Mais uma história de dor, paixão, entrega completa chega à minha caixa de correspondência. Uma universitária com claros pendores literários desabafa comigo como se estivesse diante de um velho amigo. Fico quase comovido. Um leitor ter tamanha confiança em você a ponto de abrir seu coração por completo é uma recompensa improvável para um escritor barato. Para não perder a onda, vou chamá-la de Senhorita Z. Basicamente, ela se apaixonou por um professor a quem chama num momento, poeticamente, de Adão e depois, espirituosamente, de Pecadinho.
A si própria, ela chama de Giselle. A Senhorita Z relutou e tentou se controlar quando se sentiu mental e fisicamente atraída por Pecadinho. Fora a diferença de idade, e ele ser seu professor, Pecadinho era casado. Mas os sentidos acabaram por vencê-la. Perguntei a ela se poderia, com nomes alterados e os devidos cuidados para não expor ninguém, publicar a história para que nosso grupo examinasse o caso e comentasse, talvez ajudando-a a se recompor para tocar a vida depois do final de um amor traumático. “Confio em você, Fabio. Como confiei, corpo e coração, em meu mestre.”
O caso está contido no último email que a Senhorita Z enviou a Pecadinho. Um relato de dor, angústia, êxtase, perplexidade, mas não de arrependimento. Caudaloso, voluptuoso, e em certos momentos traindo a confusão que se apossou da Senhorita Z ao se tornar aluna, pupila e amante de Pecadinho. A situação ganhou contornos desesperadores num certo dia em que alguém apareceu na porta da Senhorita Z. Era a outra, a grande rival na afeição de Pecadinho, aquela que merecera dele a aliança modesta que levava, orgulhosa, no indicador esquerdo. “Minha campainha tocou e ouvi uma mulher de 1,55, cabelos encaracolados, uns 38/39 anos, feição bem parecida com a minha, dizer (nunca vou me esquecer da cena): “Giselle, sou esposa do professor com quem você mantém um caso há mais de um ano. Temos um filho…” A vida da Senhorita Z haverá sempre de estar dividida em duas etapas: antes e depois da campainha cujo som foi cruel como um cossaco russo.
Abaixo, o email que a Senhorita Z enviou a Pecadinho. Reparem que começa num tom informal, numa quase ficção jornalística. Depois vem a exposição seca, contudente, apaixonada dos fatos.
“A estudante Giselle é apaixonada por um homem quase 20 anos mais velho e casado. Para complicar ainda mais, ele é professor dela. A relação já dura 14 meses. Ela resistiu à paixão, mas acabou se entregando. Apesar da dor e do remorso pela sua situação, Giselle conheceu as delícias de viver uma grande e enlouquecedora paixão”
Daria uma matéria e tanto!!! Mas eu escreveria assim:
Tirando a brincadeira, eu sempre soube que a gente tinha hora marcada. Encare esse e-mail como um desabafo sincero, para que possa conhecer o que falta por aqui dentro… Sei exatamente o dia em que me apaixonei por vc: dia 18 de janeiro, quando eu voltei de casa, e depois de um longo mês eu te vi novamente. Lembro como se fosse hj: vc pegou na minha mão e me olhou como quem está encantado, enquanto o frentista te esperava na janela do carro, mas vc nem percebeu. Naquele dia eu admirei vc. Olhei muito. Sabe, geralmente qnd nos vemos vc está de terno e gravata. Naquele dia eu só queria sua cara lavada, seus olhos sobre mim. Te ver sem moldura me fez implodir de paixão! Já nos conhecíamos há quase um ano quando vc invadiu o meu sossego! Fora quando te vi de terno pelos corredores da faculdade, me veio como uma aparição!
Dali em diante, Pecadinho, vc seria pra sempre. Mas ainda sim eu comecei a me policiar, achando que era empolgação. Em qualquer lugar do mundo é uma situação muito delicada uma aluna se apaixonar por um professor. E eu sei bem disso. Na faculdade eu te namorava de longe… Meses se passaram e a paixão não diminuiu. Preferi deixar a razão de lado e me entregar à paixão, me expondo a todos os riscos que você me oferecia. Bom, vc sabe como ninguém que eu guardei essa paixão em segredo por um bom tempo.
Só quando março voltou, depois de um ano que eu havia te conhecido e te paquerado pela primeira vez, pensei: ‘Tenho que desabafar com alguém… Que droga de amiga de infância é essa que não pode nem ouvir?’… Chamei a Jussara pra sair e contei td. Ela ficou de queixo caído, mas ela me conhece bem. Disse que sabia que eu não era muito puritana, mas daí a manter um relacionamento desse tipo, ela nunca acreditava. Até pq (talvez vc saiba melhor que ela) quem está acostumada com td na mão, a tempo e hora que quer, não trataria com naturalidade essa situação. Mas fazer o que se eu estou na minha pele? Começamos a discutir a idéia de eu dividir meu sentimento com vc, mas ‘se rolar sentimento, não rola’ (expressão usada no nosso primeiro encontro) não saía da minha da minha cabeça. E ai ‘Se amar é perder eu não quero te amar e ficar sem você’ também tinha grande significado pra mim. Como sempre em nosso envolvimento tão peculiar, eu disse ‘gosto, gosto muito pra desistir sem falar’ por e-mail. Aliás, a tecnologia só trabalhou a favor do nosso namoro.
Escolhi um dia em que estivesse longe, pq se a dor me pegasse, em casa eu encontro conforto e muita atenção. Confesso que quase desisti, mas a gente estava numa situação delicada, então não havia nenhum motivo pra continuar escondendo. Eu só pensava em como vc leria aquilo. Imaginei sua expressão. Vc tão desavisado me intimidou. Na sua resposta vc foi meio tímido, um pouco assustado, mas doce como sempre. Me tratou com a ternura e o cuidado que eu precisava. Como não poderia deixar de ser, vc foi didático: : ‘Infelizmente, não tenho como estimular esse sentimento… Mas preciso dizer que sou um homem dividido. Gosto de duas mulheres’. O que pra qualquer pessoa seria uma ofensa, pra mim foi vitória. Conquistar um lugar que antes não era meu, pra mim veio como um troféu. Eu não tinha expectativa de que sua reação fosse diferente, só queria que vc soubesse o que eu sentia. Queria que vc entendesse que a paixão não escolhe hora, local, pessoa. E vc sabia muito bem disso e ainda me lembrou que todos nós corremos o risco do amor repentino, e eu era apenas uma vítima dessas surpresas que o coração apronta. Contar a vc me aliviou, foi um desabafo, como este e-mail de agora. Graças a Deus, daquele dia em diante, nunca mais fomos os mesmos. Nós criamos mais cumplicidade, que a vc diverte e a mim embaraça!
Vc passou a ter uma preocupação a mais e eu sei disso muito bem. Tomou bastante cuidado para que o sexo, que antes era muito desprendido, não me soasse como apenas sexo. Tanto que me lembro de vc perguntar se ainda poderia me dizer ‘trepa gostosa’!!! O que acontece quando nossos corpos se encontram nunca existiu pra mim. É uma coisa muito maior do que eu poderia imaginar. E eu sei bem que dificilmente acontecerá assim com outra pessoa. Sabe, uma vez a Sara me disse “Querida, vc vive a iminência do final, quando qualquer pessoa comum estaria fazendo planos e querendo mais. Vc não acha cruel?” Lembro de só responder: “Estou feliz”.
Hoje tenho um sentimento controlado. Não quero enlouquecer. Só vou gostar de vc, mesmo que vc não queira ou não me goste. Estou desarmada. Eu vou sobreviver, mesmo tendo te perdido. Nosso problema sempre foi de adequação. Vc não me pode, da mesma maneira que eu não te posso. Eu não cheguei na hora errada. Só atrasada. E mesmo assim, ainda tive a oportunidade. Maravilhoso demais!!! Sou muito alegre por isso. É como se fosse meu prêmio de consolação! Esteja convencido de que, nesses 3 últimos meses eu vou fazer de td para que nossa relação acadêmica não mude.
Sabe o que eu mais gosto na nossa relação? O segredo gostoso de poder conviver com vc, sabendo de td que rola fora da universidade (ou dentro!!) e poder conviver com isso como num filme! Ninguém nunca percebeu nada entre nós, mas meus colegas sempre ficavam intrigados com meus sumiços repentinos, com minhas saídas na hora do intervalo (pra te amassar) e com os bolos e biscoitos de café da manhã. Mas ninguém nunca suspeitou da gente. Isso é o que me fascina. Como eu posso enganar tão bem? Como eu tive a capacidade de te ter como um garanhão num banheiro sujo de serviço de uma universidade? Como eu posso ter sido ousada a ponto de me entregar a você num estúdio-escola de TV? Como??? Sei que outras pessoas vão aparecer, mas acho difícil que alguma relação seja páreo para tudo o que nós vivemos.
É a primeira vez que vivo uma paixão tão verdadeira, que consegue resumir muita troca de carinho e sexo bom ao mesmo tempo. Tento não me enganar, mas às vezes, fantasio vc comigo. Já imaginei nossos caminhos se descruzando e a gente se reencontrando no futuro. Já passou pela minha cabeça perguntar a vc se eu teria chance, caso vc não fosse casado. Mas preferi não mexer nesse assunto, porque a resposta, negativa ou positiva, seria dolorosa. Se vc respondesse que não, eu ficaria chateada, claro. Se vc dissesse que sim, aumentaria o tamanho da minha perda. Eu sofreria sabendo que vc é capaz de me querer, mas não me pode.
Sem querer, Pecadinho, vc me fez um favor: me tornou mais generosa. Talvez porque qualquer pequeno gesto seu -um sorriso, uma palavra- me conforta e me aquece. E, para se contentar com pouco, você tem de aprender a dar sem esperar nada em troca. Situação difícil pra pessoas mimadas! Pode se sentir vitorioso! Vc fez de mim uma pessoa muito generosa. Estar apaixonada por vc é exercitar a generosidade. Bom, minha paixão por vc está bem calma, mas continua intacta. Vou sentir saudades de vc, vou ter que ter disciplina pra não te ligar, não te procurar.
Mas sempre q eu te ver, sei que vou tremer por dentro, como naquele 18 de janeiro. Eu vou filtrar meu acesso a vc, porque sei que será difícil controlar o que sinto. Quando vc vem falar comigo, ou vou até vc, meu corpo estremece, meu coração dispara. Tenho ciúmes dos colegas que conseguem conversar com vc naturalmente. Mas nossa relação acadêmica, como prometi, não vai mudar. E não vou usar esse nosso segredo para obter nenhuma vantagem. E saiba que se, por ventura alguém descobrir nosso segredo, terei o maior prazer em confirmar pra td universidade td o que nós passamos juntos (brincadeiraaa)! Posso ter sido grossa e incompreensiva qnd me referi à sua vida como ‘problema seu’. Mas entenda que essa foi uma maneira de me proteger, e te proteger! Não sei nada da sua vida pessoal, e nem quero saber. Não tenho curiosidade nenhuma. A sua história e da sua família não tem nada a ver comigo Quis te dizer isso para, mais uma vez, expressar o que sinto por vc.
E tmb pra que vc conheça de verdade td o que se passou aqui dentro. Se eu pudesse voltar no tempo, sentiria de novo tudo o que senti desde que o conheci. Claro que seria o paraíso se eu pudesse te ter nos meus braços novamente. Na pior das hipóteses, se isso não acontecer, vou levar para a velhice uma bela história para contar. E quem acha que isso é pouco jamais sentiu alguma coisa parecida. E pra terminar: “pelo menos não vivo a pior culpa: a de não viver os meus desejos” Um beijo.