simplesmente não dormia por causa dela, a quem devo minha relação absolutamente estável com o Frontal. Mas … mas eu teria também que suprimir aquela madrugada em Salvador em que, na areia morna e suavemente iluminada pela lua de Itapuã, nos atiramos um ao outro? Esquecer também aquele vestido amarelo?

Não sei.

Kuba chega a sua própria conclusão, eu fico dividido. Colei e copiei Kuba, talvez a única pessoa que tenha de fato lido meu livro, e acho que se inicia aqui um debate legal. Apagar ou não as glórias e as misérias amorosas?

F

Tudo bom contigo?

Então, estou aqui pra falar o seguinte. Alguns cientistas realizaram algo que me soou como ficção científica: conseguiram selecionar e apagar memórias. Foi num ratinho, é verdade, mas conseguiram. Mickey Mouse ficou horrorizado, mas nem por isso podemos limitar os horizontes científicos. Utilizaram uma proteína que fez com que o ratinho perdesse memória (vale a pena esclarecer que foi memória estabelecida, de longo prazo, já que as de curto prazo podem sumir facilmente por diversas razões). Apagaram um pedaço da vida do danadinho. Na verdade, apagaram uma reação adquirida ao ser submetido a choques após ouvir um sinal sonoro específico. Depois da experiência, o ratinho escutava o sinal mas já não mais pressentia que uma coisa ruim iria acontecer.

Se essa coisa de apagar memória for transportado para a esfera humana, o que aconteceu com o Jim Carrey em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” poderá sair do mundo da ficção e vir aqui para as ruas da nossa vida. Os cientistas pensam em curar fobias ou traumas, mas os desiludidos de plantão – que se contam aos milhões, diga-se de passarem – logo tratarão de tentar apagar as dores mais prosaicas e inevitáveis de toda a gente que anda e respira e sonha e se apaixona. Mais ou menos como alongar algo que se faz amplamente hoje em dia: sentar ao balcão de um bar e tomar um porre interminável…

Eu já fico achando que apagar memória sem critério pode ter um resultado tão ridículo como quem faz cirurgia plástica sem um pouco de bom senso. Mas por enquanto não dá para ter certeza de nada. Aqui do meu lado acho que seria mais proveitoso a conquista inversa: poder reter na memória um aprendizado específico. Veja bem, não estou falando em não esquecer nada, como aquela mulher com síndrome de hipermemória (que me parece mais uma praga, isso sim), falo apenas em escolher algo, e depois ler ou estudar e não esquecer mais.

Hummm… pensando bem, é melhor deixar tudo como está. Lembrar algumas coisas, esquecer outras. E seguir vivendo com as consequências. Proust dizia que o grande valor das coisas e das pessoas está naquilo que está escondido da memória voluntária. O que define o valor de alguma coisa é justamente aquilo do qual não nos lembramos, pois a memória voluntária pode ser traiçoeira, seletiva e enganosa. É, por exemplo, a sensação de felicidade que me assalta quando eu passo um protetor solar que tem justamente o cheiro da infância vivida e desfrutada durante as férias e feriados nos acampamentos do litoral norte em São Paulo. Quando eu me ponho a lembrar daquela época, como estou fazendo nesse exato momento, o que me vêm ao pensamento são imagens daqueles dias, aquilo me minha memória voluntária é capaz de tirar lá do meu baú de lembranças. Quando eu sinto o cheiro desse protetor solar o que surge de imediato é um sentimento, veja bem, não é um pensamento ou uma lembrança, é um sentimento. Tanto o pensamento como a lembrança surgem logo em seguida, é verdade, mas o que primeiro me atinge é um sentimento, um sentimento de certa inocência e intensa felicidade.

E isso realmente faz toda a diferença.

Voltando ao ratinho, a sua memória foi apagada, por ironia, justamente quando ela foi acionada, ou seja, no momento em que seu cérebro ativou as sinapses relativas àquela lembrança ela se perdeu. Deduzo que a proteína destruiu essa ponte química nos neurônios do danadinho. Durante o experimento o ratinho não mais reagiu ao sinal sonoro, o que levou os cientistas a concluírem que ele perdera aquela memória. Mas, posteriormente, demonstrou os mesmos sinais de medo quando foi posto na câmara original onde se deu o aprendizado sobre as consequências do tal som. O medo do som se foi, o da localização ficou.

No filme, o Jim Carrey queria se livrar das dores de um amor livrando-se das memórias da mulher que as causava. Assim o fez: apagou as memórias de sua amada. Repare que o fato de ter se livrado das dores não o tornou uma pessoa feliz. Ao menos não daquela felicidade de sorrisos e bom humor que esperamos. E mesmo depois de tê-la apagado da memória ele voltou a se envolver com a (antiga?) amada. Parecia haver algo inexplicável que ainda os unia. Uma sina, um destino, um sei-lá-o-quê. Eu me lembrava do Nelson Rodrigues e o seu “se acabou é porque não era amor” e achava até romântico pensar em Drácula ou Florentino Ariza para tentar explicar aquele sentimento imperecível.

Colocando tudo junto – o protetor solar, Jim Carrey e o ratinho – eu vejo que é praticamente impossível determinar, uma por uma, todas as memórias que fazem florescer em nós determinado sentimento. Uma coisa é certa meus amigos: não se apaga tristeza assim como não se cria felicidade. Mas cá entre nós, é do caralho ver o sol nascendo! Mil beijos, mil abraços, e um bom final de semana pra você.

Kuba

A mulher que esconde pode inspirar mais que a mulher que mostra

29/10/2009

obra de SARAH MAPLE

 

EU CONFESSO. Algumas vezes, diante da visão de uma burca, como a do comercial provocador de uma fábrica de lingerie para o qual dei link em algum lugar, minha imaginação voa. Com todo o respeito.

Acho que foi Machado de Assis, na Missa do Galo, que falou no impacto que sentiu ao ver a canela de uma senhora. Mas posso estar errado. Se alguém ler a Missa do Galo, de toda forma fará um bem a só próprio.

De volta. Penso, por segundos fugidios, nos mistérios insondáveis que se escondem por trás daquele traje tão estranho para nós, ocidentais. Uma vez, vi olhos bonitos,  maquiados com apuro, e a barra de uma calça jeans que poderia estar numa garota tatuada e com um piercing na língua em Nova York. Não vou dizer que fiquei perturbado, pois seria exagero. Mas aquela cena ficou gravada em mim quando a maior parte das coisas que vejo se perde.

Tio Fabio, falecido homem sábio do interior, Deus o tenha, uma vez me disse que uma mulher que esconde pode inspirar mais do que a mulher que mostra. Eram os tempos da moda do topless, e Tio Fabio observava com algum tédio e muita rapidez, numa revista fotográfica, aquela sucessão de “mamilos exibicionistas”, como ele os chamava em sua voz estentórea de Fred Flintstone.

Anotei a frase num caderno, como sempre fiz até a morte serena de Tio Fabio, uma noite em que ele me confortou em vez de ser confortado. Mas só fui entendê-la mesmo ao ver a barra dos jeans de uma mulher de burca.

A mulher que esconde pode inspirar mais que a mulher que mostra. Agora mesmo estou com essa frase, anotada alguns anos atrás, diante de mim. E como um filósofo barato, e ainda mais órfão com a morte de meu mentor, fico refletindo sobre ela.

“O melhor sexo do mundo é o meu. Desculpem, mas acho impossível existir um melhor…”

26/10/2009

OBRA: Girl with Dolphin and Monkey
ARTISTA: Jeff Koons

TODAS AS MENSAGENS me interessam. Mas algumas também me intrigam. Leiam comigo, por favor, esta abaixo. Decidi trazê-la para a vitrine pela mistura inflamada e rara de autocrítica, raiva, êxtase, impotência e aconselhamento. Cléo é a autora, mas prefiro tratá-la, familiarmente, como Miss Tormento. Vejam. Ela está num buraco e sabe disso, a despeito do melhor sexo do mundo que seu Cafa Homem lhe proporciona, mas não gostaria que vocês vivessem a mesma mistura de pesadelo, mais um pouco de pesadelo e, enfim, na cama, sonho, um sonho fugidio que desaparece assim que ela recoloca a roupa e volta à rotina. Miss Tormento tem sentimentos ambíguos por seu Cafa Homem, horrorizada pela condição de outra mas fascinada pelas viagens sexuais a que ele a leva.

Está claro, para mim, que Miss Tormento, assim como tem conselhos a dar, quer recebê-los também. O meu, bem, o meu fica para depois. Vamos dar uma primeira rodada com vocês, conselheiras quase tão sábias quanto Tio Fabio, Deus o tenha, caso exista. O comentário de Miss Tormento merece atenção em cada letra:

Acordem meninas!
Acreditar que um PA vai satisfazer vocês, por se acharem descoladas e não estarem “apaixonadas” pelos CAFAS de vocês, é ilusão da mais dolorida possível…
Sinto decepcioná-las, mas há 4 anos atras entrei numa história idêntica a todas aqui narradas, e o preço que tenho pago desde então, nem o melhor sexo do mundo paga (sim, o melhor sexo é o meu, desculpem, mas acho impossível existir um melhor…)
E esses 4 malditos anos eu tenho tentado me livrar do tal CAFA que é noivo, e que no começo até tentava me convencer que a noiva não chegava aos meus pés, mas agora sequer tenta fazer isso, porque nada no mundo me convence que, caso isso fosse verdade, ele não estaria aqui na minha cama…
É MENTIRA DA MAIS DESLAVADA ACREDITAR QUE SÓ SEXO VAI SATISFAZÊ-LAS… Ilusão que o melhor sexo do mundo não paga o preço da dor que vocês sentirão mais tarde…
E olha… Tenho 30 e tantos anos… Mais de 15 de estrada… E nunca doeu tanto.
Isso por acreditar ser descolada o suficiente e me enganar acreditando que o que eu queria do meu cafa era apenas mais uma noite de sexo…
Cuidado gurias… MUITO CUIDADO! Eles jamais vão deixar  noivas/namoradas/esposas… E assim como vocês, eles tem diversas outras trepando com eles nesse exato momento! Sim, vocês são APENAS MAIS UMA, enquanto eles são UNICOS E INSUBSTIUÍVEIS nas suas vidas…
DE CORAÇÃO: fujam!

Eu de volta.  Miss Tormento quer que as gurias de nossa turma façam o que ela, viciada irremediavelmente nos gemidos alucinantes que seu Cafa Homem lhe traz na cama, não consegue. Fugir.Miss Tormento fala, racionalmente, com os lábios de cima, mas age, emocionalmente, com os de baixo, fêmea que não resiste, por mais que se debate em dilemas maiúsculos e auto-recriminações dilacerantes, ao apelo voraz da vertigem erótica.

Aos debates. Como vocês recebem as palavras de Miss Tormento? E o que diriam em resposta a essa mulher dividida entre o gozo estarrecedor e a angústia cruel como um cossaco russo? Com certeza, Miss Tormento enriquecerá nosso divã com seus comentários. A não ser que seja solicitada 24 horas por seu Cafa, o que me parece altamente improvável dada a noiva e demais compromissos do homem que é, para ela, o Rei do Sexo e o Rei da Dor.

“Algo me diz que ainda posso ter esse homem em minha cama novamente”

25/10/2009

Recebi da Senhorita Z um novo email. Ela me dizia que, por algum motivo tecnologicamente obscuro, não estava conseguindo deixar comentário aqui no blog. Queria responder às perguntas, muitas, que lhe foram feitas. Copiei e colei, no texto em que ela narra sua perturbadora história de amor com um professor que não apenas tinha idade para ser seu pai como, mais complicado ainda, carregava uma aliança na mãe esquerda. Mas ali, onde deixei a nova correspondência da Senhorita Z, as palavras ficam meio perdidas, percebi pelo silêncio ensurdecedor em torno delas. Mulheres são, por natureza, dispersivas, e um novo assunto vai matando o anterior com a crueldade de um cossaco russo e a sem cerimônia de um cigano búlgaro.

Por isso decidi trazer ao palco central outra vez a Senhorita Z. As respostas individuais estão onde as coloquei inicialmente, e recomendo que as leiam no conjunto. Percebi agora na Senhorita Z, que ousou quebrar um tabu e desafiar o conjunto de crenças sob o qual fora criada e educada, um desejo de vingança, que, até por ela mesma, reprovo.  Palavras do Mestre Yoda: “Raiva leva a ódio. Ódio leva a sofrimento.”  É sábio combater a raiva, dizia Tio Fabio.  Bem, de resto uma frase, em particular, me impressionou pelo tom semierótico, nostálgico e impetuoso: “Algo me diz que ainda posso ter esse homem em minha cama novamente”. Uma coisa é certa: eu não gostaria de estar na pele do noivo da Senhorita Z.

Com a palavra, outra vez,  a aluna que se entregou ao mestre Pecadinho nas terças e quintas da paixão:

Sobre sua pergunta … [Eu tinha perguntado a ela quais tinham sido os capítulos seguintes depois que a esposa de Pecadinho apareceu em sua porta.]

Assim que nosso acabou ele ficou silente por um tempo. Curto, mas ficou.

Comecei a receber e-mails de uma pessoa que não existia, eu não conhecia, mas com uma maneira muito parecida de escrever. Não demorou pra que eu descobrisse que era ele. Esse e-mail era necessário já que foi através do e-mail que ela nos descobriu… [Ela é a esposa do professor.]

De lá pra cá, semanalmente nos falávamos. Eu tinha crises, claro. Esperei por ele, alimentei esperanças, vim tocando a vida como quem sempre espera uma surpresa.

Até o dia em que cansei e fiquei sabendo que a reconstrução do casamento estava mais evoluída do que podia imaginar. Ele realmente estava arrumando a casa. E a intenção dele era acalmá-la e voltar pra mim, mas daquela mesma maneira: terças de manhã e quintas a tarde.

Foi um choque. Larguei o que eu tinha de concreto: emprego, início de carreira, a liberdade de quem mora longe de casa. Voltei pro interior.

É importante ressaltar, Fábio, que minha família é muito tradicional. Meus pais são muito novos (minha mãe não chega a ter 20 anos de diferença da minha idade) e muito religiosos. Fui criada dentro da igreja sabendo que família é uma instituição sagrada. A filosofia do casamento perfeito e para sempre é o que eu aprendi que é o certo. E o que Deus une, ninguém separa.

Quando terminamos, a ameaça do fim do casamento dele me fez sentir toda a culpa do mundo. Enlouqueci a ponto de passar 18h dentro de uma igreja, pedindo a Deus perdão, e que conservasse o matrimônio por mim abalado.

Voltei pra casa. Reencontrei um namoradinho de adolescência e estamos de casamento marcado. Ele, o atual, é um empresário. (…)

Não pense que estou quieta: não quero voltar pra ele. Não mesmo. Mas vou mexer com ele, como aqueles e-mails com codinome estranho mexeram comigo. Algo me diz que ainda posso ter esse homem em minha cama novamente. Essa idéia me assusta, mas ele não vai sair impune por mexer tão profundamente com um coração corajoso de mulher.


“Mulher detesta mulher ousada”

23/10/2009

Julia Franck é uma escritora alemã. Boa, não barata, como eu. Ela pretende erguer uma pirâmide literária enquanto eu, bem, eu jamais farei nada acima de uma quitinete.  “O sábio se contenta com o que tem, não quer nem mais e nem menos”, gostava de dizer Tio Fabio.

Voltemos a Julia. Nasceu na Alemanha Oriental em 70, e é uma autora premiada. Sua obra não é erótica, como a de Anais Nin, que acho que todo mundo deveria ler. Mas o sexo tem presença marcante nos romances de Julia. Li uma entrevista com ela da qual gostei pela inteligência nas respostas, desassombro nos argumentos e graça nas cotoveladas.  Foi no bom site chamado Deutsch Welle que vi, em português, aliás.

Julia, de quem se pode encontrar em português o romance A Mulher do Meio-Dia,  esteve no Brasil há algum tempo para divulgar um livro de relatos sobre a Alemanha nos tempos em que esteve dividida, entre 1945 e 1989. Uma digressão: com base no que viu no Brasil, ela escreveu um conto em que descreve, ferinamente, o culto nacional ao corpo.

Mas o que mais me chamou a atenção mesmo foi uma frase de Julia sobre as mulheres, em geral. A entrevistadora tocou na questão do sexo nos romances de Julia. Perguntou se isso, a ousadia sexual de sua prosa, não era um ponto pelo qual era relativamente fácil atacá-la como escritora, retirá-la da esfera da chamada Grande Arte. Julia, na resposta, sacou sua pistola verbal e atirou, não na entrevistadora competente, é claro, mas em suas colegas de sexo. “Não são somente os homens que ridicularizam as mulheres. Também as mulheres atacam rispidamente outras mulheres quando elas ousam demais.”

Vou repetir as palavras dela, para que fiquem claras:  “Não são somente os homens que ridicularizam as mulheres. Também as mulheres atacam rispidamente outras mulheres quando elas ousam demais.”

Tenho a impressão de que Tio Fabio gostaria de ter dito uma coisa dessas, em seu vozeirão tonitruante de Fred Flintstone. “Mulher detesta mulher ousada”, ele dizia em seu jeito direto, sem pompas, um admirador fanático das atrevidas, petulantes e desafiadores de todos os credos e raças.

Julia Franck,  a alemã que não economiza em cópulas nos seus romances, está certa como um relógio berlinense, eu acho. E você?

“Sou a esposa do professor com quem você está tendo um caso há mais de um ano”

21/10/2009

Mais uma história de dor, paixão, entrega completa chega à minha caixa de correspondência. Uma universitária com claros pendores literários desabafa comigo como se estivesse diante de um velho amigo. Fico quase comovido. Um leitor ter tamanha confiança em você a ponto de abrir seu coração por completo é uma recompensa improvável para um escritor barato. Para não perder a onda, vou chamá-la de Senhorita Z.  Basicamente, ela se apaixonou por um professor a quem chama num momento, poeticamente, de Adão e depois, espirituosamente, de Pecadinho.

A si própria, ela chama de Giselle. A Senhorita Z relutou e tentou se controlar quando se sentiu mental e fisicamente atraída por Pecadinho. Fora a diferença de idade, e ele ser seu professor, Pecadinho era casado. Mas os sentidos acabaram por vencê-la. Perguntei a ela se poderia, com nomes alterados e os devidos cuidados para não expor ninguém, publicar a história para que nosso grupo examinasse o caso e comentasse, talvez ajudando-a a se recompor para tocar a vida depois do final de um amor traumático. “Confio em você, Fabio. Como confiei, corpo e coração, em meu mestre.”

O caso está contido no último email que a Senhorita Z enviou a Pecadinho. Um relato de dor, angústia, êxtase, perplexidade, mas não de arrependimento.  Caudaloso, voluptuoso, e em certos momentos traindo a confusão que se apossou da Senhorita Z  ao se tornar aluna, pupila e amante de Pecadinho. A situação ganhou contornos desesperadores num certo dia em que alguém apareceu na porta da  Senhorita Z.  Era a outra, a grande rival na afeição de Pecadinho, aquela que merecera dele a aliança modesta que levava, orgulhosa, no indicador esquerdo. “Minha campainha tocou e ouvi uma mulher de 1,55, cabelos encaracolados, uns 38/39 anos, feição bem parecida com a minha, dizer (nunca vou me esquecer da cena): “Giselle, sou esposa do professor com quem você mantém um caso há mais de um ano. Temos um filho…” A vida da Senhorita Z haverá sempre de estar dividida em duas etapas: antes e depois da campainha cujo som foi cruel como um cossaco russo.

Abaixo, o email que a Senhorita Z enviou a Pecadinho. Reparem que começa num tom informal, numa quase ficção jornalística. Depois vem a exposição seca, contudente, apaixonada dos fatos.

“A estudante Giselle é apaixonada por um homem quase 20 anos mais velho e casado. Para complicar ainda mais, ele é professor dela. A relação já dura 14 meses. Ela resistiu à paixão, mas acabou se entregando. Apesar da dor e do remorso pela sua situação, Giselle conheceu as delícias de viver uma grande e enlouquecedora paixão”

Daria uma matéria e tanto!!! Mas eu escreveria assim:

Tirando a brincadeira, eu sempre soube que a gente tinha hora marcada. Encare esse e-mail como um desabafo sincero, para que possa conhecer o que falta por aqui dentro… Sei exatamente o dia em que me apaixonei por vc: dia 18 de janeiro, quando eu voltei de casa, e depois de um longo mês eu te vi novamente. Lembro como se fosse hj: vc pegou na minha mão e me olhou como quem está encantado, enquanto o frentista te esperava na janela do carro, mas vc nem percebeu. Naquele dia eu admirei vc. Olhei muito. Sabe, geralmente qnd nos vemos vc está de terno e gravata. Naquele dia eu só queria sua cara lavada, seus olhos sobre mim. Te ver sem moldura me fez implodir de paixão! Já nos conhecíamos há quase um ano quando vc invadiu o meu sossego! Fora quando te vi de terno pelos corredores da faculdade, me veio como uma aparição!

Dali em diante, Pecadinho, vc seria pra sempre. Mas ainda sim eu comecei a me policiar, achando que era empolgação. Em qualquer lugar do mundo é uma situação muito delicada uma aluna se apaixonar por um professor. E eu sei bem disso. Na faculdade eu te namorava de longe… Meses se passaram e a paixão não diminuiu. Preferi deixar a razão de lado e me entregar à paixão, me expondo a todos os riscos que você me oferecia. Bom, vc sabe como ninguém que eu guardei essa paixão em segredo por um bom tempo.

Só quando março voltou, depois de um ano que eu havia te conhecido e te paquerado pela primeira vez, pensei: ‘Tenho que desabafar com alguém… Que droga de amiga de infância é essa que não pode nem ouvir?’… Chamei a Jussara pra sair e contei td. Ela ficou de queixo caído, mas ela me conhece bem. Disse que sabia que eu não era muito puritana, mas daí a manter um relacionamento desse tipo, ela nunca acreditava. Até pq (talvez vc saiba melhor que ela) quem está acostumada com td na mão, a tempo e hora que quer, não trataria com naturalidade essa situação. Mas fazer o que se eu estou na minha pele? Começamos a discutir a idéia de eu dividir meu sentimento com vc, mas ‘se rolar sentimento, não rola’ (expressão usada no nosso primeiro encontro) não saía da minha da minha cabeça. E ai ‘Se amar é perder eu não quero te amar e ficar sem você’ também tinha grande significado pra mim. Como sempre em nosso envolvimento tão peculiar, eu disse ‘gosto, gosto muito pra desistir sem falar’ por e-mail. Aliás, a tecnologia só trabalhou a favor do nosso namoro.

Escolhi um dia em que estivesse longe, pq se a dor me pegasse, em casa eu encontro conforto e muita atenção. Confesso que quase desisti, mas a gente estava numa situação delicada, então não havia nenhum motivo pra continuar escondendo. Eu só pensava em como vc leria aquilo. Imaginei sua expressão. Vc tão desavisado me intimidou. Na sua resposta vc foi meio tímido, um pouco assustado, mas doce como sempre. Me tratou com a ternura e o cuidado que eu precisava. Como não poderia deixar de ser, vc foi didático: : ‘Infelizmente, não tenho como estimular esse sentimento… Mas preciso dizer que sou um homem dividido. Gosto de duas mulheres’. O que pra qualquer pessoa seria uma ofensa, pra mim foi vitória. Conquistar um lugar que antes não era meu, pra mim veio como um troféu. Eu não tinha expectativa de que sua reação fosse diferente, só queria que vc soubesse o que eu sentia. Queria que vc entendesse que a paixão não escolhe hora, local, pessoa. E vc sabia muito bem disso e ainda me lembrou que todos nós corremos o risco do amor repentino, e eu era apenas uma vítima dessas surpresas que o coração apronta. Contar a vc me aliviou, foi um desabafo, como este e-mail de agora. Graças a Deus, daquele dia em diante, nunca mais fomos os mesmos. Nós criamos mais cumplicidade, que a vc diverte e a mim embaraça!

Vc passou a ter uma preocupação a mais e eu sei disso muito bem. Tomou bastante cuidado para que o sexo, que antes era muito desprendido, não me soasse como apenas sexo. Tanto que me lembro de vc perguntar se ainda poderia me dizer ‘trepa gostosa’!!! O que acontece quando nossos corpos se encontram nunca existiu pra mim. É uma coisa muito maior do que eu poderia imaginar. E eu sei bem que dificilmente acontecerá assim com outra pessoa. Sabe, uma vez a Sara me disse “Querida, vc vive a iminência do final, quando qualquer pessoa comum estaria fazendo planos e querendo mais. Vc não acha cruel?” Lembro de só responder: “Estou feliz”.

Hoje tenho um sentimento controlado. Não quero enlouquecer. Só vou gostar de vc, mesmo que vc não queira ou não me goste. Estou desarmada. Eu vou sobreviver, mesmo tendo te perdido. Nosso problema sempre foi de adequação. Vc não me pode, da mesma maneira que eu não te posso. Eu não cheguei na hora errada. Só atrasada. E mesmo assim, ainda tive a oportunidade. Maravilhoso demais!!! Sou muito alegre por isso. É como se fosse meu prêmio de consolação! Esteja convencido de que, nesses 3 últimos meses eu vou fazer de td para que nossa relação acadêmica não mude.

Sabe o que eu mais gosto na nossa relação? O segredo gostoso de poder conviver com vc, sabendo de td que rola fora da universidade (ou dentro!!) e poder conviver com isso como num filme! Ninguém nunca percebeu nada entre nós, mas meus colegas sempre ficavam intrigados com meus sumiços repentinos, com minhas saídas na hora do intervalo (pra te amassar) e com os bolos e biscoitos de café da manhã. Mas ninguém nunca suspeitou da gente. Isso é o que me fascina. Como eu posso enganar tão bem? Como eu tive a capacidade de te ter como um garanhão num banheiro sujo de serviço de uma universidade? Como eu posso ter sido ousada a ponto de me entregar a você num estúdio-escola de TV? Como??? Sei que outras pessoas vão aparecer, mas acho difícil que alguma relação seja páreo para tudo o que nós vivemos.

É a primeira vez que vivo uma paixão tão verdadeira, que consegue resumir muita troca de carinho e sexo bom ao mesmo tempo. Tento não me enganar, mas às vezes, fantasio vc comigo. Já imaginei nossos caminhos se descruzando e a gente se reencontrando no futuro. Já passou pela minha cabeça perguntar a vc se eu teria chance, caso vc não fosse casado. Mas preferi não mexer nesse assunto, porque a resposta, negativa ou positiva, seria dolorosa. Se vc respondesse que não, eu ficaria chateada, claro. Se vc dissesse que sim, aumentaria o tamanho da minha perda. Eu sofreria sabendo que vc é capaz de me querer, mas não me pode.

Sem querer, Pecadinho, vc me fez um favor: me tornou mais generosa. Talvez porque qualquer pequeno gesto seu -um sorriso, uma palavra- me conforta e me aquece. E, para se contentar com pouco, você tem de aprender a dar sem esperar nada em troca. Situação difícil pra pessoas mimadas! Pode se sentir vitorioso! Vc fez de mim uma pessoa muito generosa. Estar apaixonada por vc é exercitar a generosidade. Bom, minha paixão por vc está bem calma, mas continua intacta. Vou sentir saudades de vc, vou ter que ter disciplina pra não te ligar, não te procurar.

Mas sempre q eu te ver, sei que vou tremer por dentro, como naquele 18 de janeiro. Eu vou filtrar meu acesso a vc, porque sei que será difícil controlar o que sinto. Quando vc vem falar comigo, ou vou até vc, meu corpo estremece, meu coração dispara. Tenho ciúmes dos colegas que conseguem conversar com vc naturalmente. Mas nossa relação acadêmica, como prometi, não vai mudar. E não vou usar esse nosso segredo para obter nenhuma vantagem. E saiba que se, por ventura alguém descobrir nosso segredo, terei o maior prazer em confirmar pra td universidade td o que nós passamos juntos (brincadeiraaa)! Posso ter sido grossa e incompreensiva qnd me referi à sua vida como ‘problema seu’. Mas entenda que essa foi uma maneira de me proteger, e te proteger! Não sei nada da sua vida pessoal, e nem quero saber. Não tenho curiosidade nenhuma. A sua história e da sua família não tem nada a ver comigo Quis te dizer isso para, mais uma vez, expressar o que sinto por vc.

E tmb pra que vc conheça de verdade td o que se passou aqui dentro. Se eu pudesse voltar no tempo, sentiria de novo tudo o que senti desde que o conheci. Claro que seria o paraíso se eu pudesse te ter nos meus braços novamente. Na pior das hipóteses, se isso não acontecer, vou levar para a velhice uma bela história para contar. E quem acha que isso é pouco jamais sentiu alguma coisa parecida. E pra terminar: “pelo menos não vivo a pior culpa: a de não viver os meus desejos” Um beijo.

Fernanda Young diz que vai “salvar o erotismo da breguice” na Playboy

20/10/2009

Existem várias razões para uma mulher posar para a Playboy.  Uma delas, em geral a maior, é o dinheiro. Outra, diretamente ligada à anterior, é a exposição, eventualmente capaz de dar um sopro novo e derradeiro a carreiras em desaceleração. Exibicionismo é uma motivação menos frequente, mas não rara. A escritora Fernanda Young parece que inovou. Em seu twitter, Fernanda Young, uma espécie de Mainardi de batom no bom humor pétreo e na modéstia sorridente,  alinhou dez razões para posar para a Playboy, e nenhuma delas inclui as clássicas e óbvias.

Fernanda Young diz que vai salvar o erotismo da breguice. Ah, sim. Ela vai posar por uma causa, uma valente soldada do erotismo que merece medalhas e um relógio de ouro para guardar na gaveta e mostrar aos netos.  Outro motivo, segundo ela, é que ‘existem mulheres no mundo que ainda precisam tapar o corpo”. Imagino que ela esteja se referindo às mulheres islâmicas. Então também as muçulmanas de todas as partes deveriam se prostrar e agradecer a Fernanda Young pelo sacrifício que ela está fazendo. Se o hijab, aquele traje que cobre a mulher árabe exceto nos olhos e nas mãos, for abolido, as islâmicas ficarão devendo o favor às páginas em que Fernanda Young aparece pelada na Playboy, no auge curvilíneo dos seus 40 anos.

Vocês já viram a série de leituras dramatizadas dos tuítes de celebridades que o Washington Post faz em seu site? Um vídeo simples,  e atores desconhecidos lendo enfaticamente, como se declamassem Hamlet no Royal Albert Hall, tuítes escolhidos finamente. Pena que não exista ninguém fazendo isso por aqui.

Fico imaginando alguém lendo os dez motivos de Fernanda Young, ou dois ou três. Feche os olhos e pense na cena. Ou olhe para o espelho e repita, como mantras do humor involuntário, os tuítes de Fernanda Young sobre suas fotos para a Playboy.

Fernanda Young talvez não saiba, mas ela é uma boa comediante. Sério.

Tenho uma proposta: juntar aqui uma série de tuítes de celebridades nacionais à espera de uma voz que os interprete dramaticamente. Vamos nessa?

O Manual da Cafa

19/10/2009

Não raro os comentários são melhores que o texto do qual nasceram. Aconteceu agora neste blog. A história da Senhorita Y, a garota que se entregou a um homem na primeira vez em que saíram e depois foi objeto de desprezo, gerou uma discussão, no meu entender, extraordinária. Decidi trazer para cá, para a vitrine, um comentário particularmente intrigante, assinado apenas por R. Pelo teor, é compreensível que ela prefira não ser identificada. R diz ser executiva de uma empresa em algumas de cujas reuniões aparece sem nada sob seu tailleur de griffe, apenas para se divertir um pouco entre infindáveis slides de powerpoint.

R se definiu como uma Cafa Fêmea, em contrapartida ao homem que possuiu cedo e largou também cedo a Senhorita Y.  Tanta repulsa provocou a frieza daquele homem que alguém chegou a qualificá-lo como Mona. Não descarto a hipótese, francamente, e não estou dizendo isso em represália ao fato de minha mãe ter sido insultada por ele. É que tanto desprezo por mulheres pode esconder, conforme li numa biografia de Jung, um ódio enorme de si próprio e sua condição de homossexual escondido. Terá sido a Senhorita Y vítima não de um homem bruto mas de alguém que não aceita a si mesmo no campo do sexo? Ou simplesmente, como foi colocado com alguma corrosão, um Mona inconformado?

Não sei. Talvez nunca saibamos.

O que fiquei sabendo, na rica discussão que está sendo travada, é que existe a Cafa Mulher. Ela se auto-descreveu detalhadamente. Copiei-o e colo-o agora para que seja lido por mais gente. Aos leitores homens, o auto-retrato sucinto e desconcertantemente franco de R pode servir de alerta para que evitem mulheres interessadas apenas em usá-los e descartá-los. Às mulheres, pode ser uma forma de verificar em que grau podem, ou não, ter sintomas da Mulher Cafa.

Não simpatizo com gente como R, confesso, mas admirei o candor, ou cara de pau, ou cinismo, com que ela se referiu ao próprio futuro. Disse que, quando estiver velha e já não atrair homens e nem desejá-los, se tornará “monja budista” e fará palestras de auto-ajuda com as quais imagina que garantirá uma velhice luxuosa. Outras mulheres fazem isso, segundo ela. Não quero discutir assuntos religiosos neste fórum, e tenho vários amigos budistas ou semibudistas que talvez esbofeteassem a Cafa Mulher por essas palavras profanadores. Enfim, vamos à descrição que R fez dela mesma:

Minhas características:
1) Dou e descarto sem piedade;
2) Só vou para a segunda vez com o mesmo cara se ele foi ma-ra-vi-lho-so
me comendo. Se pensei na minha maquiagem durante o sexo, nevermore;
3) Um jantar antes num restaurante que eu escolho é essencial. A conta é dele, evidentemente.
4) Detecto Cafa Masculino no ato. Sem chance. Cafa com Cafa num dá.
5) Na empresa, em que sou gerente de marketing aos 27 anos, me visto e ajo como se fosse uma uorcarrólica virgem. De vez em quando, para me divertir, estou sem calcinha sob meu tailleur de griffe numa reunião com diretores chatos e velhos como uma ópera nas quais a língua falada é o inglês caipira de Arkansas.
6) Jamais saio com chefe, colega e muito menos subordinado.
7) Tenho um vibrador, nickname Brad, para preservar a auto-suficiência, um item vital para a Cafa Fêmea.
8) Se sinto que estou me apaixonando, desapareço por mais que doa. Sei que estou me livrando de uma dor ainda maior no futuro.
9) Tenho o maior desprezo pelo amor romântico.
10) Não chamo nunca o cara pelo nome para não cometer erros desnecessários.
11) Brochou? Sem segunda chance. E ainda leva uma gargalhada como recompensa.

Não sei se rio ou se choro. Certo é que não quero cruzar com R ou nenhuma outra Cafa Mulher. Tio Fabio, um falecido homem sábio do interior, dizia que muitas vezes a melhor companhia de alguém é a completa solidão.  Neste caso, é verdade absoluta.


A moda da barba e a Senhorita Z

17/10/2009

Barba. Vou escrever sobre o que coloquei no título. Mas calma. Antes quero rir. Porque barba me remete a um esquete clássico do Monty Python que você encontra facilmente no YouTube. É uma partida de futebol entre os filósofos gregos e os alemães, e a cena mais engraçada é quando Karl Marx começa o aquecimento para entrar no time da Alemanha. O cara que interpretou Marx é mais parecido com Marx que o próprio Marx.

Bem, a barba, segundo os especialistas, voltou à moda. Uma das evidências está em David Beckham, que virou notícia pela barba à Marx, ou quase, que subitamente passou a usar. Quando formadores de aparência como Beckham aparecem com alguma coisa nova, a repercussão é transatlântica. Se você der um Google vai ver que Beckham hirsuto é notícia no mundo todo.

Uma blogueira européia que estava hoje na página principal do WordPress centrpu seu texto na moda da barba. Ela logo avisou que não gostava. Barba, para ela, envelhece o homem. Pior ainda, foi adiante a blogueira, quando é usada para compensar a perda de cabelo.  Aí, no parecer sarcástico da blogueira, o homem chama a atenção exatamente para aquilo que pretende ocultar. (Lembro uma tirada de Bruce Willis. Ele já estava longe de poder usar uma franja, e disse que depois de uma certa idade o cabelo aparece nos lugares errados, como o nariz.)

A blogueira disse que gosta de cara limpa. Não só ela, segundo uma pesquisa apresentada no texto. A grande maioria dos homens dizia acreditar que a barba aumenta a aparência de virilidade, de macheza. Só que as mulheres diziam, na maior parte, que a barba não está com nada. Uma ilusão masculina? Talvez não. Já no primeiro comentário uma mulher dizia gostar de barba. Uma amiga minha dos tempos de faculdade, que vou chamar aqui de Senhorita Z, dizia, depois que tomava o segundo steinhegger, que não havia sensação melhor na vida do que uma barba pinicando furiosamente sua, bem, como dizer?, sua bu, não, não dá, minha mãe me mataria ao ler, sua periquita.

A periquita da Senhorita Z era maluca por barbas. Quando frequentei, por algumas semanas, o apartamento que ela dividia no bairro longínquo do Ipiranga com uma amiga de Amparo, e não apenas para fazer trabalhos escolares, tive que suspender o uso diário do Philishave.

Minha mãe ficou feliz quando ouviu o barulho do Philishave outra vez. Ela sempre detestou barba, cachorro e erros de português, que ela corrigia como recomendava o imperador-filósofo: usando sutilmente a mesma palavra ou expressão da maneira certa.

Mamãe está na maioria antibarba da pesquisa. Eu oscilo entre fases de cara limpa e outras de barba. Quando canso de mim mesmo, mudo. Barbas me remetem a muitas coisas, entre as quais o aplicado e carrancudo Karl Marx do Monty Python. Mas nenhuma delas se compara à imagem inflamada, entusiasmada, quase histérica da Senhorita Z, querida colega por alguns anos e mais que isso por umas semanas, ao falar em tons épicos do efeito de uma barba em sua alegre, acolhera e saudosa periquita.

As histórias de sexo, amor e desamor são mais complexas do que se imagina

16/10/2009

Recebi de um leitor uma mensagem interessante. Melhor: de um não leitor. Ele jamais leu um texto meu até lhe remeterem os dois que escrevi sobre a Senhorita Y, a leitora que pedia conselhos por se entregar vertiginosamente a um tipo que ela descreveu como um Macho Alfa elevado á sétima potência, uma mistura de Chuck Norris com Stallone e mais uma pequena adição do Íncrível Hulk. Algumas leitoras simplificaram a coisa e o chamaram simplesmente de Cafa.

Bem, o não leitor de quem eu falava tomou conhecimento de mim por um amigo. que lhe remeteu os dois posts em que eu tratei da angústia erótica da Senhorita Y, dividida entre o Cafa e um homem apaixonado e devotado, que chamarei de Bom para simplificar, mas, segundo ela, carente de inventividade na posição sexual, um praticante petrificado do clássico papai-mamãe. Ela se mostrou tocada com os conselhos oferecidos aqui em nosso fórum, e eu disse a ela que, antes de descartar o Bom, deveria ser franca com ele. Dizer que variações na posição são necessárias para a felicidade sexual dela e, eventualmente, tomar a iniciativa na ampliação do repertório. Dar de presente o Kama Sutra pode ajudar muito.

Alguns homens nascem para ficar em cima no sexo e outros em baixo. O Bom, ao que parece, está na segunda faixa. Se a Senhorita Y ou qualquer outra mulher deixá-lo guiar, a viagem sexual será um tédio massacrante como aquelas conversas que você é obrigado a ter com uma tia solteirona.

O não leitor, ao ler os meus textos que lhe foram mandados por um amigo confidente, notou sinais de que ele era o Cafa. Reproduzo, sem citar o nome, evidentemente, a correspondência. Tirei as vírgulas erradas, os erros de concordância e outras pequenas coisas gramaticais em nome da clareza e precisão. O depoimento pode nos auxiliar a entender melhor a complexa história da Senhorita Y e seus dois homens.

“Fabio. Não sei se estou ficando louco, mas achei que era eu ali naquela história. Me vi num papel que não é meu. O de canalha. Sou apenas, como você, um cara sincero. Nunca prometi nada à Senhorita Y e por isso não acho que ela tenha direito de me cobrar. Com ela quero sexo e de vez em quando para não enjoar. É pegar ou largar. Ela pode simplesmente não atender meus telefonemas como eu não atendo os dela. Se atende é porque quer.

Fiquei incomodado, admito. Ela é ingrata e egoísta. Na cama me disse que eu tinha sido o primeiro homem com quem ela gozou sendo comida simplesmente. Não tenho  muita paciência para preliminares, me desconcentro fácil e penso em coisas do trabalho e do meu time enquanto minha boca está você sabe onde, mas acho que compenso em dobro na hora do vamos ver. Tive que tapar a boca da Senhorita Y na cama porque os gritos dela poderiam acordar Nova York. Estávamos no apartamento de um amigo e ele veio até a porta do quarto se queixar do barulho. Disse que os vizinhos poderiam achar que era ele e como ele quer comer uma vizinha isso era inaceitável. Quer saber a verdade? Como ela não parava de gritar, chegou uma hora que dei um tapa na sua cara. Sabe o que ela fez? Depois de um segundo de surpresa, disse: “Mais, mais”. Não foi a primeira mulher que reagiu assim. Muitas talvez nem saibam o quanto gostariam de receber uma bofetada na cama de um homem de verdade.

Isso ela omitiu nas cartas que mandou a você, não é verdade? [Do autor: sim, é verdade, mas não acho relevante.] Não sou PA de ninguém, como sugeriu uma leitora num comentário. Minha mãe me criou muito bem para que eu seja um PA. É uma ofensa ser chamado de PA. Sou apenas um cara normal, 26 anos, administrador formado pela GV, há dois anos numa multinacional, e com planos de um MBA no Insead, na França. Já ouviu falar? [Do autor: já, já ouvi.] A Senhorita Y está causando, essa é a verdade. Mulher que causa eu finalizo uma vez, no máximo duas e pronto.[Do autor: finalizar, pelo que entendi, é levar para a cama.]

Fiquei ultramegachateado [do autor: parece palavra alemã, pelo tamanho] ao conhecer as circunstâncias em que finalizei a Senhorita Y da segunda — e última, juro, a não ser que numa noite eu dê muito azar e fique na mão, sem duplo sentido — vez. Se eu soubesse que um cara legal estava sendo passado vergonhosamente para trás, jamais teria feito o que fiz. Ok, teria, mas ficaria com algum remorso.

Desculpa pelo desabafo, Fabio. Mas eu precisava colocar a minha versão da história, se estou certo em minha desconfiança de que sou o ‘canalha” da história. Se você quiser publicar meu depoimento, ok, desde que meu nome seja omitido. Tenho que terminar porque tenho agora uma reunião na empresa, uma daquelas sessões de tortura diárias. Hahaha. Até mais.”

Este o final do relato. Um hahaha e a despedida.

As histórias de sexo, amor e desamor são mais complexas do que a gente imagina. Fiquei intrigado com algumas crenças sexuais do Cafa ou, caso prefiram, o não-leitor. A questão do “bofete justo”, por exemplo. Bem, uma nova rodada de debate está aberta.

Fêmeas de baixa qualidade procuram machos de baixa qualidade

15/10/2009

Bem, é o que acontece no mundo dos pássaros, segundo uma pesquisa feita por estudiosos na França. Foi uma surpresa, li. Imaginava-se que a luta das fêmeas seria sempre pelos melhores machos disponíveis. Não foi assim. Qualidade, num pássaro, fiquei sabendo, se mede por itens como a expectativa de vida, o metabolismo, o grau de atratividade e o canto.

Mas não. Fêmeas de segunda linha preferiam não os superpássaros, mas os vulgares como elas.

É um estudo de gente admirada internacionalmente, sob a liderença da cientista Marie-Jeanne Holveck, de um centro de experimentos de Montpellier, na França.  E então a repercussão foi intensa e imediata.

A pergunta que logo se fez: o mesmo se aplica para nós, seres humanos?

Hmmmm. Acho que, bem, estou um dúvida. Penso nas pessoas que conheço, e tento estabelecer uma relação com o universo dos pássaros. Mas não encontro uma resposta clara.

Tenho a sensação, no entanto, de que no fundo é tudo mais ou menos a mesma coisa. Fêmeas e machos que voam como os pássaros, me parece, se comportam sexualmente como fêmeas e machos que arrastam os pés no chão, como nós.

Certo?  Errado? Mais ou menos?

Mulheres que sofrem por sexo

14/10/2009

“A Tracey. Você gosta dela?”, ele perguntou.

“Detesto. Mas do Hirst gosto. Gosto muito”, ela respondeu.

Estavam em Praga, jantando no U Mecesane, um dos mais antigos restaurantes da cidade. Mais de 400 anos.  Um relógio de cuco marcava a hora errada, 15 minutos adiantado. Era um salão pequeno, elegante sem ser suntuoso, e ele comia com entusiasmo um prato local que lhe fora recomendado pelo garçom falante, pedaços de carne recheados de presunto e bacon, e flambados com brandy, acompanhados de croquetes de batata. Ela apenas achava ok o pato que pedira. Tinha história aquele restaurante em Mala Strana, uma região de Praga a poucos minutos da Charles Bridge. Por volta de 1620 em suas mesas costumava se sentar um célebre carrasco de Praga, Jan Mydlar.

“Alguém disse que a Tracey é a Susan Boyle da arte. Lol.”

“Me dá um ódio quando você fala lol.”

“Não sou só eu. O Paulo também fala.”

“O Paulo é um bobo. Você sabe o que penso dele. Só porque leu Guerra e Paz pensa que sabe muito.”

Ele estava se referindo a Tracey Emin, a menina má da arte contemporânea inglesa.  E ela a Damien Hirst, o menino mau. Tracey, depois de quatro anos, acabara de montar uma nova exposição, chamada “Mulheres que Sofrem por Sexo”. O destaque era uma animação em que uma mulher, que Tracey dizia não ser ela, se masturba. Quanto a Susan Boyle, alguém comparara por maldade Tracey Emin a ela supostamente por ambas impressionarem pelo contraste entre o talento e a feiúra.

“Sei lá. A Tracey mistura demais a vida privada com a de artista pra se promover. Mas ela tem peito. Quero dizer, não peito fisicamente, que ela não tem, mas coragem. Ela é atrevida, e gosto disso. Acho também que ela provoca sentimentos, sei lá, eróticos nas pessoas que vêem seus trabalhos. Como a  Anais Nin fazia na literatura.”

“Mas aquela boca torta da Tracey. Francamente.”

“Minha boca é meio torta também. Lol.”

“Mas é boa de beijar. Não devia falar isso. Você vai ficar se achando. Como o Paulo. Só porque leu Guerra e Paz.”

“ Putz, não consegui passar da introdução”, ele disse. “Certos livros, melhor ver a história no cinema e depois dizer que leu para mostrar que você é culto. Guerra e Paz, por exemplo. Não existe escritor no mundo que mereça que a gente o acompanhe ao longo de uma maratona de 1 200 páginas.”

“Bom esse vinho”, ela disse. Era um cabernet da região.

“Meu, me atrapalhei quando o garçom falou se eu queria um vinho czech. É o mesmo som de chique. Achei que ele tinha perguntado se eu queria um vinho chique. Lol.”

“Praga é engraçada”, ela disse. “A cidade é linda, artística. Você vai ao museu do Mucha e depois ouve Mozart numa igreja, e no meio do caminho passa pela casa do Kakfa. É uma Paris em miniatura. Mas as pessoas são tão rudes. Fui expulsa de uma farmácia. Reparou nos motoristas de táxi?”

“Um quase me bateu porque eu sentei com você no banco de trás e não ao lado dele, lembra?”

“Por que eles são assim?”

“Acho que é por influência do domínio russo. Foram mais de 40 anos. Não há humor que resista ao stalinismo.”

“O bigode do Stálin. Horrível. Pior do que o do Hitler.”

“Mas esse restaurante, essa noite, esse lugar. E acima de tudo você.  Não, não vou esquecer. Praga forever.”

Na manhã seguinte, eles tomariam um avião, mas para destinos diferentes. Ele voltaria para o Brasil, onde morava, e ela para iria para  Paris, onde acabara de ser designada  correspondente de um jornal brasileiro. Tinham decidido viver em Praga a lua de mel que jamais tiveram. Sonhavam ir para Praga no começo do namoro, e acabaram indo no final. O lugar certo na hora não tão certa assim.

“Não vai chorar”, ela disse. Era firme, controlava bem as lágrimas, e assim fizera uma carreira rápida na redação que a levara velozmente a Paris. Ele era sentimental, um pouco atrapalhado, e achava que o emprego era menos importante que a vida pessoal. Sua carreira se estagnara, ou se movia lentamente como Henry Miller com a bengala na velhice, mas ele não se queixava.

“Lembra o Bogart em Casanova?”

“Sei de cor as falas.”

“ ‘Sempre haverá Paris para nós’”, ele diz na hora da despedida lembra?”

“Lembro a primeira vez que vimos juntos. Você  parecia um menino de dez anos entusiasmado como se estivesse vendo uma partida de seu time pela primeira vez.”

Ele respirou fundo. “Sempre haverá Praga para nós”, disse. E achou ter visto nos olhos delas um brilho úmido, talvez lágrimas tão reprimidas quanto Praga fora nos anos soviéticos.

Mas podia também ser apenas uma impressão. Afinal, ela não parecia ser, ao contrário de Tracey Emin e tantas outras, uma daquelas mulheres que sofrem por sexo.

“Começo a desconfiar que gosto de ser tratada a pontapés”, diz a Senhorita Y

12/10/2009

E eis que me chega mais uma carta de Senhorita Y, que se entregou por completo na primeira vez que saiu com um homem e depois, para sua frustração dolorosa, enfrentou a frieza esquiva do sedutor. Fizemos uma terapia coletiva aqui que, segundo ela, foi útil. Ela considerou “preciosos” os conselhos, e contou o desenrolar da história em busca de mais uma rodada de ajuda, pelo que notei. Na verdade, tenho que confessar que fazia meses que eu não abria a correspondência, porque não me lembrava da senha, e além disso passei por uma temporada neoludita, longe dos computadores e da tecnologia. Isso quer dizer que o drama vivido pela Senhorita Y não era exatamente novo quando eu o li. A segunda carta dela segue abaixo, resumida, uma vez que era realmente longa, o que é compreensível, dada a complexidade da situação e vistos os pendores literários detalhistas da Senhorita Y.  Eis aí uma jovem escritora em potencial, e não barata como eu.

Desde que eu escrevi a primeira carta, muita coisa aconteceu, Fabio Hernandez. Conheci um cara que se mostrou apaixonado por mim. Não repeti o erro anterior. Não fiz sexo na primeira vez, e nem ele tentou, para ser sincera. Só depois de um mês em que saímos regularmente duas vezes por semana é que fizemos sexo. Eu daria nota 5, nem ruim, nem bom, o suficiente para passar de ano. Desde a primeira vez, evoluímos um pouco, 5,5 ou 6. Eu gostaria que ele fosse mais inventivo em relação a posições, mas não tive coragem de falar a ele. Ele me manda flores no escritório quase todos os dias. Orquídeas, minhas prediletas. Me manda mensagens de amor pelo celular três ou quatro vezes por dia, coisas tolas mas que toda mulher gosta de ouvir, como “te amo desde antes de nascer”, “morro sem você”.

Sentia que ele gostava mais de mim do que eu dele, e isso às vezes é tudo que uma mulher precisa. Pelo menos uma mulher normal.

Só que uma noite de sábado, quando estávamos num barzinho na Vila Madalena, o São Cristóvão, não sei se você conhece, toca o meu celular. Vejo o nome. Alice. Era ele, o outro, aquele que me desprezou depois de se instalar, como um proprietário, dentro de meu corpo e minha alma logo na primeira vez. Coloquei o nome de Alice no número dele para evitar problemas com meu novo namorado.

Não me orgulho do que fiz a seguir.

Mostrei ‘Alice’ no telefone, disse que era uma colega da faculdade muito chata e não iria atender. Logo em seguida, fui ao banheiro e de lá, o coração disparado, liguei sem vergonha para o homem que me desprezara. Foi mais forte que eu. Eu sabia que estava agindo errado, mas minhas mãos pareciam ter vida própria ao apertar a tecla e ligar para ‘Alice’. Ele não foi gentil. Disse apenas que dera ‘na sua telha’ — ele deve ter aprendido essa gíria antiga com o pai — ligar para mim e me convidar para sair. Naquela mesma noite. Teria ele levado o cano de alguma outra mulher? Só fui pensar nessa possibilidade depois. O que eu sabia era o significado de ‘sair’. Quatro letras que podem ferir e também podem trazer o êxtase: sexo.

Tenho que confessar, mesmo que pareça vulgar, que fiquei molhada na mesma hora. Como uma simples voz pode nos eletrocutar sexualmente, Fabio Hernandez?

O choque telefônico sexual talvez atenue o absurdo que fiz a seguir. Estou até sem graça de contar. Voltei à mesa e disse a meu namorado que tinha acabado de menstruar. Numa mesa longe da nossa peguei um pouco de ketchup para a montagem da farsa que me pesa tanto na consciência. Pedi que ele me levasse imediatamente para minha casa, o que ele gentilmente fez. Dispensei-o no portão e mal entrei em meu quarto combinei com o homem que me tratara tão mal um encontro.

Ele foi rápido no telefonema. Desligou sem sequer mandar um simples beijo e ainda disse que eu falava demais. Ele me levou ao apartamento de um amigo e, quase sem palavras, me conduziu a um quarto que me chamou a atenção pelo desleixo. Meias no chão, cds fora da caixa, e um certo cheiro de roupa de cama que não vê Omo faz algumas semanas, se você me entende. Mesmo assim. Duvido que outra mulher tenha tido, alguma vez, sexo melhor que eu naquela noite. Eu tinha lido sobre orgasmos múltiplos em revistas femininas como a Nova, e também em livros eróticos que escondo na gaveta para que ninguém veja, mas achava uma mentira ou uma invenção até aquela noite. O jeito como ele me pegou, me despiu, me virou para todos os lados, me lambeu como se eu fosse aquele sorvete que escorre derretido numa taça, não quero nem entrar muito nos detalhes porque fico fora de mim.

Tive medo que ele me cedesse ao amigo, que estava na sala tomando cerveja e vendo um filme do Chuck Norris, se não me engano. Ele não deu esse passo vil, e ainda bem, porque eu estava escravizada e teria feito qualquer coisa que ele me mandasse.

Mas no dia seguinte a mesma coisa, Fabio.

Não consegui falar com ele, embora tenha ligado várias vezes e deixado dois recados. Quando meu celular enfim tocou, fiquei em chamas interiormente, mas logo veio gelo em doses colossais. Era meu namorado, querendo saber se eu estava melhor. Faz quinze dias que isso aconteceu, Fabio Hernandez. De lá para cá, tento sem sucesso falar com quem me usa e me despreza, e saio com quem me ama e me entedia. Quando faço sexo com meu namorado, penso no outro o tempo inteiro, e a comparação é pavorosa para quem me ama.Você já penetrou uma mulher pensando em outra, Fabio? Se sim, vai entender meu drama sexual. Temi dizer o nome certo na hora errada, mas o fato é que só chego ao orgasmo com meu namorado se penso em meu, como dizer?, dono.

Aos 21 anos, estou desesperada. Minha mãe fala em me levar a um psiquiatra, mas tenho medo porque sei que ele vai me receitar remédios pesados, como aconteceu com amigas minhas que hoje carregam antidepressivos na bolsa como se fossem bala de menta. Começo a desconfiar que sou um tipo de mulher que gosta de quem a trata a pontapés, como se a grosseria e o desprezo num homem fossem o símbolo máximo da alta testosterona. Se eu estiver certa em minha apreensão, estou mentalmente doente.

Tem cura, Fabio Hernandez?

Seja sincero, mesmo que a resposta seja um não seco e ensurdecedor.”

Bem, eis o resumo da carta da Senhorita. Preservei o estilo.  Confesso minha dúvida, e no íntimo, mesmo sendo considerado quase sempre um cavalheiro, entendo a mente de certas mulheres que gostam de homens que pisem nelas e não valorizam os sentimentais que, como eu, fazem poesias e ameaçam cortar os pulsos caso as percam. O maior problema delas, na minha opinião, não é o apreço pelas pancadas morais, mas sim o fato de lutarem contra si mesmas. Se se aceitarem como são, lidarão melhor com sua preferência sexual e sua vocação de mulher-objeto. É o que eu diria para a Senhorita Y num primeiro impulso, mas acho bom ouvir mais opiniões para prestar uma ajuda mais efetiva para ela. Sou um escritor, e não um consultor sentimental, mas como não atender ao apelo de uma mulher em apuros, sendo um cavalheiro?

O reencontro

11/10/2009

“Você não mudou nada. Sempre com cara de criança. Sempre calado. Pensativo. Às vezes eu tinha que fazer a pergunta e a resposta para que nossas conversas não morressem.” Fabio arregalou os olhos e encarou Lenira. Fazia cinco anos que não a via, mas parecia que estivera com ela na noite anterior. Fora a roupa, agora muito mais elegante, ela não mudara nada. Os cabelos pretos como uma noite siberiana de inverno continuavam a escorrer pelas suas costas como uma capa de super-herói. Os óculos pretos de aro fino, antes sem marca, agora Armani, ainda lhe davam o ar ingenuamente sexy de professora. Os grossos lábios vermelhos sem batom – batom para quê? Um fêmur deslocado aos 15 anos deixara a perna direita de Lenira ligeiramente menor que a esquerda. Fabio adorava vê-la caminhar. Ninguém se movia com tanta graça, achava. O maior espetáculo da Terra. Lenira vestia um tailleur rosa de executiva. Subitamente passou pela cabeça de Fabio a idéia absurda de dizer coisas assim: “Ei, você sabe que eu prefiro você de jeans e camiseta branca, como no passado? Você ainda fica com as bochechas vermelhas depois do amor? Você pode me deixar ver, pela última vez, aquela tatuagem de golfinho na virilha direita?”

Quantos anos ela já tinha? Trinta? Não, 31. Era quatro anos mais nova que ele. Pensou na Sofia de Machado de Assis. “O tempo, como um escultor vagaroso, a ia esculpindo ao correr dos longos dias.” Uma vez, no primeiro aniversário do dia em que alugaram um apartamento e foram morar juntos, escrevera isso no cartão em que lhe dera as obras completas de Machado em três volumes. Quando o deixou, ela não as levou. Os livros de Machado jaziam desprezados numa estante do pequeno apartamento em Pinheiros. Fabio se perguntou o que Lenira teria feito do cartão. Provavelmente o jogara fora, pensou. Ela jamais guardara nada, ao contrário dele.

“Você deve ter achado estranho eu aparecer depois de tanto tempo, não é, Fabio? Telefonar e marcar um almoço exatamente nesse restaurante.” Esse restaurante. A cantina Speranza, na Bela Vista. Freqüentavam nos bons tempos. Um restaurante charmoso e barato, bom para gente de dinheiro contado como ele ontem e hoje e para ela ontem. “Você nunca quis ir a outros restaurantes. Sempre a Speranza, sempre a lazanha à romanesca, sempre a Coca-Cola, sempre a musse de chocolate. A primeira coisa em que eu reparei hoje foi o seu pedido. Lazanha e Coca. Se pelo menos fosse Coca light. Quase que eu falei quando o garçom anotou o pedido: e musse de sobremesa para ele. Fabio, Fabio, você nunca vai mudar?” Fabio achou no tom de voz de Lenira alguma coisa que sugeria que ela podia estar à beira de lágrimas ou gargalhadas. Não estava preparado para lágrimas. Preferia gargalhadas. Era mais fácil enfrentá-las.

“Eu precisava dizer certas coisas. Coisas que não foram ditas.” Fabio fez um gesto com as mãos como dizendo que não, ela não tinha que lhe dar satisfação nenhuma. Algumas palavras talvez tivessem importância num passado já remoto, não agora.

“Quando eu decidi ir embora, sabia que não conseguiria falar com você. Olhar para você e dizer adeus. Mas imaginava escrever uma carta que explicasse tudo. Aí eu peguei a caneta e… e nada. A gente pensa que certas coisas são mais fáceis de escrever do que de dizer, mas isso é uma ilusão.”

Passou rápido por Fabio a lembrança de que Lenira jamais fora, mesmo, uma boa redatora. Estudara jornalismo, mas depois se fixara no departamento comercial de uma revista. Ela tirou os óculos e os pôs na mesa. Era um sinal, Fabio sabia, de que estava emocionada. Era como se a vista turva a ajudasse a enfrentar melhor certas situações difíceis. Fabio sentiu uma súbita e absurda vontade de pedir a ela que caminhasse pelo restaurante, para ver aquele andar inigualável e majestoso em sua leve oscilação, mas tinha noção do ridículo de tal pedido e permaneceu calado. “Não sei quantas vezes iniciei um bilhete de explicação e rabisquei tudo. No fim desisti. O silêncio era mais digno do que uma carta vulgar de despedida, cheia de lugares-comuns e de erros de português.”

Uma amiga de Lenira lhe telefonou, um dia, para dizer que ela decidira sumir um pouco para pensar na vida. Deixara o emprego, deixara o namorado, deixara a cidade, deixara tudo. A amiga disse que ela fora viajar para ninguém sabia onde. Fabio dormira depois, algumas vezes, com essa amiga de Lenira. Aprendeu ali que o sexo pode ser sinônimo de desespero. Naqueles dias, Fabio só se sentia vivo quando estava dentro de uma mulher. Alguns meses depois da partida de Lenira, Fabio a viu numa coluna social, mulher de um homem 20 anos mais velho que ela, Miguel. Ele era um figurão do mundo publicitário. Conquistara leões de todas as espécies em Cannes e era sócio de americanos numa grande agência. Lenira era sua segunda mulher. Pouco mais de um ano depois, leu também numa coluna social que Lenira e Miguel tiveram um filho. Quase desesperara ao sabê-la perdida.

“Quando nós fomos morar juntos, eu pensei que era para sempre, Fabio. Mas tudo mudou, depois. Você, Fabio. Você mudou, cada vez mais monomaníaco. Primeiro ouvia músicas variadas, depois só o Nirvana, depois só o Acústico do Nirvana, depois só My Girl. Deus, às vezes passo dias sem conseguir tirar essa maldita música da cabeça.” Cantarolou um trecho, desafinada como sempre. Ninguém é perfeito, pensou Fabio. Ocorreu a ele que não poderia haver prova de amor maior do que gostar de ouvir cantar uma mulher desafinada. E ele gostava de ouvi-la. “My girl, my girl / Don’t lie to me / Tell me where did you sleep last night.” A história da música, sabia Fabio, era a história deles dois, a história de milhares, milhões de casais, aqui, ali, em todos os lugares. A falência de um romance, a tristeza, o desamparo, a perplexidade. Sempre a mesma história. Ridículo achar que um caso de amor possa ser especial, quimera vã e despropositada de amantes pretensiosos. Ocorreu a Fabio que Lenira entrara no restaurante acusando-o de não ter mudado em nada e agora o acusava de ter mudado em tudo. O que poderia se chamar de caso sem solução.

“Depois foram os livros. Você lia tudo, me fez ler até Guerra e Paz. Demorei seis meses, mas consegui. Depois só Machado de Assis, depois só um conto, sei o nome, Um Capitão de Voluntários. Quantas vezes você leu esse conto? Cento e oitenta, 320? E ainda dizia que era um conto menor do Machado de Assis. Menor! Eu comecei a ficar com medo. Eu tinha medo de você. Ainda tenho. Você pode imaginar o que é, de repente, descobrir que o homem com quem você dorme é um desconhecido? Um… um… um lunático?” Lenira olhou para um jovem casal numa mesa ali perto. Estavam completamente entretidos um com o outro. Por baixo da mesa ela tocava os pés dele. De tempos em tempos ele se erguia parcialmente sobre a mesa para beijá-la. “Parece que estou vendo a gente alguns anos atrás. Acho que um relacionamento começa a terminar quando as conversas começam a terminar. Aquele casal ali. Parece que eles poderiam conversar dias, anos sem parar. Sabe do que eu mais sinto saudade? Das nossas conversas do início. Eu gostava tanto do som da sua voz dizendo meu nome.” Lenira fez uma pequena pausa como para se lembrar de alguma conversa que tivera, no começo, com Fabio. Depois prosseguiu. “Que coisa mais absurda ter 20 anos e acreditar em palavras tolas e sem sentido como amor. Ora, o amor. Devia estar escrito assim em todos os dicionários. Amor: o mesmo que ficção. E cuidado ao usar porque machuca.”

Lenira começou a chorar baixinho. Fabio pensou em abraçá-la, confortá-la, mas viu o absurdo de confortar quem vencera o embate entre os dois, a parte vitoriosa, a mulher que o abandonara para crescer na vida. Ele era, ali naquela mesa, o derrotado. Ao fim de alguns segundos, ela já se recuperara. Os olhos verdes estavam levemente avermelhados. E só. “Não sei se isso tem importância, mas eu só comecei a namorar o Miguel depois que deixei você. Enquanto nós estávamos juntos, sempre fui fiel.” Fiel. Que palavra mais ridícula, pensou Fabio. Ninguém é fiel a ninguém. As pessoas só são fiéis a si próprias. Às vezes, nem a elas mesmas. Fabio achou pelo tom de voz de Lenira que ela pronunciara a palavra fiel como se julgasse merecer uma condecoração. “É verdade: nunca dormi com ninguém quando estávamos juntos. Eu… eu simplesmente não tinha a menor vontade.” Era a Lenira de sempre, pensou Fabio. Usava “dormir” como sinônimo de copular. Podia ser pior, ele sabia. Lenira podia preferir “fazer amor”. Falava de Miguel como se fosse um velho conhecido de Fabio.

“Não podia terminar bem. Você parecia não gostar mais de nada, só de ler Machado de Assis e escutar o Nirvana. Eu tinha uma festa, você não ia. Queria ver um filme, você não ia. Pareço estar ouvindo o que você dizia de cinema. Cultura de preguiçoso. Quem não tem preguiça lê livro. Quem tem vê filmes. Você sempre foi tão cínico. Mesmo agora. Eu falo essas coisas todas, tão importantes para mim, tão duras que levei cinco anos para conseguir dizer, e você me olha impassível, com um sorriso pregado no canto dos lábios. Eu nunca atingi você, não é, Fabio? Me pergunto quantos dias você demorou para perceber que eu tinha ido embora.” Fabio achou que não era o momento de falar no quanto sofrera. Não ia falar no dia em que pegara uma tesoura e, num acesso de fúria, rasgara as fotos dos dois. Como sempre, quem precisava falar era ela, não ele. Reparou que ela não tocara na comida, uma salada de salmão acompanhada de água sem gás. Tudo bem, Lenira não fora ali para comer. “Ainda no dia anterior eu esperei alguma coisa, um gesto, um sinal que mostrasse que eu tinha alguma importância pra você. Que você me achava tão importante quanto My Girl e um Capitão de Voluntários. Mas nada. Você tinha se refugiado num mundo no qual eu não conseguia entrar.”

Fabio demorara algum tempo para entender que essa indiferença fingida era apenas uma autodefesa errada e inútil. Sabia que perderia Lenira, algum dia, para alguém mais adequado que ele. Um homem que a levasse para dançar, para viajar, que a fizesse sorrir. Alguém como Miguel. Fabio sempre olhara Lenira de cima para baixo, uma perspectiva que só poderia mesmo levar o casal ao colapso. Lenira e Miguel parecem feitos um para o outro. Dois vitoriosos, que se olhavam de igual para igual. Pareciam tão felizes, os dois, nas fotos das colunas sociais. Por saber que a perderia, Fabio construíra um mundo ao qual Lenira não pertencia. Uma tolice, sabia agora, mas a vida é exatamente isso, uma sucessão interminável de tolices. E a gente só percebe que cometeu um erro grave num relacionamento depois que já é muito tarde para corrigi-lo. “Fabio, Fabio. Você não vai falar nada?” Fabio pensou em falar algo, mas se calou. Não falara nada quando falar poderia ter feito alguma diferença. Agora não fazia sentido falar nada. “Fabio, Fabio, eu …” Fabio percebeu que Lenira estava perto de perder o controle. Mas nunca houve nada que ele pudesse fazer a esse respeito. “Eu te detesto, te detesto, te detesto. Você arruinou minha vida. Você me tornou uma mulher amarga, uma mulher que não consegue sonhar.” Ele pensava que Miguel e ela fossem felizes. Era o que parecia nas colunas sociais. “Você dizia que gente que não leu Sthendal não sabe nada da vida. Sthendal, não é isso? Não me lembro de ter passado uma noite só com você sem que você acendesse o abajur para ler um livro e …” Lenira fez uma pausa breve, para recuperar ao mesmo tempo o fôlego e a raiva. “… não consegui deixar de reparar que o Miguel nunca lia um livro antes de dormir. Mas ele é bom de sexo, entendeu? Muito bom, Fabio. Fabio, Fabio, eu te detesto.” Ela foi subindo o tom de voz. Naquela altura todo o restaurante sabia que ela o detestava, e que Miguel era bom de cama.

Lenira levantou-se subitamente e foi embora. Fabio ficou na mesa. Admirou, uma última vez, o olhar torto e sublime de Lenira. Depois olhou para o casalzinho que estava na mesma mesa em que eles gostavam de se acomodar. Estavam tão apaixonados. Teve pena dos dos dois.

Vocês querem profundidade? Lá vai

10/10/2009

Tio Fabio, falecido homem do interior, Deus o tenha, caso exista, dizia que a gente devia tomar cuidado com coisas muito profundas porque poderíamos morrer afogados. Mas percebo em algumas mensagens, boas aliás, que posso estar sendo frívolo ao falar de assuntos como o dramático dilema da Senhorita Y,  tratada com absurda frieza depois de ter se entregado com total calor a um homem no primeiro encontro. Também o drama da Senhorita X não parece ter comovido ninguém exceto ela mesma e eu, tocado com a ambiciosa executiva que baipassou o chefe e está tendo um caso com o chefe do chefe. Senti no ar, em nossa comunidade, algum receio de que eu pudesse percorrer o alfabeto todo numa louca cavalgada romântica letra a letra.
Então decidi me aprofundar, não tanto para não me afundar, é verdade, e fui buscar inspiração em meu passado filosófico. Por alguns momentos, troquemos Maddona, X e Y por oradores do passado. Preparados? Vou colocar em aspas, para dar mais solenidade ao texto.

“Houve dois grandes oradores na Antiguidade: Cícero, romano, e Demóstenes, grego. Cícero nasceu com o dom. Demóstenes (384-322 a.C.) é uma prova do extraordinário poder do esforço. Foi graças ao treinamento meticuloso, rígido, persistente que Demóstenes se elevou à imortalidade como um símbolo da força avassaladora das palavras. Demóstenes, natural de Atenas, era de uma família rica. Seu pai morreu quando ele tinha 8 anos. A herança opulenta foi dilapidada por seus tutores, parte por má fé, parte por inépcia. Garoto ainda,Demóstenes assistiu a um julgamento no qual um orador chamado Calístrato teve um desempenho brilhante e, com sua verve, mudou um veredicto que parecia selado. (Orador, lá para trás, era uma espécie de advogado de hoje.)

Pronto. Demóstenes acabara de saber o que queria ser quando crescesse. Esse episódio foi assim narrado pelo historiador e filósofo grego Plutarco:“Demóstenes invejou a glória de Calístrato ao ver a multidão escoltá-lo e felicitá-lo, mas ficou ainda mais impressionado com o poder da palavra, que parecia capaz de levar tudo de vencida”. Ele entrou numa escola de oratória.Assim que pôde, processou seus tutores. Ganhou a causa.Mas estava ainda longe de ser notável. Um dia, desanimado, desabafou com um amigo ator. Gente bem menos preparada que ele provocava melhor impressão nas pessoas. O amigo pediu-lhe que recitasse um trecho de Eurípides ou de Sófocles, dois gigantes do teatro grego.Demóstenes recitou. Em seguida, o amigou leu o mesmo trecho, com o tom dramático de um ator. Era a mesma coisa, e ao mesmo tempo era tudo inteiramente diferente.

Demóstenes montou então uma sala subterrânea na qual se enfiava todo dia por demoradas horas para treinar, treinar e ainda treinar. Chegava a raspar um dos lados da cabeça para não poder sair de casa e assim praticar sem parar. Para aperfeiçoar a dicção,Demóstenes punha pequenas pedras na boca enquanto falava. Fazia também parte de seu treinamento declamar em plena corrida. Olhava-se demoradamente num grande espelho para ver se sua expressão causava impacto. “Vem daí a reputação de não ter sido bem dotado pela natureza e só haver adquirido habilidade e força oratória pelo trabalho incansável”, escreveu Plutarco. Ao contrário de outros grandes oradores atenienses, Demóstenes não gostava de improvisar. Por isso os inimigos o chamavam de embusteiro.

Quando a Grécia foi ameaçada por Felipe, rei da Macedônia, a voz de Demóstenes ergueu-se tonitruante em defesa de seu país.Mais que o exército grego, Felipe, pai de Alexandre, o Grande, temeu e reverenciou a voz de Demóstenes. Demóstenes retardou, mas não impediu a queda dos gregos. Fugiu de Atenas para não ser morto, mas estava perdido. Para não ser capturado pelos inimigos que o caçavam, matou-se com veneno. Mais tarde, os atenienses construíram uma estátua para ele na qual gravaram uma sentença célebre: ‘Se tivesses tido força igual à tua vontade, Demóstenes, o guerreiro macedônico jamais dominaria a Grécia’.”

Pronto. Que vocês acharam? Por favor, sejam sinceros como eu.

Gracias desde luego.

Madonna é retardada como seu ex-marido diz?

09/10/2009

Tio Fabio, falecido homem do interior, dizia que dos mortos e dos amores passados deveríamos dizer apenas coisas boas. Me lembrei dessa frase de Tio Fabio quando li, ontem, uma entrevista do ex-marido da Madonna, Guy Ritchie, um cineasta inglês que tem mais pose que talento, uma espécie de subTarantino com o acento cockney londrino.

Ele disse que a Madonna bate muita mulher jovem. Mas é retardada.

Pera. Retardada? Se ela é retardada, que dizer dele mesmo?

A Madonna tem uma vez pequena e, segundo o Michael Jackson dizia, dança mais ou menos. Jamais comprei um disco seu e depois de alguns segundos mudo de rádio se irrompe uma canção dela. Gosto dos clipes dela, no entanto. É uma das maiores cantoras de clipes da história do pop, mesmo com a vozinha limitada e a dança meia boca. É fotogênica, petulante, tem um olhar que parece atravessar você e implorar para que você faça sexo com ela,  se cerca de dançarinos gays e mulheres gostosas que compensam seus passos quase trôpegos como os de House, e tudo isso funciona nos clipes. Já viu o de Beautiful Stranger? Pois é. Um bispo se vê a Madonna daquele jeito chuta o poste ao virar a cabeça.

Li certa vez que ela tem um QI muito alto, assim como outra loira gostosa de sua geração, Sharon Stone. Madonna deve ter mesmo uma inteligência extraordinária para, com os recursos musicais limitados que possui, estar no topo há tantos anos.  Suas ações de marketing costumam ser sensacionais: o livro erótico, o beijo em Britney Spears, a profanidade de uma música em que ela parecia tentada por Cristo.

Logo, retardada não é.

Ritchie provavelmente está com ciúme. A Madonna laçou um jovem brasileiro e parece estar se divertindo sexualmente com ele, um carioca boa pinta promovido a garanhão de estimação da Rainha do Pop. Tio Fabio dizia que a segunda pior coisa numa relação amorosa é demonstrar ciúme. A primeira é ter.

Ritchie foi mal. Fora tudo, o divórcio o tornou um cara muito rico. A Madonna pagou uma fortuna considerável por cada orgasmo que possa ter tido com o ex-marido.

Bem, se ela alguma vez mostrou problemas mentais, foi ao decidir casar com um homem que, mais tarde, tentaria destruir sua imagem chamando-a de retardada.

Gostei do nosso fórum, que imagino ter sido útil para a Senhorita X, quentemente traçada na primeira vez e friamente abandonada, e então vou tentar repeti-lo. Você. Sim, você. Não dianta olhar para o lado que é com você que estou falando. Você, o que acha de homens e mulheres como o Guy Ritchie, gente que leva um pé e sai xingando? Se você também é assim, gostaria de ouvir sua explicação.

Gracias, desde luego.

“Fiz sexo com ele na primeira noite. Agora ele está esquivo. Que faço?”

08/10/2009

Uns meses sem abrir a caixa postal, sei lá por quê.  Abri ontem, e pus em dia minha correspondência. Uma mensagem de alguma forma me comoveu. Outro dia falei numa certa Senhorita X,  às voltas com um complicado mas ardente romance com o chefe de seu chefe. Se me permitem, vou tratar essa nova personagem, cuja história li ontem, por Senhorita Y, talvez por sugestão de K, uma das leitores mais atiladas deste escritor barato.

A Senhorita Y conheceu um cara tão legal, me conta ela, que fez uma coisa inédita na sua vida: sexo na primeira saída. “Foi maravilhoso”, escreveu ela com um certo tom nostálgico me pareceu. Cenas da noite voluptuosa devem ter percorrido a mente, neste instante, da Senhorita Y. O problema veio depois do êxtase. Ela ligou uma, duas, algumas vezes para o homem que a fizera quebrar um tabu sagrado, e não que ele não tenha respondido, mas foi sempre esquivo, distante. Quase impessoal.

Saíram uma segunda ocasião, e mais uma jornada eletrizante sexual, segundo a Senhorita Y. Mas depoís aconteceu um fato desagradável. Ela telefonou para a casa dele, e atendeu uma mulher, que disse que ele não estava naquele momento. Era uma vez jovem. Mas não era. Irmã? Amiga? Algumas hipóteses benévolas passaram pela mente da Senhorita Y. Não lhe ocorreu, em sua ingenuidade apaixonada e ao mesmo tempo erótica, que pudesse ser uma rival.

Mas era.

Brutalmente, ele disse a ela quando se encontraram mais tarde que no seu entender não tinha com ela senão uma relação livre, sem amarras. Descompromissada, dentro da linha clássica segundo a qual “ninguém-é-de-ninguém”. “É pegar ou largar”, disse ele para a Senhorita Y.

O coração pede para pegar, e o corpo mais ainda,  mas o cérebro manda largar. Ela pede ajuda neste dilema que a tortura a cada segundo.

Achei que a melhor maneira de ajudá-la era criar aqui um fórum de debate. Experiências diversas e conselhos de diferente procedência podem ajudar a Senhorita Y a enxergar com mais clareza uma questão crucial em sua vida nestes dias de inquietação.

O que deve, nossa dilacerada Senhorita Y,  fazer?

Confissões de uma jovem mulher que está saindo com o chefe do chefe

06/10/2009

Recebi uma mensagem de uma leitora que me pediu anonimato, mas autorizou a publicação de seu relato. Tem 26 anos, chama-se X, vamos dizer assim, e é subgerente de produto de uma multinacional de cosméticos. É ambiciosa, e tem planos de fazer MBA nos Estados Unidos, de preferência em Harvard. Há sete meses, segundo X, ela iniciou um romance com o vice-presidente da companhia, um homem 30 anos mais velho.  Ele é o chefe de seu chefe. Com a palavra X, que se fosse menos ambiciosa talvez pudesse seguir a carreira de escritora:

“Li em seu blog sobre o escândalo do David Letterman, Fabio. Logo me identifiquei com a história, por razões óbvias.  Saio com um alto executivo da empresa em que trabalho que, para ser sincera, é mais velho que meu pai. Ele é alto, lembra vagamente o Harrison Ford e o Max Gehringer, e acabou há dois anos um casamento de 27. Tem uma filha que, por coincidência, nasceu no mesmo mês e ano que eu.  Não tornamos público nosso namoro porque, quando e se isso acontecer, terei que deixar a companhia. A carreira é importante para mim. Não menos que o amor, e então quero aguardar o desenvolvimento de minha história com ele para tomar ou não o passo de deixar que as pessoas saibam. Ele concorda com isso.

Letterman está sendo acusado de usar seu cargo para sair com mulheres, mas isto pode ser uma simplificação. Meu caso, por exemplo. Partiu de mim a iniciativa, num encontro de funcionários num hotel em Atibaia. Almoçamos na mesma mesa logo no primeiro dia e a atração mútua foi imediata. O resto você pode imaginar. Vi em meu namorado secreto uma mistura de mentor e, num mundo tão instável e inseguro, protetor. Ao lado dele, pareço estar a salvo de todos os problemas. Sexualmente, os rapazes de minha idade têm mais testosterona, é verdade, mas a experiência que só o tempo traz pode fazer muita diferença. Confesso que nunca tive tanto orgasmos quanto agora, embora eu cometesse uma injustiça se me queixasse dos garotões do meu passado sexual, não muitos em quantidade, cinco ou seis, mas bons em qualidade, devo dizer.

Sei que, quando e se essa história se tornar conhecida, dirão os clichês previsíveis. Que ele abusou do cargo, que eu sou uma interesseira, esse tipo de coisa. Apenas gostei dele e ele de mim. Ponto. Em geral as intrigas e calúnias partem de homens invejosos que veem garotas como eu e cobiçam em vão e mulheres entre os 50 e 60 que não aceitam a idéia de que deixaram de ser sexualmente atraentes mesmo tingindo o cabelo e fazendo botox e outras coisas. É curioso como a intolerância feminista desse tipo de mulher mentalmente grisalha dá o tom em muitas revistas femininas. Parei de ler a Cosmopolitan por causa disso.

A única coisa que realmente pesa contra o apresentador americano é ele ser casado. Mas todas as mulheres com quem ele saiu sabiam disso. Duvido que sua própria mulher não percebesse nada. O que estou vendo é um festival de  hipocrisia ressentida e moralismo cínico. Vi, depois que li seu blog, o vídeo com a confissão de Letterman, e acho que ele se saiu incrivelmente bem, dadas as condições adversas. O maior efeito colateral nesta episódio, quando os ânimos baixarem, vai ser mostrar o quanto mudaram as relações entre mulheres e homens no trabalho, e quanto é ultrapassada a idéia de que homens mais velhos e mulheres mais novas só se unem, num escritório, por motivos errados, e não simplesmente por amor. Como é o meu caso.”

E assim X terminou sua carta-desabafo.  X me fez ver, por um  novo ângulo,  um assunto velho.

Ainda não formei opinião, mas terminei a leitura sem as mesmas certezas com que a iniciei.

E você?

Qual a palavra de que você mais gosta e por quê?

04/10/2009

Outro dia falamos da palavra abominada sobre todas as outras, e trocamos experiências ao explicar as razões. É um exercício mental interessante, li em algum lugar. Vou tentar me lembrar. Um segundo. Acho que um grupo de escritores fez isso: disseram uns aos outros a palavra detestada. Posso estar enganado, claro. Sempre posso.

Bem, a despeito disso, da origem desse jogo meio proustiano. Vamos inverter? A palavra de que mais gostamos. A palavra amada como a primeira namorada, reverenciada como aquela professora que nos fez ver o mundo de outra maneira, guardada na memória como aquela frase que seu pai um dia disse e fez você entender alguma coisa que parecia obscura.

Começo eu. É justo que me exponha à análise de todos, que às vezes pode ser cruel como um cossaco russo. Minha palavra preferida: fêmea. Tem múltiplas virtudes. É curta, forte, feminina, provocante sem ser vulgar, suavemente erótica sem ser pornográfica. Tem impacto. Cinco letras que, combinadas, são magicamente sublimes.

Morenas, loiras ou ruivas, altas ou pequenas, vestidas com apuro ou com desapego hippie, em cima de manolos ou de havaianas, com óculos de intelectual ou sem, seios fartos ou diminutos, as fêmeas em toda a sua diversidade a vida. Trazem cor, vida, barulho, graça à humanidade.

Daí minha escolha. Fêmea.

E a sua? Por quê?