Archive for Outubro, 2008

Balzáqueas16: O Relâmpago

29/10/2008

“Numa relação amorosa, o momento em que dois corações podem entender-se é tão rápido como um relâmpago, e não volta mais, depois de ter se dissipado.”

Balzac

O dinheiro e a potência

29/10/2008

“Andei pensando”, diz Thunder com sua voz estentórea a Pedro. “Sobre o dilema sinistro de Henry, personagem de Philip Roth em O Avesso da Vida: a virilidade ou a morte?”
“É um tema fascinante”, diz Pedro.
Henry tem que fazer sua escolha. Tem, conforme escrevi em meu último texto, um problema no coração que o obriga a tomar um remédio que o fez impotente, logo ele, um escravo dos sentidos.
A alternativa é uma cirurgia com boas chances de matá-lo.
Que fazer?

“Penso em mim”, diz Thunder. “Se me coubesse a escolha, optaria pelo risco da cirurgia. A impotência é uma morte em vida. Uma agonia servida em gotas. Não poder entrar numa mulher que se oferece a você. É completamente contra a natureza. Vê-la em sua nudez esplêndida e não ter nada a fazer. Prefiro o pelotão de fuzilamento. Mil vezes ser um mendigo potente do que um milionário impotente.”
“A vida vai além do sexo”, diz Pedro. “O sexo é uma ilusão escravizadora. Marco Aurélio, o rei-filósofo, disse em suas Meditações que o sexo é uma mistura de fluidos de duas pessoas em posição ridícula.”
“Devia ser broxa ele”, diz Thunder, sem nenhuma consideração para com o monarca que simbolizou o sonho de Platão de um governante sábio. “Pessoas com nome duplo são muitas vezes esquisitas.”
Pedro sabia que não havia base científica nenhuma para as palavras de Thunder sobre pessoas de nome duplo como Marco Aurélio, mas sabia também que era impossível tirar algo de sua cabeça imensa e teimosa, nos últimos tempos adornada com uma barba hemingwayana.
“O homem sábio domina o sexo, e não é dominado por ele”, diz Pedro.
“Você precisa parar de ler literatura oriental”, diz Thunder. “Essa história de om, meditação transcendental, ioga. Tudo bobagem. Felicidade é você poder entrar numa mulher bela e infelicidade é não poder. Basicamente isso. O milionário impotente. Quanto ele daria de sua fortuna por uma noite de sexo?”

Ocorreu a Pedro que o Henry de Roth daria a vida. Mas lhe ocorreu também uma dúvida. O típico homem rico. O que ele valoriza mais: o sexo ou o dinheiro. Se ele tivesse que escolher entre um e outro, qual pegaria e qual largaria? Thunder tinha certeza de que ficaria com o sexo, mas Pedro não estava tão convicto assim.
“Pedro.”
“Hmmm.”
“Viu Fatal?”
Thunder falava de um filme inspirado em outro romance de Roth, O Animal Agonizante.
“Não. Devo?”
“Sim. A crítica foi dura, mas todos sabemos que os críticos de cinema detestam cinema. Um editor de revistas uma vez disse que o melhor emprego do mundo é crítico de cinema. Te pagam para ver filme.”
“Por que devia ver?”
“Porque é Roth na essência”, diz Thunder. “O mundo governado pelo sexo. Um professor apaixonado por uma aluna bem mais jovem que ele, e que deixa de viver a história porque tem medo de que uma hora apareça um cara jovem que vai roubá-la dele. Eu já fui esse cara jovem, o professor diz no filme a um amigo.”
“Thunder.”
“Hmmm.”
“Olha. A melhor coisa que ouvi sobre essa história de homem mais velho e mulher jovem foi do Mantraman. Ele namora uma moça chamada Rebeldia, uns vinte anos mais nova que ele.”
“E …”
“E ele disse que quando perguntam se ele não teme o risco de ser trocado por um cara mais novo responde que também ele poderia trocar a Rebeldia por uma mulher mais nova.”
“Preciso ler mais o Mantraman”, diz Thunder. “Grande frase.”
“Pedro.”
“Hmmm.”
“De tudo que eu disse nessa conversa só queria que você gravasse uma coisa. O dinheiro sem ereção é absolutamente inútil. O mendigo potente é um rei perto do rico impotente.”

Balzáqueas15: O Julgamento

20/10/2008

“Quanto mais se julga, menos se ama.”
Balzac

Toda mulher precisa de um homem em quem colocar a culpa

20/10/2008

“Detestei esse livro que você me deu para viajar”, Cris disse. “O cara engana a mulher e deixa ir embora o amor da sua vida. Mesmo sem suportar a mulher com quem é casado. Isso nas primeiras cinco páginas. Tive vontade de jogar fora. Vou dar mais uma chance de, sei lá, umas trinta páginas.”
Cris se referia a O Animal Agonizante, de Philip Roth, um dos escritores favoritos de Pedro. Ele gostava da mordacidade de Roth, de seu estilo caudaloso e cruel, da libidinagem que governava seus personagens, a começar por ele mesmo, quase sempre mal-escondido atrás do personagem principal. Um judeu-americano soberbo, Roth. O escritor que melhor traçou o retrato depressivo, a angústia tonitruante do homem contemporâneo em sua marcha inescapável rumo à velhice e impotência. Henry, o cara de quem Cris falava, tinha um impasse sinistro logo no começo do livro, além do clássico mulher ou amante. Ele era cardíaco, e tomava um remédio que lhe tirava a potência, logo ele, um obcecado sexual. Uma cirurgia arriscada é a única chance de ele recuperar a vida sexual. Fazer ou não fazer?
“Acho que você não devia dar uma única página a mais de oportunidade para o livro”, Pedro disse. “Livro é assim: ou você gosta ou desiste. Conheço gente que vai adiante por teimosia, mas acho isso uma estupidez. Você não tem na vida tanto tempo assim para ler todas as páginas que gostaria de ler. Não faz sentido desperdiçar tempo com páginas que estão te incomodando. O mesmo vale para um filme. Vinte minutos e a coisa não anda, é tempo de se erguer da poltrona e ir embora do cinema.”
Cris provavelmente voltaria à leitura segura de Travessuras da Menina Má, de Vargas Llosa. O Animal Agonizante talvez não fosse o melhor Roth, mas Pedro gostava muito. A relação entre Henry e seu irmão Nathan o comovia. “Ninguém conhece alguém melhor que um irmão”, estava escrito ali. Ao ler essa frase Pedro se lembrou do magnífico final de um romance do inglês Martin Amis. Uma rivalidade amorosa separou dois irmãos, mas a paixão que os ligava acabou por triunfar. Um deles morre, e o que sobrevive escreve ao irmão morto uma carta que é uma pequena obra-prima. “Você preencheu todos os meus céus”, dizia a carta. “Ter você equivaleu a ter cem irmãos.” Pedro pensava no seu irmão Itamar, equivalente a cem irmãos.
“Devem ter errado na circuncisão do Roth e ele perdeu o pênis”, disse Cris. “Só assim dá para entender a visão tão errada que ele tem de sexo e casamento.”
Pedro devaneou por alguns momentos. Pensou que era um crime Roth não ter recebido um Nobel. Assim como acontecera com Graham Greene. Um francês inexpressivo ganhara o último Nobel de Literatura. O problema não estava em Roth, como não estivera em Greene, mas nos homens que decidiam e decidem o prêmio.
“Mesmo que o Animal Agonizante seja tudo isso que você disse, ele valeria por uma frase”, disse Pedro para Cris.
“A melhor frase do mundo não faz um bom livro”, ela disse.
“Neste caso faz. O Roth escreveu que toda mulher precisa de um homem em quem colocar a culpa. Gênio.”
“Ele é misógino”, ela disse. “Parece detestar mulher.”
“O vibrador liberou a mulher da necessidade de homem para ter orgasmo”, disse Pedro. “Mas em quem ela vai colocar a culpa por tudo de ruim que acontecesse se não num homem? Botar a culpa no vibrador não dá.”
“Às vezes acho você tão misógino quanto o Roth, Pedro”, disse Cris.
Pedro ficaria lisonjeado se fosse comparado a Roth na prosa, mesmo sabendo que isso seria um absurdo, mas não na misoginia. Era Roth mesmo misógino? As mulheres em seus romances pareciam servir para basicamente oferecer prazer, e depois angústia, aos homens. Roth construíra grandes personagens masculinos, mas que mulher interessante ele criara? Onde a sua Capitu, ou Bovary, ou Karenina? Mas. Mas de um escritor capaz de escrever aquela frase sobre a função essencial do homem tudo deve ser perdoado. Sim, pensou Pedro. .

Balzáqueas14: A Primeira Noite

13/10/2008

“A sorte de uma relação amorosa depende da primeira noite.”
Balzac

O caos do caminho

08/10/2008

“Eu não consegui fazer você feliz”, ela disse chorando. “Isso é o que me dói mais. Seus olhos tristes. Essa a imagem que vai ficar gravada em mim para sempre. Nunca te disse. Quantas vezes eu quis te pegar no colo por causa desses olhos tristes.”
Era uma conversa de fim de caso, em que os dois fazem um balanço melancólico das perdas e ganhos, em que o casal desfeito tenta entender o que deu errado, o que fez as ilusões do início se perderem, o que fez os braços de desenlaçarem. Em geral são conversas inúteis. Quase sempre um atira no outro a responsabilidade pelo naufrágio amoroso. Sartre disse que o inferno são os outros, e isso é uma verdade quase absoluta no amor. Raras vezes cada um admite sua parte e quando isso acontece tem-se o que se pode chamar de contribuição milionária dos erros. Cada um tem a chance de corrigir seus equívocos em futuros amores.

Aquela era uma conversa do tipo raro. Não havia amor entre eles fazia tempo, e ambos sabiam. O que os ligara um dia se dissolvera inteiramente. Apenas protelaram o adeus. Mas havia uma vontade neles dois em entender com profundidade o que acontecera. E era essa vontade que explicava a conversa honesta naquele momento.

“Você não teve culpa nenhuma em não me fazer feliz”, ele disse. “Quem poderia me fazer feliz? Eu mesmo. Mas. Mas. Sei lá. Isso era um projeto acima das minhas forças. Acho que eu tentei. Mas jamais tive força suficiente para me fazer feliz. Olho ao meu redor. Vejo pessoas infelizes a meu redor e me pergunto: qual delas foi bem-sucedida na tarefa de se fazer feliz?”

Schoppenhauer escreveu que a pior coisa que poderia acontecer a alguém era nascer. Dores, perdas, decepções. Morte. Schoppenhauer foi influenciado pelas filosofias orientais. A verdade essencial do budismo é que viver é sofrer. Alguns dias antes dessa conversa de final de caso Woody Allen dera uma entrevista na qual dissera que viver é sofrer. Allen, autor de dois filmes essenciais para quem gosta de grande arte no cinema, Annie Hall e Manhattan, não fora original na frase, mas verdadeiro. Mesmo o sorriso do Dalai Lama parece forçado se você observa o esgar de sua boca com senso crítico e não com devoção.

“Durante muito tempo eu também me senti culpado de não fazer você feliz”, ele disse. “Eu era pretensioso. Achava que podia controlar tudo. Até a sua taxa de felicidade. O tempo me mostrou que os mais infelizes entre os infelizes são aqueles que querem controlar tudo. Quando eles percebem que não podem, se sentem desesperadamente impotentes. Depois eles enchem os consultórios dos psiquiatras e tomam loucamente antidepressivos em busca de conforto para a pretensão destruída.”

“Um dia eu achei que nós podíamos ser felizes juntos”, ela disse. “Achei não. Tive certeza. Naqueles dias. Os primeiros. Eu revi as fotos para ver se era fantasia minha. Não. Nós estávamos felizes. De verdade, não de mentirinha.”

Passou por ele um trecho de Anos Dourados, a melhor parceria de Tom Jobim e Chico Buarque. Na fotografia estamos felizes.

“Minha mãe lá em cima e nós no tapete. Lembra?”

A mãe dela falava ao telefone demoradamente na parte de cima do sobrado. Eles aproveitavam para se engalfinhar no tapete branco e macio. Sabiam pelo barulho do telefone quando a mãe enfim terminara a conversa. E se recompunham.

Ele sorriu. Lembrava bem as tardes quentes no tapete. Mais tarde a tagarelice da mãe dela o incomodaria, mas ali era uma bênção.

“Onde foi que nos perdemos, onde foi?”, ela disse.

“Não sei. A vida nos perdeu, acho. Ninguém caminha junto uma vida inteira. O tumulto das coisas faz com que as pessoas se percam umas das outras. Irmãos se perdem de irmãos. Amigos se perdem de amigos. Amores eternos se perdem também no caos do caminho.”

“Aquelas tardes”, ela disse. “Elas existiram mesmo?”

“Existiram. Elas talvez nos compensem de tanta dor que trouxemos depois um ao outro. E nelas fomos de alguma forma felizes para sempre.”

Balzáqueas 13: Sobre o Homem Inferior

06/10/2008

“É uma prova de inferioridade, num homem, não saber fazer de sua mulher sua amante. Só os homens tolos julgam que se deve ter ambas separadas — a mulher e a amante. A amante e a mulher devem estar unidas num único ser sublime.”
Balzac

Balzáqueas 12: Beleza Malvada

02/10/2008

“Por que, de cada dez mulheres bonitas, há pelo menos sete que são perversas?”
Balzac

“Mulher detesta receber livro de presente”

01/10/2008

“Some daqui”, ela disse a ele aos gritos. Ela sabia gritar. Era uma coisa tão natural nela como andar, ou dançar, ou cozinhar, ou pintar, ou ler, ou escrever. Moravam juntos fazia um ano, e ela o estava mandando embora de casa. Não funcionara, e ponto. Ele não tentou dissuadi-la em parte porque sabia ser impossível, e em parte também porque sabia que a história deles fora à falência como um daqueles bancos de investimentos americanos apanhados pela grande crise financeira de 2008. Em amores falidos quanto menos conversa houver melhor. Os diálogos costumam apenas aprofundar a dor e a raiva.
Quando decidiram morar juntos, depois de um namoro curto de cinco meses, um projetava grandes expectativas no outro. Um romance saudável não combina com expectativas elevadas: a frustração costuma ser letal. Espere pouco de um caso de amor e as chances de ele florescer são, paradoxalmente, maiores. Eles esperaram muito um do outro, e depois se culparam mutuamente pela decepção.
No final, o que restara de bom fora, apenas, a vida sexual.. Ele não conseguia se deitar ao lado dela na cama sem querer possuí-la. Parecia um feitiço. Ele gostava dos sons dela no sexo, dos gemidos suaves e constantes. Gostava do cheiro dela, do contorno delicado de seu corpo miúdo e bem feito. Do jeito de fechar e de abrir os olhos quando ele estava por cima dela. Gostava da expressão dela quando ficava sobre ele. Uma vez a fotografara assim e depois dera à foto o nome de Orgasmo Poltersgeist. Ela se sentia lisonjeada com o fascínio sexual que exercia sobre ele. Poucas sensações elevam tanto uma mulher quanto a de saber que é desejada. Mas o sexo bom apenas retarda o fim de uma história de amor, não o evita.
“Uma vez você falou que me dava orgasmos como ninguém”, ela disse na conversa final com ele. “Você achava que isso era suficiente. Mas não. Orgasmo uma mulher pode ter com um vibrador. Um casamento é muito mais que uma fábrica de orgasmos. Um casamento é feito fora da cama, não nela. Um casamento se constrói quando estamos de pé, e não deitados.”
Ele riu sozinho. Essa frase dela lembrou a ele uma tirada clássica de Churchill, o líder inglês da Segunda Guerra. “Sente-se em vez de ficar de pé, se você pode. E se deite em vez de ficar sentado, se der.” De Churchill ele se lembrava de outra tirada clássica. Uma mulher dissera a ele, numa festa da aristocracia inglesa, que poria veneno na sua bebida se fosse casada com ele. Churchill replicara que se fosse marido dela tomaria o veneno alegremente.

Ela tinha um vibrador, guardado na gaveta de calcinhas. Comprara pela internet para evitar o embaraço da compra pessoal. Homens se sentem constrangidos ao comprar preservativos, e mulheres sentem o mesmo ao comprar vibrador. Ele viu no vibrador – rosa, delicado, efeminado até, mas eficiente em suas cinco fases de vibração – um competidor. De uma forma estranha ele preferia que, se era para ter orgasmos sem ele, que fosse com outro homem e não com uma maquininha cor de rosa. A aquisição se fizera no final do casamento.

“Você não me enxergava nem nos presentes que dava para mim”, ela disse ao despedi-lo. Olhou para uma esstante cheia de livros que ele lhe dera. Uma mistura exótica e desconexa de letras. Greene, Llosa, Confúcio, Roth, Updike. “Você sabe que eu adoro ler. Ter um bom livro nas mãos me dá um prazer quase sexual.” No momento ela estava lendo A Menina Má, de Llosa. Vagava lenta e com atenção extrema pelas linhas e pelas páginas de Llosa. Ele dizia nos bons tempos, brincando, que ela era sua menina má.
“Mas. Porém. No entanto.” A cada palavra a voz dela subia de tom. “Caraca. Será que você nunca vai entender que mulher detesta receber livro de presente?”

“Mulher detesta receber livro de presente”

01/10/2008

“Some daqui”, ela disse a ele aos gritos. Ela sabia gritar. Era uma coisa tão natural nela como andar, ou dançar, ou cozinhar, ou pintar, ou ler, ou escrever. Moravam juntos fazia um ano, e ela o estava mandando embora de casa. Não funcionara, e ponto. Ele não tentou dissuadi-la em parte porque sabia ser impossível, e em parte também porque sabia que a história deles fora à falência como um daqueles bancos de investimentos americanos apanhados pela grande crise financeira de 2008. Em amores falidos quanto menos conversa houver melhor. Os diálogos costumam apenas aprofundar a dor e a raiva.
Quando decidiram morar juntos, depois de um namoro curto de cinco meses, um projetava grandes expectativas no outro. Um romance saudável não combina com expectativas elevadas: a frustração costuma ser letal. Espere pouco de um caso de amor e as chances de ele florescer são, paradoxalmente, maiores. Eles esperaram muito um do outro, e depois se culparam mutuamente pela decepção.
No final, o que restara de bom fora, apenas, a vida sexual.. Ele não conseguia se deitar ao lado dela na cama sem querer possuí-la. Parecia um feitiço. Ele gostava dos sons dela no sexo, dos gemidos suaves e constantes. Gostava do cheiro dela, do contorno delicado de seu corpo miúdo e bem feito. Do jeito de fechar e de abrir os olhos quando ele estava por cima dela. Gostava da expressão dela quando ficava sobre ele. Uma vez a fotografara assim e depois dera à foto o nome de Orgasmo Poltersgeist. Ela se sentia lisonjeada com o fascínio sexual que exercia sobre ele. Poucas sensações elevam tanto uma mulher quanto a de saber que é desejada. Mas o sexo bom apenas retarda o fim de uma história de amor, não o evita.
“Uma vez você falou que me dava orgasmos como ninguém”, ela disse na conversa final com ele. “Você achava que isso era suficiente. Mas não. Orgasmo uma mulher pode ter com um vibrador. Um casamento é muito mais que uma fábrica de orgasmos. Um casamento é feito fora da cama, não nela. Um casamento se constrói quando estamos de pé, e não deitados.”
Ele riu sozinho. Essa frase dela lembrou a ele uma tirada clássica de Churchill, o líder inglês da Segunda Guerra. “Sente-se em vez de ficar de pé, se você pode. E se deite em vez de ficar sentado, se der.” De Churchill ele se lembrava de outra tirada clássica. Uma mulher dissera a ele, numa festa da aristocracia inglesa, que poria veneno na sua bebida se fosse casada com ele. Churchill replicara que se fosse marido dela tomaria o veneno alegremente.

Ela tinha um vibrador, guardado na gaveta de calcinhas. Comprara pela internet para evitar o embaraço da compra pessoal. Homens se sentem constrangidos ao comprar preservativos, e mulheres sentem o mesmo ao comprar vibrador. Ele viu no vibrador – rosa, delicado, efeminado até, mas eficiente em suas cinco fases de vibração – um competidor. De uma forma estranha ele preferia que, se era para ter orgasmos sem ele, que fosse com outro homem e não com uma maquininha cor de rosa. A aquisição se fizera no final do casamento.

“Você não me enxergava nem nos presentes que dava para mim”, ela disse ao despedi-lo. Olhou para uma esstante cheia de livros que ele lhe dera. Uma mistura exótica e desconexa de letras. Greene, Llosa, Confúcio, Roth, Updike. “Você sabe que eu adoro ler. Ter um bom livro nas mãos me dá um prazer quase sexual.” No momento ela estava lendo A Menina Má, de Llosa. Vagava lenta e com atenção extrema pelas linhas e pelas páginas de Llosa. Ele dizia nos bons tempos, brincando, que ela era sua menina má.
“Mas. Porém. No entanto.” A cada palavra a voz dela subia de tom. “Caraca. Será que você nunca vai entender que mulher detesta receber livro de presente?”