Archive for Março, 2010

O que você faria se soubesse que seus dias estão contados?

31/03/2010

Mais uma sessão pequena de cinema, mais uma divagação semifilosófica.

O que você faria se, como esta jovem mulher do filme, soubesse que já não tem tanto tempo assim? Tomaria mais sorvete? Faria mais sexo? Beberia, fumaria sem medo de fazer mal para a saúde? Diria às pessoas queridas o quanto as ama? Leria aquele livro que vem sendo deixado na prateleira sem outra razão que não a preguiça? Aprenderia a dançar tango? Faria topless? Voltaria a tomar Coca normal?

Ou simplesmente chutaria a parede e xingaria deus?

Mulheres-bombas

30/03/2010

Duas irmãs.

Jovens, bonitas, sorridentes.

Morreram matando.

Pertenciam ao grupo Viúvas Negras, ou Noivas de Alá. São mulheres da Chechênia, em geral jovens viúvas, que aderem à Jihad, a “Guerra Santa” dos extremistas islâmicos. Foram duas Viúvas Negras que promoveram o terror no metrô de Moscou. Mulheres bombas.

Veja o vídeo.

Como duas garotas assim, que deveriam estar se preparando para festas, estavam prontas para morrer matando? Como entender, como explicar, como aceitar?

A sexualidade da mulher islâmica X a sexualidade da mulher ocidental

28/03/2010

EXAMINE, por favor, esta imagem. Gostou?

O autor é um iraniano, Makan Emadi. Claro que ele não mora no Irã, onde se fizesse este tipo de arte há muito tempo já teria sido despachado para a companhia de Maomé. Ele vive em Los Angeles, para onde sua família se mudou em 1979, quando ele tinha 14 anos e os aiatolás tomaram o poder no Irã.

É um ponto dele que eu gostaria de colocar em discussão.

Emadi disse, numa entrevista recente, que sua obra é uma espécie de manifesto em defesa da mulher. Não apenas a mulher islâmica mas a mulher ocidental também. A sexualidade desta é vendida, a daquela é negada.

Há tempos tenho essa visão, mas não a tinha conseguido formular com a lucidez de Emadi.

Sabe-se que a mulher islâmica tem um longo caminho a percorrer para se afirmar. Ponto. Mas a mulher ocidental avançou talvez bem menos do que pensa. Colocar piercing na vagina e gritar isso ao mundo está longe de ser uma prova de poder, ao contrário do que muitas mulheres pretensamente de vanguarda imaginam.

Elas se submetem à dor da perfuração dos lábios inferiores para satisfazer não a si mesmas, mas para tentar com isso chamar a atenção dos homens numa atitude subserviente.

Vejo mulheres ocidentais erguerem a voz em defesa das muçulmanas. Talvez devessem cuidar de si próprias primeiro.  Sua sexualidade histérica é comprada e vendida pelos suspeitos de sempre, nós, homens.

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O que você NÃO deve fazer caso queira a exclusividade sexual de sua mulher

26/03/2010

ESTA É UMA FITA DE Chabrol, A Mulher Infiel.

Gosto do ritmo lento do cinema francês dos anos 60. Você pode dar uma cochilada básica e mesmo assim o filme não perde o sentido.  A vertiginosa velocidade vazia de Hollywood me provoca tédio, paradoxalmente.

Mas o tema não é cinema, aqui.

É casamento.

Não vou dizer que o marido do filme estava muito gordo para manter o interesse da mulher estupenda que, em dias melhores, conquistou. Também não vou dar minha opinião sobre homem que dorme de pijama, e ainda mais azul. Me absterei de comentar as baforadas que ele deu no sofá no rosto belo da mulher, que tentava comer em plana fumaça.

Vou me deter no que mais chama a atenção.

Não há casamento que resista a isso. Os dois na cama. Uma noite tépida, que convida a dormir vestido com a brisa morna. Sequer pernilongos há na França, ou pelo menos no filme. Ela de camisola transparente, os seios pré-silicone expostos à visitação dos olhos do marido. São firmes, delicados, dispensam sutiã e acendem a imaginação.

Como toda infiel, ela ironicamente anseia em se entregar para o marido, como se assim expiasse a culpa.

Fora colocar uma música no toca-discos, na era do vinil, tudo que o marido faz, depois de apagar a luz, é  falar é: “Boa noite.”

Deus, há uma fêmea maravilhosa a seu lado, mas ele prefere o sono.

Não há fórmula certa para manter um casamento. Mas há para não manter.

Esse trecho de Chabrol é uma lição sobre o que um homem não deve fazer se estiver interessado na exclusividade sexual de sua mulher.

Era dever do marido, aliás um dever bem agradável, possuí-la com paixão, nem que para isso tivesse que abdicar do pijama. Beijá-la de todas as formas, fazer as coisas que ela aprecia na cópula, e só dar boa noite quando ela estivesse exaurida sexualmente, satisfeita como uma cartomante ao encontrar uma otária rica e crédula.

Talvez assim no dia seguinte ela apanhasse aquele velho telefone preto para dizer ao amante que aparecera infelizmente um compromisso. Com o próprio marido.

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O que você acha de filmes pornôs dirigidos por mulheres?

25/03/2010

UMA PERGUNTA simples em nossa sessão de cinema: o que vocês acham de filmes pornôs dirigidos por mulheres?
Candida Royalle, a bonita coroa que fala no vídeo, diz que faz cinema erótico sob a ótica feminina.

“Não detestamos pornografia. Detestamos pornografia ruim. Amamos Candida Royalle porque ela faz pornografia que nós, mulheres, adoramos.” É mais ou menos o que dizem umas mulheres alegres no vídeo que acabamos de ver.

Num festival de cinema em Berlim, várias diretoras do gênero se reuniram. Vi um curta desse encontro, e uma delas parecia Dona Ruth Maldonado, minha sexagenária vizinha gorda e manca da infância. Outra me lembrou uma senhora do coro da velha igreja, Dona Esmeralda Cortez. Uma outra era igualzinha à ativista americana da década de 60 Angela Davis, do movimento Black Power.

Existe mesmo isso, como disseram as garotas, uma “pornografia que nós, mulheres, adoramos”?

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“Ir ao encontro de uma onda em estado de completa nudez e imaculada pureza é a forma mais sublime de meditação que encontrei em minha vida”

24/03/2010

É uma cena de um documentário italiano de 1963. As Mulheres do Mundo. Fora a constatação básica da graça e beleza universal feminina, alguns pontos talvez mereçam um debate.

O nudismo, em si.

Havia, lá para trás, uma espécie de pureza primitiva nos nudistas. Uma comunhão com a natureza, um retorno à simplicidade, um não pacífico à ditadura de griffes.

Tio Fabio era dessa espécie. Contemplava, em retiros discretos nos quais vestia apenas seus óculos de míope,  a natureza por longos momentos e celebrava a beleza generosa da Mãe-Terra.

Era um naturista, como aqueles do vídeo.

A sociedade moderna vulgarizou a nudez. Colocou-a à venda em filmes, revistas, luminosos.

A nudez ficou associada a exibicionismo. O encontro com a natureza foi atropelado pela exibição compulsiva do corpo com finalidades comerciais ou ególatras. Um dia talvez vendam roupas para o nudismo.

É uma pena.

“Ir ao encontro de uma onda em estado de completa nudez e imaculada pureza é a forma mais sublime de meditação que encontrei em minha vida”, dizia titio. Uma vez, disse a ele que ele deveria escrever um livro sobre a experiência. Eu era adolescente, via piada em tudo a meu redor, e sugeri a Tio Fabio que desse àquele tipo de meditação o nome de meditabunda.

Percebi nele um desapontamento instantâneo. Eu tinha blafesmado sem saber e fui punido não pelos gritos mas pelo silêncio do Tio Fabio. Não ouvir nada dele era pior do que ouvir uma reprimenda terrível.

O tempo me fez entender a reação de titio. Graça não vai bem com erotismo e nem com instantes de introspecção profunda.

Ele não viveu para ver a destruição, por vis razões mercantis, de suas convicções naturistas; e isso me traz um certo conforto.

Os durões não dançam

22/03/2010

TOUGH GUYS DON’T DANCE. Durões não dançam. É o título de um dos livros de Norman Mailer.

Li há muito tempo e, se o título jamais saiu de minha mente, o roteiro já se diluiu. Há uma cena, num filme de Woody Allen, em que ele conta que leu Guerra e Paz em tempo recorde, com a leitura dinâmica. O interlocutor pergunta o que ele guardou. “Que tratava de guerra e paz”, ele reponde.

Bem, o que lembro, mesmo, do romance de Mailer é que durões não dançam. Mesmo assim recomendo porque todo Norman Mailer é Norman Mailer.

Concordo com a tese central.

A dança foi feita para mulheres. De preferência, jovens. Velhotas a partir dos 50, salvo Kathryn Bigelow e uma ou outra exceção, ficam melhor, na senioridade, jogando baralho ou abanando o leque. Francamente. E não me chamem de machista porque tenho carteirinha de feminista.

Uma mulher que dance mal tem mais graça que um homem que dance bem.

Nesta cena de Pulp Fiction isso fica demonstrado como uma equação matemática. Uma Thurman não dança nada. Me lembra minha prima Mariza, loura, bonita e desajeitada nos passos travados. Travolta é um mestre do bailado. Sumiu uma época, fez um estratégico implante de cabelo, e reapareceu em Pulp Fiction. Para quem gosta de curiosidade, Pulp Fiction era como se chamavam os romances policiais nos Estados Unidos muito tempo atrás. Pulp, polpa, era a base do papel barato dos livros.

Exemplo de pulp fiction

Pulp fiction

No filme, os olhos do espectador acabam nela, mesmo com sua dança trôpega. Travolta dá seus saltos de sempre, mas é reduzido a coadjuvante nesta cena.

A dança, mesmo tosca como a de minha prima, eleva a graça da mulher. A feminilidade, o encanto. No homem tem o efeito oposto. Quanto mais bem executada, mais subtrai em virilidade. Quando é ruim, o efeito é simplesmente patético.

Mailer lutava box, casava e descasava, brigava, escrevia romances e tentava ser um novo Hemingway, o que não conseguiu embora tenha chegado perto.

Fazia muita coisa, como se vê.

Mas, como todo durão, não dançava.

Mulheres escravizadas pela magreza: um depoimento

21/03/2010

TRAGO PARA o centro do palco este depoimento de Beth por motivos óbvios. E decidi colocar um vídeo de Karen Carpenter para homenagear todas as mulheres que sofrem, sofreram e sofrerão  de anorexia nervosa e bulimia.

No documentário sobre Karen Carpenter, vi algo sobre que já tinha lido algumas vezes. Na adolescência, ela era chamada de gorda, ou gordinha, fora e dentro de casa.  O efeito que isso acabou tendo nela foi fatal.

Na minha vida, conheci um caso de perto. Uma garota que tinha sido gordinha na infância. No começo da adolescência, ficou anoréxica. A cena de que mais lembro era ela comendo um biscoito de água e sal e, em seguida, fazendo exercícios para eliminar as calorias. Ficou internada semanas num hospital e sobreviveu. Mas com sequelas, como Beth conta em seu relato.

TENHO  bulimia desde os 12 e estou em tratamento há 6 anos. Tenho 38 anos. Meus dentes já se desgastaram, perdi alguns, fiz implantes. Tenho distorção de imagem corporal, e dizem que o sintoma irá permanecer; preciso aprender a lidar com ele.

Há 4 anos fui internada em hospital psiquiatrico por tentativa de suicídio; lá dentro tentei outra vez, me enforcando. Desta ultima quase consegui; por algum tempo permaneci sem sentidos. Tive que ser reanimada, tenho sequelas até hoje; um dos olhos saltou e meus ombros foram deslocados. Hoje não tenho purgações ou compulsões, mas voltam de vez em quando, sempre que passo por situações dificeis. Essa é uma doença que escraviza.

O tratamento é longo, porque as raizes são profundas. A doença está associada à  auto-estima, à perfeição, ao não dominio da própria vontade e a outro sem-número de fatores externos,  poucos ligados a revistas de moda ou ao padrão estético atual.

Por que as mulheres morrem para ficar magras?

19/03/2010

Este documentário é inovador. Basta ver um pouco para perceber.

Seu autor, posteriormente, se tornaria um dos melhores diretores de cinema.

Vale a pena ver por várias razões. Pelo talento que começava a aparecer no cinema e pela voz de Karen Carpenter, o objeto do documentário, para ficar em apenas duas.

Mas o que eu queria destacar, aqui, é outra coisa. A obsessão suicida de muitas mulheres pelo corpo magro. Karen Carpenter morreu disso. Morreu por se julgar gorda mesmo quando era magra. Mesmo quando estava esquelética. Mesmo quando ia morrer.

Tomava laxantes. Não comia. E tinha uma voz tão linda que você fecha os olhos e consegue imaginar um anjo cantando. Close to you é uma canção para guardar no coração.

Em que momento a mente de Karen se desgovernou? Em que momento a mente de tantas mulheres se desgoverna? antas perguntas, tão poucas respostas.

A mulher tatuada chama o sexo sem berrar por ele

18/03/2010

POR QUE UMA TATUAGEM impressiona tanto?
Melhor: por que ainda impressiona tanto?
Lisbeth Salander é a explicação do maior fenômeno literário dos últimos anos, a chamada trilogia Millenium, do sueco Stieg Larsson. Um jornalista esforçado e limitado, Larsson já perto dos 50 anos começou a escrever nas horas vagas — madrugadas, basicamente — livros de crime, conectados como A Comédia Humana, de Balzac. Terminou três. Um quarto ficou no meio do caminho. Pouco antes do lançamento do primeiro, ele morreu de infarto ao subir uma escada. Fumava e tomava café em grande quantidade, como todo repórter que se prezasse de sua geração. A trilogia virou o que virou. Mais de 20 milhões de exemplares vendidos no mundo. O primeiro livro, A Garota com Tatuagem de Dragão, já foi transformado em filme.

Sem Lisbeth Salander, a personagem central dos romances ao lado de um jornalista inspirado no próprio Larsson, o livro provavelmente se limitaria à Suécia, ou talvez nem isso. Com ela, virou uma sensação global. A tatuagem de dragão nas costas é a maior marca de Lisbeth. Ela tem alguns piercings, também. Só usa preto e, embora heterossexual, pode dormir com outras garotas, como é moda hoje nos rocks das aranhas, como cantou Raul Seixas.

Tatuagem de dragão nas costas é algo que fascinava Larsson a ponto de colocar uma em sua criação. Enfeitiçou também o jornalista do romance, que embora tenha idade para ser pai de Lisbeth sente por ela uma atração nem um pouco paternal. E finalmente milhões de leitores em todo o mundo foram laçados pela tatuagem.

Nos dias de hoje, uma tatuagem deveria ser tão banal quanto um pastel na feira. Mas não. A mulher tatuada é cobiçada pelo homem até como personagem de romance policial. Uma tatuagem confere à mulher poder sexual. Uma tatuagem no corpo feminino leva o homem a sonhar, a divagar, a especular. A querer entender, decifrar, sorver a mensagem. Se ela tem um dragão nas costas, como Lisbeth Salander, o que não fará no sexo? O piercing na vagina pode parecer excessivo. Um grito. Uma demonstração de egolatria sexual. Histeria erótica. A tatuagem não. Ela excita sem o risco de perturbar pelo excesso. Sua dona parece chamar o sexo sem berrar por ele.

O homem enxerga na tatuada possibilidades interessantes no sexo. Na fantasia masculina, a tatuada está insinuando aos machos do universo, triunfal como Napoleão ao roubar a amada Quadriga dos alemães depois de conquistar Berlim: “Posso tudo e deixo tudo!”

“Você prefere meus seios ou meus mamilos?”

15/03/2010

MAIS UMA SESSÃO curta de cinema? Godard, de novo. Um homem, uma mulher, uma cama, uma conversa, uma luz delicada.
Uma cena de amor.

Não uma cena de amor qualquer. Uma das melhores da história do cinema. Para muitos, eu incluído, a maior.
Há poesia e beleza na cena, e um erotismo suave que cai bem como uma taça de vinho numa noite fria.
Ela faz uma série de perguntas para ele sobre si mesma.
Toda a insegurança ancestral das mulheres se revela no questionário. Tão jovem, tão linda, tão deslumbrante em sua pureza de quase menina, e tão insegura: “Prefere meus seios ou meus mamilos?” É como escolher entre Londres e Paris. Não dá.

Lembrei um trecho bem menos lírico de um romance. Uma modelo novaiorquina uma manhã abre a janela do seu apartamento e, depois de se olhar no espelho, grita: “Sou horrível.” Diante dela, está um cartaz de propaganda imenso em que ela mesma é a modelo. O mundo reverencia sua beleza, mas ela se acha a mulher mais feia da cidade.

De volta a Godard. O homem também é um clássico masculino. Lacônico, direto nas respostas. Seguro e firme, ao contrário dela. Leva calma onde pode haver aflição. É um filme baseado num romance de outro gênio europeu, Alberto Moravia, um italiano que escreveu romances sexualmente provocativos como poucas pessoas. (Recomendo dois: Desidéria e A Romana.) Godard sabia onde procurar enredos.

Aquela cena. O detalhe do tom de voz. Ninguém grita, como é tão comum no cinema americano. Ninguém faz graça, como é tão comum na vida real. Um erro. Não há sexo forte o bastante para resistir a espasmos de humor. Quando o casal começa a rir, é hora de sair da cama e ver novela comendo pipoca. Seriedade é fundamental nas imediações do coito. Bem antes e bem depois, piadas são toleráveis desde que sejam finas.

Aquela cena de amor. Vale a pena vê-la algumas vezes. Grande arte, grande cinema. O amante podia fazer tudo por aquela mulher. Menos, e vai aqui meu lamento pronfundo e ingênuo, segurar o tempo para que ele não destruísse insidiosamente uma beleza que chega a doer de tão sublime.

Deixe o sol entrar

14/03/2010

Esqueci de perguntar: o que vocês acharam do prêmio dado a The Hurt Locker no Oscar?
Torciam por Avatar?
Gostei. O filme de Kathryn Bigelow me remeteu a Hair. Por isso o vídeo acima.
Cada qual do seu jeito, são dois manifestos antiguerra.
A coroa bonita e alegre mostrou o que é uma guerra. Hair gritou chega para o Vietnã nos anos 60.
Confesso.
Fico arrepiado com a apoteose de Hair. Let the sunshine in. Deixe o sol entrar.

Singing our space songs on a spider web sitar. Cantando nossas canções espaciais com uma cítara de teia de aranha. Que mistura estranha e linda de palavras.

De volta ao chão.

Hair nasceu da guerra e voltou agora por causa da guerra.  Era o Vietnã, agora é o Iraque e o Afeganistão.

Mas o grande hino à vida que é Let the sunshine in vale para todas as situações.

Para todos nós.  Nos queixamos muito, nos lamentamos muito, nos amarguramos muito. Fofocamos muito, maldizemos muito, invejamos muito.

E por isso tudo sofremos muito.

Quer dizer que ficamos engaiolados numa borrasca emocional contínua. Que tem efeitos malévolos em todas as esferas de nossa vida. Incluída — vocês são obcecados com isso, não são?  — a vida amorosa. E sexual.

Não deixamos o sol entrar.

Que tal ver o vídeo de novo e deixar entrar hoje, amanhã, sempre?

Tive a convicção, ao ver Bigelow em várias situações, que ela costuma deixar. Quase aos 60, ela parece um personagem da peça que viu na adolescência. O cabelo longo, o sorriso fácil. Por isso é uma quase velhota tão bonita.

Tava na draga. Seus filmes eram elogiados pelos críticos e ignorados pelo público. Quando fez o último filme antes de The Hurt Locker, tinha passado dos 50 e mais uma vez foi um fracasso de bilheteria. Parecia o final de uma carreira obscura, mas ela acreditou que podia falar alguma coisa sobre a guerra na sua linguagem, a do cinema.

O resto é história.

Como Hair, Bigelow é também uma inspiração.

Pessoas diferentes só dão certo no amor na ficção romântica

12/03/2010

PESSOAS DIFERENTES só dão certo no amor na ficção romântica.

É uma de minhas sete convições testadas e comprovadas sobre relacionamento. A moral da história do filme acima é exatamente esta. É uma refilmagem americana de O Acossado, de Godard. Tão boa quanto o original do mestre da nouvelle vague.

Um gatuno se apaixona por uma jovem bem colocada. Ela por ele. Termina como você pode ver acima. Num gesto de desespero e autopreservação, ela o denuncia à polícia.

Teria sido uma união tenebrosa. Ela optou pelo remorso, e largou um amor que fatalmente a arruinaria.

Gosto dessa cena. Concordo com quem a colocou no YouTube. É provavelmente o maior momento de Richard Gere no cinema.

O piano doce misturado com o rock de Jerry Lee Lewis, o entusiasmo e depois a perplexidade do perseguido, o olhar que o casal troca como numa despedida, o grito dela tardio.

E a dança. O sapateado. A camisa aberta e a calça xadrez de liquidação de magazine. A sirene e o carro da polícia, o revólver no ar. E o fim.

Não, não dá certo.

A moral da história de Breathless é sábia como Tio Fabio, Deus o tenha.

O beijo versus o sexo

10/03/2010

Ia escrever sobre outro assunto, mas fui dar neste vídeo e tive que mudar. É um trecho de um clássico do cinema, “Quando Explode a Vingança”. Nele Sergio Leone e Enio Morricone trabalham juntos, e esta cena mostra por que Tarantino disse que foi provavelmente a maior parceria do cinema. A câmara de Leone, a música de Morricone.

Vi este filme menino ainda em Ribeirão Preto, na última sessão do cinema velho do centro, e dormi em boa parte. Mas ao sair cambaleante do cinema rumo à casa de Tia Zete, que vendia jóias para os outros e proporcionou sonhos para mim, sabia que tinha visto alguma coisa que iria me acompanhar pelo resto de minha vida.

Quero aproveitar esta sessão curta de cinama para, além de sugerir filmes de Leone e Morricone, discutir a essência da cena. O beijo.

O beijo contém uma carga erótica e amorosa muito maior que o sexo em si. Não é à toa que prostitutas não beijam os clientes. Como símbolo, o beijo representa a entrega, o laço, a comunhão muito mais que a cópula. É um dos mistérios do amor.

Muita gente tentou ao longo do tempo explicar.

Tenho minha tese. Quero ouvir a sua. Para mim, o beijo é a promessa, a expectativa do que pode vir depois, é a véspera da festa.

É a fantasia.

O sexo é a realidade. Não é mais a véspera, mas a festa mesma. Quando a realidade iguala a fantasia?

Poucas vezes. Quase nunca. Daí o fascínio perene e incomparável do beijo na crônica de homens e mulheres apaixonados.

A Grande Arte da Bota: Parte II

07/03/2010

Já chegamos a uma conclusão no Guia da Bota. Existe a hora errada. Mas chamo a atenção para mais uma coisa. Existem também as palavras erradas.
É o que mostra a instrutiva cena desta filme, Strange Days. Gritar “acabou”, sobretudo quando o outro quer sinceramente ajudar você, é um erro. Se você terminou de refrescar os seios na frente dele depois de uma dança e música lascivas, é quase um crime.
É o que faz Juliette Lewis neste filme. A vítima é Ralph Fiennes, vocês devem ter visto.
Uma curiosidade é que é um filme de Kathryn Bigelow, a diretora de A Guerra do Terror. É dos anos 90, num período em que ela era casada com James Cameron. Ele é o roteirista do filme.
A crítica é mais ou menos unânime em considerar que Strange Days foi injustiçado pelo público. Me lembra uma tirada do Oscar Wilde. Depois da estréia de uma peça sua, perguntaram a ele como tinham ido as coisas. “A peça foi muito bem, mas o público foi muito mal.”
Podíamos travar uma conversa cinematográfica aqui, mas o objetivo é a utilização de uma cena para darmos mais um passo na elaboração da etiqueta da bota.
Gritar “acabou” não. Não gritar, aliás. Nem sussurrar, como a garota do texto anterior.
Falar num tom adequado as palavras certas com a doçura possível, como um chefe numa empresa moderna como o Google que tem que demitir alguém.
Nosso anarquista favorito falou em deixar morrer. Acho cruel. Prolonga uma situação desagradável, e a vida é curta.
Juliette Lewis foi na lata naquela cena. Não deu tempo sequer para o mocinho chegar até a porta. Não foi bem.
Como Aristóteles pregava, deve existir um meio termo.

A Grande Arte da Bota: um debate sobre como terminar um relacionamento

06/03/2010

Mais uma sessão de cinema. Um curta. Tenho achado os longas tão chatos que estou passando para os curtas.
Bem.
Como se vê, levar bota não é fácil.
Tio Fabio, falecido homem sábio do interior, dizia: “A única coisa pior do que dar bota é levar.”
Não eram exatamente estas as palavras, mas era este o significado.
Outro dia, num de nossos debates, houve uma confissão expressiva. Um homem ouviu o seguinte na hora de levar bota. “Você não me dá apetite.”
Sua força mental terá que ser grande para que ele supere o trauma desse diagnóstico amoroso que o transformou numa garrafa de água sem gás. Sentir que ele pode ser cobiçado como uma latinha de Coca gelada por outra mulher vai exigir muita determinação dele.
Há uma hora certa para a bota, e existem também as palavras certas. É uma quase ciência.
Vou apenas iniciar o debate. A hora errada está neste curta ilustrativo.
Luz baixa, olho no olho, a expectativa enorme dele em torno de uma cópula espetacular.
E então a bota.
Mesmo que fosse essa a intenção dela antes do encontro. Naquelas circunstâncias, a ética amorosa sugeria que ela satisfizesse o namorado. Se fosse surpreendentemente bom o desempenho dele, talvez até ela pensasse uma segunda vez sobre a bota. Se não, no dia seguinte, ela poderia delicadamente dar a bota numa situação menos extrema para o apaixonado.
A ética amorosa, e aqui encerro por ora minha participação, sugere também que você, homem ou mulher, dê a bota antes de arrumar alguém, como no vídeo. É mais justo.
Tenho a sensação de que muita gente retarda a bota até encontrar um substituto ou uma substituta.
Não é justo. A frase final também é dura como um cigano búlgaro. “Espero que ainda sejamos amigos”. Mas como? Será que ela não percebeu que, como Lady Macbeth, suas mãos estão manchadas de sangue?
Enfim.
Minha expectativa é que será estabelecida aqui, por consenso, a GAB — Grande Arte da Bota.

O amor tem que ser divertido

05/03/2010

Tá vendo a mulher do vídeo?
Ela compôs essa música, que talvez você conheça, um clássico. E também cantou. Ela era parte do Fleetwood Mac, uma banda angloamericana que nos anos 70 e 80 fez muito sucesso. Rumours, o álbum ao qual pertence essa música, é um dos campeões de vendas de todos os tempos.
Christine Mcvie.
Bonita, charmosa, talentosa, atirada e chega.
Não vou mostrar foto recente dela. Uma velhota. Pena. Eu não devia usar aquela palavra, mas não há outra que defina melhor.
Uma velhota.  Melhor que fiquemos com sua imagem jovem e bela.
Christine compôs este hino do amor alegre, ideal. O título define a atmosfera. You Make Loving Fun. Você torna divertido o amor.
Acho que todo casal devia ouvi-la pelo menos uma vez por semana. E se empenhar genuinamente por adotar seu princípio básico: o amor tem que ser alegre, tem que sorrir.
Amor emburrado é chato como uma sessão de citara.
Uma relação de alimenta de sorrisos. A vida lá fora já é suficientemente dura para que também no amor você fique triste.
Não é tão difícil. É uma questão de atitude. Grandes filósofos compararam o comportamento de dois homens, Heráclito e Demócrito. Um chorava com a miséria humana, o outro ria. Melhor rir, disseram com base nessa comparação Sêneca, Montaigne e, se não me engano, Nietzche. Até eu umas duas ou três vezes já falei nos dois gregos.
Nossa velhota.
Causou no passado. Era casada com o baixista da banda, mas fez esta música, de 1977, para um cara com quem estava tendo um caso. Mas o muso não durou muito. O Fleetwood Mac queria comprar o estúdio dos Beach Boys em Los Angeles. Quem tomava conta do estúdio era Dennis Wilson, o baterista, o real beach boy, surfista, aventureiro, carismático.  As mulheres gritavam por ele. Faziam fila na porta do quarto do hotel nas excursões do Beach Boys. Christine foi com a banda visitar o estúdio e no dia seguinte já tinha sido finalizada por Dennis. Foi um romance curto e complicado: muita bebida, muita droga. Dennis botou fogo sem querer na casa de Christine, numa noite em que quis criar um clima romântico à base de velas,  e uma vez mandou o jardineiro fazer um coração enorme no jardim. Só depois ela soube que, quebrado, ele dera um jeito de colocar a conta do coração florido para ela mesma pagar.

Ele pagou esse arranjo com dinheiro dela

Ele pagou esse arranjo com dinheiro dela

O romance não durou muito. Dennis estava afundado em bebida e drogas, entregue à autodestruição clássica do rock’n roll, e morreria logo depois, afogado numa marina, logo ele, que crescera no ar. Tinha 39 anos.  Christine, gênio da música e do sexo desregrado, também abusou. Cometeu muita besteira.
Mas fez um hino do amor que sobreviveu. E que deve inspirar todo casal são, ou em busca da sanidade.
Se você olha para o ser amado e conclui que ele faz o amor ser divertido, cuide direito do romance porque você está com um, dois, vários bilhetes premiados.

Amou, não foi amada e se danou

04/03/2010

E não foram felizes para sempre

Não é o que parece. Não foram felizes para sempre, não era um casal mostrando ao mundo o fruto adormecido de seu amor.

Nada.

Mas é um retrato que vale uma reflexão. É o príncipe Charles, como vocês devem ter notado.  A mulher, a mãe do bebê, é Dale ‘Kanga’ Tryon. Era uma herdeira australiana que ingressou no círculo real britânico.

Amou, não foi amada e se danou.

Seu drama poderia ser simplificado assim.

Kanga vem de Canguru, e apelido, ganho na turma do príncipe, deriva de ela ter nascido na Austrália. Você vê nesta foto o quanto ela era apaixonada por Charles. Mas ele amava outra, Camila Bowles, a quem um dia escreveria a carta mais libidinosa da história moderna da realeza britânica. Nela, dizia que gostaria de ser o tampax de Camila, uma plebéia que devia ser extremamente fogosa na cama.

Charles, por questões de títulos de nobreza, não casou com Camila, mas com Diana, aristocrática e sem sal. Deu no que deu. Continuou a frequentar a cama de Camila, que casou com um outro. Diana, em certo momento, também começou a pescar fora do território familiar.

Para a Kanga, que também se casou com outro homem, o pai do filho da foto,  sobrou uma migalha. Charles disse que nenhuma mulher o entendera tão bem na vida.

Kanga, até a morte prematura, fatalmente amargurada antes dos 50, tinha um problema comum: entendia, mas não satisfazia.

Foi vítima de um paradoxo cruel como um cossaco russo: homens e mulheres preferem quem satisfaça a quem os entenda. O gozo carnal se impõe à comunhão espiritual. Se há duas portas, uma que leva a uma mulher da estatura moral da Madre Tereza e outra a alguém com as possibilidades oferecidas por Megan Fox, sabemos muito bem qual será a opção.

Pobre Kanga.

Amou, não foi amada, se danou.

“O pior marido é melhor que o melhor dos sonhos”

03/03/2010

Machado pecou

Machado pecou

RELEIO MACHADO. Quincas Borba. É uma viagem fascinante pela prosa incomparável de Machado.
Em Quincas Borba aparece uma das melhores personagens femininas da literatura mundial: Sofia. Bela, sedutora, ambiciosa e amoral nos seus 30 anos de idade. Casada, não recusa os presentes do idiota ingênuo que é Rubião.
Gosto da descrição que Machado faz dela. “O tempo, como um escultor vagaroso, a ia esculpindo ao correr dos longos dias.”
Se usasse chapéu, tirava.
Sofia estimula a corte de Rubião, e não se entrega a ele não por princípio, mas porque ele é um caipira sem graça de Minas. Ela é da capital, Rio.
Estou copiando e colando as frases de que mais gosto.
Bati numa que, embora sonora e inspirada, acho completamente equivocada. Uma prima de Sofia é solteira. Numa conversa com uma velhota, ouve o seguinte: “O pior marido é melhor que o melhor dos sonhos”.
Não concordo.
Marido só faz sentido se for bom, assim como mulher.
Um marido ruim acaba com a vida da mulher. O inverso é idêntico. O mau parceiro não eleva você; rebaixa.
Escrevi outro dia sobre a beleza que pode existir na solidão. A paz, a quietude, a oportunidade de meditar.
Num mau casamento, todo dia é dia de pesadelo.
Machado é um dos maiores escritores de todos os tempos. Do Brasil, é de longe o mais talentoso. Mas a frase sobre os maridos é uma bobagem.

Todo mundo nu

01/03/2010

Avaliem por um momento, por favor.
Sei que vocês vão procurar corpos bonitos no meio da multidão. Os homens buscarão mulheres. As mulheres, homens.
Mas não é este o ponto.
Queria discutir com vocês o seguinte: como um cidadão consegue convencer milhares de pessoas a posar nuas para ele?
Melhor: qual a motivação da multidão desnuda?
O fotógrafo ganha a vida assim. Stanley Tunick, americano. Faz fotos de nudez grupal mundo afora. É, como diz meu amigo Thunder, gaúcho, um gaudério. Um cara itinerante.
Faz as malas, viaja, fotografa sorridentes turmas peladas e ganha dinheiro. Esta a breve biografia de Tunick.
Sua grande idéia foi perceber que se esconde, em cada um de nós, um pedaço exibicionista. Gordos e magros, loiras e morenas, cristãos e judeus, paranóicos e zen-budistas, trabalhadores e preguiçosos, ninguém escapa.
Exceto, talvez, mas talvez mesmo, muito talvez, as pessoas desse grupo.