Archive for Agosto, 2008

Ainda que você não escreva nada que preste sobre mim

30/08/2008

Pedro estava meio filosófico. “Uma relação amorosa encontra, cedo ou tarde, uma encruzilhada. Um caminho leva à felicidade, e o outro ao tormento”, disse ele. “É só naquele instante que é possível para o casal escolher um dos caminhos.”
Cris riu. Ela acabara de fazer ginástica no clube. Queria voltar a fazer balé. Marcara um teste numa companhia de dança, mas tinha que comprar sapatilhas. Fora primeira bailarina muitas vezes, mas fazia tempo que não dançava. “Você parece adepto da filosofia dadá”, ela disse. Eu um dadaísta?, Pedro pensou. Lol. Que queria ela dizer com isso?
“O caminho feliz é aquele em que um eleva outro”, disse Pedro. “O todo é maior que as duas partes. O caminho infeliz é aquele em que um joga o outro para baixo. O mais comum é o caminho infeliz. Cada um se compraz em fazer mal para o outro. Pense os casais que você conhece. Qual optou pelo caminho feliz?”
Cris fez uma estrela. Nostalgia do balé. Pareceu pensar um pouco nos casais conhecidos para ver se concordava com a tese de Pedro. Mas depois mudou de assunto.
“Pedro. Por que eu pareço tão frívola nas coisas que você escreve? Eu não me reconheço nas coisas que você escreve. Dizer que eu ponho as mãos na cintura quando fico brava.”
Ele ia perguntar se era uma queixa, mas economizou tempo. Sim. Era uma queixa. Escrever é se expor. O escritor raramente agrada alguém sobre quem escreve, ainda que a intenção seja esta. Para quem escreve, desagradar é muito mais fácil que agradar. É a maldição, o anátema do escritor.
Pedro traçou mentalmente o perfil de Cris. Bonita. Inteligente. Quente. Cheirosa quando suava. Engraçada como uma comediante em certas ocasiões. Interessada em variadas coisas. Cinema, gastronomia, moda, arte. Gostava de Klimt. Pintava também. Morara alguns anos em Londres, e vendera um quadro por uma quantia expressiva. Cris tinha uma tela em banco em sua sala para ser preenchida num momento de inspiração. Cris tinha tantas coisas que a faziam única. Mesmo assim quando Pedro escrevia sobre Cris o resultado era decepcionante para ela.
“Pedro.”
“Cris.”
“Essas história dos dois caminhos. O feliz e o infeliz. Nós dois. Na sua opinião. Qual deles nós escolhemos?”
“A vida inteira eu julguei ter escolhido caminhos felizes. Mas a realidade mostrou que todos eles foram infelizes. Mas agora. Agora tenho a impressão de que finamente acertei. Acho que o nosso é o caminho feliz. Aquele em que um ergue o outro. “
“Pedro”, disse Cris. “Pois eu. Eu tenho certeza. Sabe aquela história do felizes para sempre? É a nossa história. Eu também já fiz todas as escolhas erradas que tinha para fazer. Você me ergue, mesmo que não consiga escrever nada que preste sobre mim.”
Riram e beijaram-se, e naquele momento nem Schopenhauer com seu pessimismo avassalador, expresso na frase segundo a qual nada existe de pior do que nascer, seria capaz de prever para os dois nada menos do que uma jornada plena de felicidade.

Ainda que você não escreva nada que preste sobre mim

30/08/2008

Pedro estava meio filosófico. “Uma relação amorosa encontra, cedo ou tarde, uma encruzilhada. Um caminho leva à felicidade, e o outro ao tormento”, disse ele. “É só naquele instante que é possível para o casal escolher um dos caminhos.”
Cris riu. Ela acabara de fazer ginástica no clube. Queria voltar a fazer balé. Marcara um teste numa companhia de dança, mas tinha que comprar sapatilhas. Fora primeira bailarina muitas vezes, mas fazia tempo que não dançava. “Você parece adepto da filosofia dadá”, ela disse. Eu um dadaísta?, Pedro pensou. Lol. Que queria ela dizer com isso?
“O caminho feliz é aquele em que um eleva outro”, disse Pedro. “O todo é maior que as duas partes. O caminho infeliz é aquele em que um joga o outro para baixo. O mais comum é o caminho infeliz. Cada um se compraz em fazer mal para o outro. Pense os casais que você conhece. Qual optou pelo caminho feliz?”
Cris fez uma estrela. Nostalgia do balé. Pareceu pensar um pouco nos casais conhecidos para ver se concordava com a tese de Pedro. Mas depois mudou de assunto.
“Pedro. Por que eu pareço tão frívola nas coisas que você escreve? Eu não me reconheço nas coisas que você escreve. Dizer que eu ponho as mãos na cintura quando fico brava.”
Ele ia perguntar se era uma queixa, mas economizou tempo. Sim. Era uma queixa. Escrever é se expor. O escritor raramente agrada alguém sobre quem escreve, ainda que a intenção seja esta. Para quem escreve, desagradar é muito mais fácil que agradar. É a maldição, o anátema do escritor.
Pedro traçou mentalmente o perfil de Cris. Bonita. Inteligente. Quente. Cheirosa quando suava. Engraçada como uma comediante em certas ocasiões. Interessada em variadas coisas. Cinema, gastronomia, moda, arte. Gostava de Klimt. Pintava também. Morara alguns anos em Londres, e vendera um quadro por uma quantia expressiva. Cris tinha uma tela em banco em sua sala para ser preenchida num momento de inspiração. Cris tinha tantas coisas que a faziam única. Mesmo assim quando Pedro escrevia sobre Cris o resultado era decepcionante para ela.
“Pedro.”
“Cris.”
“Essas história dos dois caminhos. O feliz e o infeliz. Nós dois. Na sua opinião. Qual deles nós escolhemos?”
“A vida inteira eu julguei ter escolhido caminhos felizes. Mas a realidade mostrou que todos eles foram infelizes. Mas agora. Agora tenho a impressão de que finamente acertei. Acho que o nosso é o caminho feliz. Aquele em que um ergue o outro. “
“Pedro”, disse Cris. “Pois eu. Eu tenho certeza. Sabe aquela história do felizes para sempre? É a nossa história. Eu também já fiz todas as escolhas erradas que tinha para fazer. Você me ergue, mesmo que não consiga escrever nada que preste sobre mim.”
Riram e beijaram-se, e naquele momento nem Schopenhauer com seu pessimismo avassalador, expresso na frase segundo a qual nada existe de pior do que nascer, seria capaz de prever para os dois nada menos do que uma jornada plena de felicidade.

Balzáqueas 6

27/08/2008

“Receber olhares cheios de admiração, desejo e curiosidade é como uma flor que todas as mulheres aspiram deliciadas. Algumas mulheres cumpridoras de seus deveres, lindas e virtuosas, voltam para a casa de mal-humor quando não colhem um ramalhete de galanteios durante um passeio.”
Balzac

Bálzaqueas 5

20/08/2008

“O homem dominado pela mulher é, com justiça, coberto pelo ridículo. A influência da mulher deve ser absolutamente secreta. Em tudo, a graça nas mulheres está no mistério.”
Balzac

Obrigado, Zé

19/08/2008

Pedido de mãe não é coisa que se ignore. Minha mãe pediu que eu escrevesse um artigo sobre amizade. Já falei sobre minha mãe. Seu único fracasso foi não transmitir a mim seu português impecável. (Se não falei, deveria ter falado.) Minha mãe, sempre que eu pedia um copão de Nescau, me corrigia: “Copão não, Fabinho. Copázio”. Tomei (e tomo) muito Nescau na vida, em copos às vezes enormes, mas jamais consegui pedir um copázio.
Bem, trato então de atender ao pedido de minha mãe. Vou escrever sobre amizade. Como definir? Me ocorre uma frase de Santo Agostinho que me foi mostrada uma vez por tio Fábio, um falecido homem sábio do interior. Deus o tenha. Alguém solicitara de Agostinho uma definição sobre o tempo. Quando não pensava nele, Agostinho sabia o que era. Quando pensava, não conseguia defini-lo. Amizade é mais ou menos como o tempo. Sabemos o que é no dia-a-dia, mas, quando paramos para encontrar uma definição, faltam palavras.
O que levou minha mãe a me fazer o pedido foi uma cena de amizade que ela testemunhou. Num momento particularmente difícil para seu filho Fabinho, a aparição sorridente e exuberante de um amigo teve o efeito iluminador, quase redentor, de uma chama que traz luz e calor a um quarto escuro e frio. O nome desse amigo é José. Zé. Simplesmente Zé. (Adoro a simplicidade sonora de Zé.)
Eu estava me preparando para ir para o hospital. Seria operado no dia seguinte. Um problema que parecera banal se revelara, com rapidez avassaladora, sério e ameaçador. Num dia eu estava jogando uma partida de tênis de quase 2 horas. No outro, me confrontava com a iminência de uma cirurgia complicada. Subitamente contemplei a própria mortalidade. Gostaria de dizer que me comportei de forma heróica e estóica, mas estaria ludibriando a mim mesmo e a quem me lê. A verdade é que senti muito medo. Jamais, até ali,tivera projetos de morrer antes dos 90 anos.
Minha família estava toda reunida na tarde em que eu iria para o hospital. Eu já tinha chamado o elevador quando avisaram, pelo interfone, que o Zé chegara. O Zé passara, dois anos antes, por uma situação idêntica à minha. Lembro que fui a terceira pessoa a quem ele contou seu problema. Primeiro, falou para a mãe. Depois, para a namorada. Depois, para mim.
Ver, momentos antes de partir para o hospital, o Zé tão bem, tão pleno de vida, tão cheio de planos, foi indescritivelmente animador para mim. E mais ainda para minha mãe, tão hábil em disfarçar sua apreensão em relação a seu Fabinho. Conversamos rapidamente, porque eu já estava atrasado. Mas daquela breve conversa surgiu um modelo, uma referência, uma motivação para mim. Dali por diante, quando um fantasma me as-sombrava, a imagem vivaz do meu amigo Zé era a resposta.
Dias depois, já operado, minha mãe disse que jamais vira uma demonstra-ção tão bela de amizade. E me pediu que um dia escrevesse sobre isso. Quando o Zé foi me visitar no hospital, reproduzi para ele as palavras de minha mãe. Ele ficou com os olhos marejados. (A última vez em que o tinha visto com os olhos úmidos fora exatamente quando me narrara seu problema.) E eis-me aqui cumprindo o desejo de minha mãe. E também meu: fica registrada aqui minha gratidão eterna a meu amigo Zé. Como Agostinho em relação ao tempo, não sei definir a amizade. Mas sei o quanto um amigo pode tornar nossa vida melhor. .

Balzáqueas 4

16/08/2008

“O amor contém em si um fenômeno tão raro que se pode viver a vida inteira sem encontrar a criatura a quem a natureza conferiu o dom de nos fazer felizes. Essa reflexão é de arrepiar porque, se a criatura é encontrada tarde, que fazer?”
Balzac

“Fuja das mulheres que só olham para elas mesmas”

11/08/2008

Mulher na Banheira, de Jeff Koons

 

 

MEU TIO FÁBIO, FALECIDO homem sábio do interior, certa vez me disse o seguinte: “Mantenha distância de mulheres que usem muito as palavras �eu�, �meu�, �minha�. Prefira as que falem �nós�, �nosso� e �nossa�. Algumas vezes não segui os conselhos de tio Fábio, Deus o tenha. E nessas vezes todas vezes me dei mal. Topei com mulheres egocêntricas, para as quais poucas coisas, se é que alguma, importavam além delas mesmas. (A advertência de tio Fábio se aplicaria perfeitamente também para as mulheres. Fosse eu Fabia, não Fabio, ele certamente diria para fugir de homens que despejam pela boca �eu�, �meu�, �minha�.)
A boa relação amorosa só é boa porque os dois pensam menos em seus interesses pessoais e mais nos interesses de ambos. Não estou dizendo aqui, longe disso, que você deve abdicar de suas vontades. Quando você faz isso começa a morrer. O que estou propondo – aliás, nem sou eu, mas tio Fabio – é que se levem em consideração as vontades dos dois. (E lá vou eu para mais uma digressão. Um amigo meu, Carlos, um grande cara, sempre bem-humorado, gosta de contar sorrindo que sua namorada joga fora seu exemplar da Playboy quando o vê com a revista. Um dia esse sorriso fatalmente desaparecerá. Carlos abdicou de sua vontade. E foi ajudado por uma namorada que diz copiosamente �eu�, �meu� e �minha�. Namoros assim não podem dar certo. E não dão.
Você tem que doar algo no amor. E a mulher também tem que doar algo a você. O grande amor, o amor verdadeiro, é essencialmente solidário e altruísta. Ela quer sair pra dançar. Você quer ficar em casa comendo pipoca e vendo o teipe de um jogo do campeonato italiano. É uma situação absolutamente normal. Banal. Ela se complica quando nem você consegue enxergar o desejo dela (e concordo que sair para dançar é um grande mico, sobretudo quando se pode ver o teipe de um jogo e há um saco de pipoca louco pra ser posto no microondas), nem ela o seu. Os dois são, nesse caso, amorosamente míopes. E não há nada, nem mesmo uma abrasadora química que leva a um sexo extasiante, que resista à miopia amorosa. O míope amoroso só vê a si próprio. E depois, quando as coisas não dão certo, atribui toda a responsabilidade à outra parte.
Permissão para mais uma digressão? Gracias. O míope amoroso (homens e mulheres estão incluídos nessa categoria, evidentemente) jamais limita sua miopia ao campo do amor. Estende a todas as outras atividades. No trabalho, o chefe é, para ele, sempre um tirano injusto. E o colega, na visão parcial e distorcida dele, está sempre pronto para puxar seu tapete. Quando um projeto fracassa, a culpa é jamais do míope. O míope amoroso é míope profissional também. O mundo o persegue, cruel como um cossaco russo, para usar uma expressão clássica de tio Fabio. (Jamais soube se os cossacos russos eram cruéis mesmo. Mas não faz mal. Se tio Fabio falou, para mim, já é mais que o suficiente.)
Reconhecer uma mulher que só pensa nela mesmo é fácil. Ela pode ser esperta o bastante para não abusar do uso de �eu�, �meu� e �minha�. Mas numa conversa, quando você estiver falando de suas coisas, os olhos dela rapidamente voarão para um ponto bem distante. Ela não prestará atenção senão no que disser a respeito ela mesma. A mulher de vista plena, em oposição à míope, olhará fixamente nos olhos. Ouvirá com devoção cada palavra que você disser, mesmo que não concorde com nada. E depois será capaz de reproduzir suas falas nas vírgulas. Os relacionamentos são todos difíceis, sabemos nós. Mas são simplesmente impossíveis quando a seu lado está uma míope amorosa. Aí, por mais esforço que você dedique ao namoro, por mais empenho que tenha para que as coisas funcionem, se tratará de mais um triunfo da esperança sobre a experiência, para usar a clássica expressão do Dr. Johnson.

Balzáqueas 3

10/08/2008

“A mulher talentosa, na sociedade, sabe tanto o que falar quanto o que calar.”
Balzac

A mulher e o homem menos sexy do mundo

05/08/2008

“Acho um absurdo”, disse Cris a Pedro.
Cria achava muitas coisas absurdas, pensou Pedro. Era uma mulher de opiniões firmes. Passional. Punha as mãos nos quadris quando estava irada. Estavam numa mesa no Nossa Senhora, e ela bebia um Cosmo, como aprendera com Sex and The City. Pedro tomava um steinhegger, como aprendera com seus mestres no jornalismo nas madrugadas no Bar do Alemão depois do fechamento da revista.
“O que é absurdo?”
“A Maxim. Aquela revista machista. Dizer que a Sarah Jessica Parker é a mulher menos sexy do mundo. Ela é o maior símbolo da mulher moderna. Inteligente, chique. Fora os Manolos. Ela ficou chateada. Os caras foram sacanas com ela. Você não acha?”
Cris olhos para Pedro com um olhar que ele julgou pedir solidariedade a Sarah Jessica Parker. Mas a verdade é que ele não discordava dos editores da Maxim.
“Hmmm. Não. Sinceramente não. Mulher sexy faz bispo chutar poste, como diz o tio do Fabio. Você olha para a Sarah Jessica Parker e pensa em muita coisa, menos em sexo. Aliás: as outras três amigas poderiam estar no pódio ao lado dela. “
“Você é um machista como aqueles caras da Maxim, Pedro. E eu umas vezes amo isso. Mas outras vezes odeio. Como agora. Eu fui moldada pela Carrie e suas amigas. Elas foram minha maior inspiração na vida. Eu vi todos os episódios. Sabe o que é isso? Tenho as temporadas completas em DVD. Conheço cena por cena.”
Pedro se lembrou de uma seleção de episódios que Cris fizera depois de três taças de vinho. Lol. Carrie, para ele, ficava menos sexy a cada episódio. Suas amigas também. Miranda mais que todas. Parecia um garoto desajeitado. A Pedro não surpreendeu que a atriz que fazia Miranda tornasse pública sua preferência por mulheres. Estava na cara que era uma sapata. As cenas na cama com homens. Miranda parecia enojada, e o parceiro também.
“E o Kaká, você também achou absurdo?”, perguntou Pedro. A revista Criativa fizera uma lista parecida com a da Maxim. Só que com homens. Os caras menos sexy do mundo. Galvão Bueno estava lá. Luciano Huck também. Tom Cruise, claro. À frente de todos, Kaká. Mais um título em sua carreira. O melhor jogador do mundo em 2007 segundo a Fifa. O homem menos sexy do mundo em 2008 segundo a Criativa.
“Não”, respondeu Cris. ” O Kaká parece um pastor. Mas a Sarah Jessica Parker. Os caras da Maxim deviam receber uma punição exemplar pelo que disseram dela.”
“A melhor punição que eles poderiam receber é passar uma noite com ela e as três amigas.”
Cris ia falar alguma coisa em defesa das quatro, mas achou melhor simplesmente pedir mais um Cosmo em homenagem a suas inspiradoras. Mesmo o mundo machista dos editores da Maxim e de Pedro fica melhor depois de dois Cosmos, pensou ela.

Balzáqueas 2

03/08/2008

“Não há estímulo maior no amor para uma jovem mulher do que um obstáculo.”
Balzac