Archive for Agosto, 2009

Mulher e topless: avanço ou atraso?

27/08/2009

E eis que leio que as mulheres francesas não querem mais saber de topless.

Foram elas que consagraram o topless, nos anos 60. Era uma atitude de afirmação, de libertação. Muito menos que mostrar os seios dourados, elas queriam provar que eram independentes, dispostas a lutar pelo seu justo espaço numa sociedade masculina e machista.

Mas agora que elas conseguiram seu lugar o topless saiu da moda. Uma pesquisa constatou que a jovem mulher francesa não faz topless e se sente incomodada quando alguém faz perto dela. São outras suas prioridades, a começar pelo equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal.

Só a geração de 50, 60 anos entre as francesas prestigia o topless. São aquelas pioneiras de décadas atrás.

Este verão quase não se vê peito de fora em praias que se tornaram célebres pelo topless no passado francês.

Tenho a impressão de que as pessoas mais desapontadas com a nova atitude das francesas são os gaviões praianos – que outra expressão melhor? – que correm para determinadas praias para secar, com indiferença hipócrita, os corpos femininos. O típico gavião praiano fica à espreita, e só coloca os olhos numa mulher quando está certo de que ninguém está vendo. Até ali, parece imperturbável, olhos fixos na beleza das águas verdes e azuis do mar. Outra tática comum é deixar um livro, não lido é claro, no colo, ares de intelectual que sequer no mar pode deixar de buscar conhecimento e cultura. O gavião praiano vai ter que se contentar com biquínis, com o sumiço do topless.

Toquei outro dia neste assunto com meu amigo Thunder, que tem a voz de trovão de Fred Flintstone e de meu falecido Tio Fabio, Deus o tenha. Thunder é um gavião urbano: segue as bundas de mulheres na cidade com todo o respeito. Só não é também gavião praiano porque tem alergia à areia da praia.

“Fabio, você é um ingênuo”, ele me disse.

“Hmmm?”

“Ingênuo, como todo cubano. Se o cubano não fosse um ingênuo já teriam dado uma botinada no Fidel há muito tempo.”

“Hmmm?” Não queria falar de política com Thunder. Pensamos diferente, ele um reaça, eu um anarquista. Para que falar de algo em que jamais chegaríamos a um acordo?

“A mulher que é mulher adora ser observada, admirada. Ela fica altamente lisonjeada quando um pedreiro assobia para ela.”

“Deve ser por isso que você faz tanto sucesso, Thunder.”

“Escuta, Fabio. Essas novas mulheres francesas. Na verdade elas não se orgulham de seus seios. São inseguras, têm pouca auto-estima, ao contrário de gostosas como a Brigitt Bardot. Por isso fogem do topless. Não porque não aprovem, mas por não terem coragem. O sumiço do topless é o triunfo do atraso e da covardia neo-feminina na França.”

“Poxa, Thunder, se eu fosse mulher detestaria homem me secando na praia.”

“Mas você não é, Fabio. Graças a Deus.”

Não. Como na política, não chegaríamos a um acordo nem que conversássemos duas eternidades sobre a mulher, o topless e os gaviões.

Você, você que está lendo e é imparcial. A você pergunto: estaria Thunder certo, ou a razão está comigo?

A mulher e o topless: uma combinação que representa o avanço ou o atraso?

Bardot

Despedida em Piccadilly

25/08/2009

piccadilly

Ele pediu um minuto à jovem mulher que o acompanhava naquela noite pelas ruas de Piccadilly, em Londres. Tinham ido jantar num restaurante japonês que virara um dos pontos centrais na curta história amorosa do casal. Ele comia sempre sushi e usava pauzinhos, e ela pedia garfo e faca para comer frango e arroz com um molho que parecia de tomate. Sprite para ele, Coca Diet para ela.

Era a última noite deles.

Ele estava voltando para o Brasil, e ela era uma londoner enraizada em sua cidade, loira, quase 1m80, pele branca, olhos claros, ávida pela grama dos parques na primavera e no verão de Londres. Ele, cabelos vermelhos, alguns centímetros mais alto que ela, óculos de armação preta, barba de alguns dias, passara uma temporada de seis meses em Londres para estudar piano clássico.

Conheceram-se no metrô de Londres, num final de dia em abril em que os dois sem perceber correram por um único assento vago. Ele chegou primeiro, mas cedeu o lugar a ela, que sorriu e aceitou. Ela perguntou se ele queria que ela segurasse o livro que ele carregava, pesado, mais de 400 páginas, a primeira parte de uma trilogia biográfica de Graham Greene. Ele sorriu e passou para ela o livro.

Quando ela viu a capa, olhou para ele como se fossem dois velhos camaradas. Minutos depois, vagaram dois lugares metros adiante, e ela correu para lá. Pôs o livro para reservar um lugar para ele. Sentaram-se juntos.

“É o meu escritor predileto”, ela disse. “O Cônsul Honorário é o Greene de que eu mais gosto, mas li todos, ou quase.”

“ Prefiro O Poder e a Glória”, ele disse. “Mas sei de cor trechos do Cônsul Honorário. A conversa entre o padre guerrilheiro e o médico quando eles vão morrer. Aquilo é alta literatura.”

“Li outro dia que o Greene não ganhou o Nobel de Literatura porque teve um caso com a mulher de um dos juízes, e acabou sempre boicotado por ele na hora da escolha”, ela disse.

“Tinha ouvido também isso”, ele disse. “O Greene não ter levado um Nobel é uma vergonha para o Nobel.”

“Rachel”, ela disse. Ainda não tinham se apresentado.

“Eduardo”.

“Argentino? Espanhol?”

“Mais uma chance só. Vou dar uma pista. Garota de Ipanema.”

“Brasil”, ela disse num tom mais alto que o quase sussurro habitual. “Tenho vontade de conhecer. Muita. Sou louca pela bossa nova.” Rachel cantarolou Dindi, num português afinado e trôpego.

Ela trabalhava num banco de investimentos, e nas horas vagas era voluntária no Inner Space, um lugar que oferece cursos de meditação de olho aberto para executivos londrinos. Fazia três anos que Rachel praticava yoga e meditação, depois de uma depressão pelo excesso de trabalho e pressão, e gostava de compartilhar com gente necessitada seu conhecimento.

Eduardo ia descer na estação de Putney Bridge, perto da qual morava num pequeno apartamento que dividia com um room mate, um polonês que se formara em medicina e viera a Londres para um mestrado em psiquiatria. Rachel desceria duas antes, na estação de Fulham Broadway. Alugava uma casa em Fulham na qual morava sozinha depois que seu namorado voltara à Nova Zelândia.

Quando ela se ergueu para descer do metrô, um impulso fez Eduardo passar o livro para ela.

“Um souvenir do Brasil”, ele brincou.

Ela hesitou por um momento, mas depois pegou o presente.

“Só aceito se puder devolver.”

Ele deu a ela seu telefone.

Despediram-se com um sorriso. Três dias depois, o celular de Eduardo tocou. Era Rachel. Tinha acabado de ler o livro.

“Você é culpado de ter me feito passar duas noites em branco com o abajur aceso lendo a vida do Greene”, ela disse. “Aquela fase em que ele fez roleta russa para escapar do tédio. Se alguma vez a bala estivesse na agulha …”

“Você merece uma indenização”, ele disse. “Um sorvete ali no Serpentine. Aceita?”

“No Hyde? Sure.”

Descobriram no Serpentine, o bar ao lado do lago do Hyde Park, que, fora Greene, tinham em comum a paixão pelo sorvete de chocolate belga. Dali foram para um pub em Knightsbrigde, e depois de três pints cada rumaram para a casa de Rachel. Estavam com tanta vontade um do outro que a cama desabou.

“Tinham me dito que os amantes latinos eram fogosos, mas francamente …”, Rachel sorriu.

“Também tinham me dito que as camas inglesas são frágeis, mas francamente …”, Eduardo respondeu. O colchão no piso, cercados da madeira quebrada da cama, engalfinharam-se até a manhã seguinte.

“Aprendi a amar Londres depois de detestá-la”, disse Eduardo um dia a Rachel. “As coisas fecham muito cedo. Sou um homem da lua, não do sol. Mas depois Londres foi me enfeitiçando. O tube, o late bus, a mistura de burcas e decotes, a algaravia de línguas ali em Piccadilly Street. E a esquina de Piccadilly com aquele luminoso. O sorvete no Serpentine. O Tâmisa, a grama e os plátanos na primavera. Os esquilos do Hyde. Vai ser duro me despedir.”

Eduardo fizera, no piano, uma música de amor a Londres, uma balada lenta, melancólica. London town you broke my heart/Inside of me will never part/Cause I Love you/Yet I hate you/My dark, bright, old, young lady.

“Vai ser duro se despedir de Londres?”, ela disse. “E de …”

“Você? Londres é você, Rachel. Você é Londres.”

Combinaram não falar da volta dele para não atrapalhar os momentos felizes que poderiam ter, mas alguns dias antes a tristeza foi tomando cada vez mais espaço entre eles. Quando foram ao restaurante japonês na véspera da viagem dele para o Brasil, tentaram rir e fingir que tinham a eternidade pela frente, mas não conseguiram.

Ficou acertado que ela não iria a Heathrow no dia seguinte, para mitigar ao máximo o sofrimento. Subiriam no late bus da linha 14, ali em Piccadilly, e cada um desceria em seu ponto. Uma última noite no apartamento de Rachel traria um tormento inevitável.

Era o ônibus e o adeus.

Eduardo pediu a Rachel alguns momentos. Ela se encaminhou para o ponto de ônibus, os olhos úmidos, as passadas lentas, e sabia o que ele queria fazer.

Eduardo queria dizer adeus ao luminoso da Piccadilly.

Ficou ali alguns minutos, numa concentração pétrea raras vezes alcançada por sua mente habitualmente dispersa.

Sabia que jamais esqueceria aquele momento, ainda que vivesse 100 anos, e nem a jovem inglesa trêmula não de frio que o esperava no ponto para, juntos pela última vez, embarcarem no late bus duplo da linha 14.