Pedro estava meio filosófico. “Uma relação amorosa encontra, cedo ou tarde, uma encruzilhada. Um caminho leva à felicidade, e o outro ao tormento”, disse ele. “É só naquele instante que é possível para o casal escolher um dos caminhos.”
Cris riu. Ela acabara de fazer ginástica no clube. Queria voltar a fazer balé. Marcara um teste numa companhia de dança, mas tinha que comprar sapatilhas. Fora primeira bailarina muitas vezes, mas fazia tempo que não dançava. “Você parece adepto da filosofia dadá”, ela disse. Eu um dadaísta?, Pedro pensou. Lol. Que queria ela dizer com isso?
“O caminho feliz é aquele em que um eleva outro”, disse Pedro. “O todo é maior que as duas partes. O caminho infeliz é aquele em que um joga o outro para baixo. O mais comum é o caminho infeliz. Cada um se compraz em fazer mal para o outro. Pense os casais que você conhece. Qual optou pelo caminho feliz?”
Cris fez uma estrela. Nostalgia do balé. Pareceu pensar um pouco nos casais conhecidos para ver se concordava com a tese de Pedro. Mas depois mudou de assunto.
“Pedro. Por que eu pareço tão frívola nas coisas que você escreve? Eu não me reconheço nas coisas que você escreve. Dizer que eu ponho as mãos na cintura quando fico brava.”
Ele ia perguntar se era uma queixa, mas economizou tempo. Sim. Era uma queixa. Escrever é se expor. O escritor raramente agrada alguém sobre quem escreve, ainda que a intenção seja esta. Para quem escreve, desagradar é muito mais fácil que agradar. É a maldição, o anátema do escritor.
Pedro traçou mentalmente o perfil de Cris. Bonita. Inteligente. Quente. Cheirosa quando suava. Engraçada como uma comediante em certas ocasiões. Interessada em variadas coisas. Cinema, gastronomia, moda, arte. Gostava de Klimt. Pintava também. Morara alguns anos em Londres, e vendera um quadro por uma quantia expressiva. Cris tinha uma tela em banco em sua sala para ser preenchida num momento de inspiração. Cris tinha tantas coisas que a faziam única. Mesmo assim quando Pedro escrevia sobre Cris o resultado era decepcionante para ela.
“Pedro.”
“Cris.”
“Essas história dos dois caminhos. O feliz e o infeliz. Nós dois. Na sua opinião. Qual deles nós escolhemos?”
“A vida inteira eu julguei ter escolhido caminhos felizes. Mas a realidade mostrou que todos eles foram infelizes. Mas agora. Agora tenho a impressão de que finamente acertei. Acho que o nosso é o caminho feliz. Aquele em que um ergue o outro. “
“Pedro”, disse Cris. “Pois eu. Eu tenho certeza. Sabe aquela história do felizes para sempre? É a nossa história. Eu também já fiz todas as escolhas erradas que tinha para fazer. Você me ergue, mesmo que não consiga escrever nada que preste sobre mim.”
Riram e beijaram-se, e naquele momento nem Schopenhauer com seu pessimismo avassalador, expresso na frase segundo a qual nada existe de pior do que nascer, seria capaz de prever para os dois nada menos do que uma jornada plena de felicidade.