ABAIXO, UMA CARTA QUE RECEBI. A autora, como nosso querido RR, pede que a publique, porque quer ouvir a voz neutra e sábia da comunidade sincera que temos aqui. Como recusar o pedido aflito de uma garota de 23 anos que não sabe o que fazer?
“Sou uma jovem de 23 anos num apuro amoroso.
Dos meus 16 aos 22 anos namorei um homem mais velho que eu, e que me fazia muito, muito feliz. Sexualmente, não lembro uma vez sequer que não tenha me saciado. Foi meu primeiro homem, meu primeiro amante, meu primeiro tudo.
Ele é negro.
Fora os negros mesmos, só uma mulher que namora um negro sabe quanto racismo existe ainda hoje no Brasil, apesar de tantas palavras em contrário.
Minha família foi um problema desde o início. Sou a filha mais nova de uma família de classe média. Branca, boa aluna. Moderna e anti-racismo, assumi minha paixão por ele. Todos eram contra, incluídos meus amigos. Com o tempo, e com muito esforço de minha parte, fomos aceitos como casal. Ou quase.
Nós éramos um casal feliz e apaixonado. Eu superprotegia ele contra o preconceito, e ele virou outra pessoa. Com dois anos de namoro, ficamos noivos! E eu passei no vestibular… O que foi um pretexto pro meu pai adiar o casamento por quatro anos.
Mas nem mesmo assim fiquei desanimada. Eu tinha quatro anos pra programar o casamento dos meus sonhos.
Juntamos dinheiro, e fazíamos todos os tipos de planos juntos. Até sabíamos os nomes dos nossos filhos. Mas no último ano meu na universidade passamos por uma crise séria.
Eu estava sem tempo. Trabalhava, estudava na faculdade e num curso de inglês e ainda tinha monografia… Ele entrou em uma banda de reggae, que ele adorava. Passamos a viver em mundos opostos, mas ainda estávamos juntos. Um dia ele faz comentários sobre uma nova amiga, uma vizinha – loira, mãe solteira. Ele parecia empolgado com a força e a garra da loira.
Até que eu percebi que ele estava apaixonado. Eu não sei como fui tão idiota. Disse pra ele ficar com ela, porque não iria dividí-lo com ninguém. (Sou egoísta e ainda cresci assistindo as traições de meu pai, as brigas dele com minha mãe e o perdão que ela dava.) Ele com medo, ou arrependido, fingia que não estava com ela, mas eu sabia que alguma coisa estava acontecendo.
Até que depois de nossa primeira briga homérica (o motivo foi ele dizer que “a vizinha sim era uma mulher de vergonha que sabia cuidar de um homem, que era uma guerreira”) ele criou coragem. Me disse que se “envolveu” com ela. Mandei ele embora. Chorei amargamente de arrependimento e raiva, senti que não tinha chão e que tinha investido minha fortuna em ações de uma empresa falida.
Numa conversa posterior, ele me disse que foram apenas beijos e amassos, nos dias em que eu estive na casa de praia com as amigas. (Eu o convidei, mas ele recusou o convite de passar um final de semana comigo na praia). Conversamos, choramos e eu deixei em “stand-by” até assimilar o ocorrido.
Até que a vizinha liga pra minha casa.
Ela pede pra marcar um encontro comigo, porque precisava me contar “algumas coisas”. Arrogante que sei ser, disse que já sabia de tudo em detalhes e que não encontraria com ela por conta disso. Até que ela perguntou como eu poderia estar com ele depois de os dois terem transado diversas vezes e de maneiras diversas e inesquecíveis.
Se eu fosse um Titanic, Fabio, esse momento seria o do naufrágio!
Depois de ouvir detalhes da relação do meu noivo com a vizinha, tive uma longa conversa com ele. Contei pros meus pai. Minha mãe (como era de se esperar) disse que era eu quem tinha provocado a situação. Fiquei atordoada e resolvi investir mais alguns trocados na empresa falida que era meu noivado. Por remorso, por medo e por amar demais.
Ele disse que estava arrependido. Me contou que era chantageado pela vizinha. Que ela me imitava, pedia que ele a chamasse pelo meu nome. Ela usava roupas semelhantes às minhas. Me chamavam de “a noiva otária” e a vizinha parecia estar em todos os lugares que eu frequentava. Ela me encarava, falava mal de mim e ria da minha situação.
Passei sete meses ao lado de um homem dividido. Não suportava os carinhos e os beijos dele em muitos momentos, e enfrentei mais uma fase de preconceito e piedade agressiva da minha família. Eu estava apressando os planos do casamento, e ele dizia fazer o mesmo, mas quando fui verificar o quanto de dinheiro tinhamos para começar mesmo nossa vida …
Ele tinha gasto todo o dinheiro.
Descobri que ele tinha uma vida noturna bem agitada, e que eu nunca estava incluída nessas programações. Passou a beber, frequentar shows, boates assiduamente, até que um dia soube que eu ainda era eu. De repente, acordei sentindo que carregava um peso que me era demais. De arruinada e deprimida, retomei minha personalidade forte e decidida e, em uma ensolarada manhã de quarta-feira. terminei em definitivo com uma relação desgastada, fracassada e que só me trazia sofrimentos.
Vivi momentos maravilhosos com ele, descobri outra vida, me tornei uma mulher madura e decidida com ele. Acabamos seis meses antes do nosso suposto casamento, e todos os dias quando me olho no espelho admiro a força e a coragem que me fizeram romper.
Mas confesso que sinto muita saudade dele. Dos primeiros beijos escondidos, das conversas sobre o futuro, do perfume, do sorvete alta madrugada, das risadas. Da mania dos relógios, do bom humor, do aprendizado, da voz. Do último beijo, meu presente de aniversário, e das vezes que pedi para ele mudar.
Às vezes tenho vontade de procurá-lo.
Devo?”