Há uma música antiga. Ela me comove. É uma canção de despedida. Sou um cara de alguma forma obcecado pelas despedidas. Imagino que nasci para o adeus, e é possÃvel que mesmo sem perceber tenha estimulado situações que levariam ao fim. As despedidas nos remetem aos lugares mais sublimes e mais profundos da alma. Elas ao mesmo tempo nos rebaixam e nos elevam, nos subtraem e nos multiplicam. Elas misturam glória e miséria, e não existe combinação mais de acordo com a essência do ser humano do que essa. Glória e miséria. Somos glória e somos miséria.
É uma canção simples, aquela da qual eu falava, como costumam ser simples as melodias do adeus. Braços que se desenlaçam em despedidas supremas, escreveu Eça de Queiroz. Quando eu era jovem, e sonhava escrever os livros que jamais escrevi, em produzir uma biblioteca com romances meus que nunca saÃram da imaginação, eu dizia que quando era jovem eu lia os clássicos com uma caneta na mão para anotar as frases que mais me tocavam. Braços que desenlaçam em despedidas supremas foi uma dessas frases. Quantas vezes vivi esse desenlaçamento, Deus.
Agora mesmo: mais uma.
Mas eu estava falando da música. É uma parceria de Ringo Starr com George Harrison, num disco de 1973, três anos depois do fim dos Beatles. Chama-se Me and You, Babe. Quando meus braços se desenlaçam em despedidas supremas, esta é uma canção que me ocorre sempre. Há uma parceria linda na música: a voz anasaladamente infantil de Ringo com a guitarra chorosa como eu de George.
Canto na minha mente essa canção agora, em que ela e eu nos despedimos. A verdade é que não sou o cara mais agradável do mundo. Um escritor que sonhava construir uma pirâmide, e dela não fez sequer os fundamentos. Um cara depressivo, melancólico. Ou foi assim que me descreveu alguém, que se lembro era um pesquisador ou uma pesquisadora, ao ler textos meus na revista VIP. Ela. Ela merece alguém mais interessante. Alguém que a faça rir quando fui tão bom em fazê-la chorar. O destino de um escritor barato é a solidão, ele e sua obra que jamais será feita, e eu devo cumprir esse destino com coragem estóica.
Mas a música. It’s time that we part, afirma. É tempo de partida para nós. Depois a música fala que os dois talvez possam se reencontrar no futuro. E a frase final, a de que mais gosto: me dê um sorriso se você gostou do espetáculo.
Eu dou. Eu dou o maior sorriso que o mundo já conheceu. Porque, para mim, você foi um espetáculo soberbo, único, incomparável. Amis. Martin Amis, o escritor inglês. Dele li um romance lançado há pouco. Dois irmãos e uma mulher no meio. Ao descrever no final o irmão morto, o narrador diz uma coisa mais ou menos assim. Ter você como irmão foi como ter 100 irmãos. Você preencheu todos os céus.
Você. Você, de quem eu nunca disse o nome. Você, Lu.
Ter tido você foi como ter tido 100 mulheres, tal sua grandeza épica como mulher. .
Você, Lu.