Archive for Setembro, 2008

O significado real das dez maiores desculpas para terminar um relacionamento

30/09/2008

10) “Estou numa crise comigo mesmo. Tenho que respirar.”
Tradução: Você é a minha crise. Suma e minha vida vai melhorar, acredite.

9) “Você vai ficar melhor sem mim. Juro. Vai encontrar um cara à sua altura.”
Tradução: Já encontrei uma mulher à minha altura. Bye. Sorry. Chispa.

8) “Vamos apenas dar um tempo. Quem sabe em breve nos reencontremos. E para sempre.”
Tradução: Saindo daqui vou deletar seu número da agenda do meu celular. Até nunca mais.

7) “Tenho uma coisa pra te dizer nesta conversa final: você é uma guerreira incrível.”
Tradução: Pegue suas armas e vá guerrear longe de mim.

6) “Tenho que ficar sozinho um tempo. Sou um cara solitário. Não sou boa companhia para ninguém. Você sabe.”
Tradução: Olha, ficar com você é o pior tipo de solidão.

5) “Nós vamos sempre nos amar, acredita. Apenas de uma maneira diferente. A distância vai evitar que o nosso amor se desgaste.”
Tradução: Faz tempo que não sinto mais nada por você exceto tédio. Quero você o mais longe de mim possível.

4) “A gente perdeu aquela chama. Só a distância pode reacender aquele nosso fogo.”
Tradução: Agora vejo você pelada e é como se estivesse vendo minha mãe.

3) “No Grande Plano Cósmico, no Infinito Espiritual, estaremos sempre juntos. Nada vai nos separar.”
Tradução: Mas aqui na velha e boa Terra quero você bem longe.

2) “Eu abafo você. Você vai crescer como mulher sem mim Fica sossegada.”
Tradução: Cresça e desapareça.

1) “O problema sou eu.”
Tradução: Meus problemas acabam agora que me livrei de você.

Ba

26/09/2008

lzáqueas 11: O Elogio do Ciúme

Nada é mais santo, nem mais sagrado do que o ciúme. O ciúme é a sentinela que nunca dorme: ele é para o amor o que o mal é para o homem, um verídico aviso. Quanto mais uma mulher castigar com ciúme um homem, mais ele lamberá, submisso e humilde, o bastão que ao bater-lhe lhe diz quanto ela se interessa por ele.

lzac

O sapato tricolor

24/09/2008

Todos os casamentos são difíceis, mas alguns são mais difíceis que os outros. Foi o caso do casamento de Cris. A sogra invadia, um clássico. Casamentos em que sogras mandam mais que a mulher ou o marido são cadáveres. Cris tinha em seu quarto uma foto em pose provocadora tirada por uma amiga fotógrafa, e a sogra reprovava abertamente aquela imagem. Pernas abertas, um cigarro no canto da boca, um ar de quem bebeu toda a noite anterior e não teve tempo para dormir. Não cabe aqui dizer que era uma das fotos mais inocentes entre as feitas pela amiga de Cris. A irmã do marido de Cris também dava mais palpites do que o necessário, e ele gostava de ouvi-la. Cunhadas devem falar o mínimo, eis uma frase que, se aplicada nos lares, salvaria muitos casamentos.

Cris se deu conta de que seu casamento com Frusciante estava liquidado quando se esqueceu da data. Que era a senha de seu cartão bancário. Teve que pegar a aliança, que logo depois atiraria triunfante ao mar, para ver o dia em que, lindamente diáfana em seu vestido quase transparente sem sutiã e abarrotada de esperanças, dissera sim a Frusciante. O dia quatro de março estava gravado da aliança. Um amigo gay estava presente na cerimônia do arremesso da aliança à imensidão azul. “Volta para o mar, oferenda”, gritou o amigo. No álbum de fotos os dois pareciam felizes para sempre. Foi um casamento moderno, de gente descolada, mas não faltou a foto em que um bebe champanha no copo do outro. Não foi uma noite de núpcias incrível. Cris capotou de tanto beber no casamento, em que segundo amigos parecia estar “em transe”, e Frusciante não lidou muito melhor com a bebida que tomara.

Casamento que começa em ressaca e não em orgasmo também é cadáver.

A tolerância diminui na mesma proporção em que o amor diminui, escreveu um especialista oriental na arte do amor, Vatsayanna. Na etapa final de seu casamento Cris estava extremamente impaciente com Frusciante. Não suportava quase nada dele, a começar pelo sapato tricolor que ele afirmava ser de uma marca chique e cara. “Era sapato de palhaço”, na avaliação de Cris. Uma avaliação cruel como um cossaco russo, para usar uma frase de Tio Fabio, falecido homem sábio do interior. Deus o tenha.

Cris pensou um dia que, se não podia se livrar no momento do marido, no sapato tricolor podia dar um jeito. “Ninguém era obrigado a aguentar a visão daquele sapato de palhaço”, diria ela depois do episódio. Cris jogou um pé no lixo. Quando Frusciante um dia quis calçar seu sapato tricolor, encontrou apenas um pé. Procurou o outro inutilmente.
“Você viu, Tina?”
“Você deve ter esquecido na sua irmã”, disse ela, certa de que prestara um serviço à beleza do planeta ao jogar no lixo um pé do sapato de palhaço.

A verdade só foi revelada nas conversas finais do casal, meses depois. Essas conversas, clássicas nos casamentos destruídos, são uma penosa prestação de contas em que cada um sai ainda com mais raiva do outro, se é possível. Poderia haver um atalho silencioso rumo à separação.

“Tem uma coisa que eu preciso te dizer”, disse Cris.
“Hmmm”, respondeu Frusciante.
“O sapato. Aquele. De palhaço. Eu joguei fora o pé que você não encontrou.”

“Você é doente”, disse ele.
“A pior doença é o mau gosto”, disse ela.

Feita a revelação, e encerrado pouco depois o casamento, Cris prometeu a si própria jamais voltar a ter um relacionamento com qualquer homem que possuísse sapato tricolor.

Balzáqueas 10: O Elogio da Virgindade

23/09/2008

“A virgindade, com todas as monstruosidades, tem riquezas especiais, grandezas absorventes. A vida, cujas forças são economizadas, toma no indivíduo virgem uma qualidade de resistência e durabilidade incalculável. O cérebro enriqueceu-se no conjunto de suas qualidades reservadas. Quando os castos precisam de seu corpo ou de sua alma, quer recorram à ação ou ao pensamento, encontram então aço em seus músculos ou ciência poderosa em sua inteligência, uma força diabólica ou a magia negra da vontade.”

Balzac

O amor e a guerra

21/09/2008

Uma revista masculina americana publicou, há algum tempo, um artigo que era uma espécie de elogio da violência no amor. Não, não. Estou exagerando. O artigo apenas falava como um pouco de guerra entre o homem e a mulher pode, na hora das pazes, resultar num sexo alucinante. (E lá vou eu para mais uma digressão: amo uma paisagem do filme O advogado do diabo em que Al Pacino descreve, para um marido traído, o sexo que fez com a mulher deste. Em sua voz tonitruante e cínica, ele diz mais ou menos o seguinte para o marido atormentado: ‘Numa escala de 0 a 10, considerando-se que o sexo papai-mamãe que você faz com sua mulher é 3, chegamos a 7.)
Enfim: o tal artigo dizia que, depois da guerra, o sexo podia subir alguns pontos na escala Pacino – Diabo. Havia até algumas evidências supostamente científicas para apoiar a tese. Eu pensei o seguinte: pobres dos leitores e leitoras que decidirem testar. Guerra no amor não se controla como uma pipa, para a qual você dá mais linha ou menos linha de acordo com o vento. Dados os primeiros disparos, não há retorno possível.
Os amantes que iniciam uma guerra talvez subam aos céus nas reconciliações sexuais, mas inapelavelmente descerão ao inferno para daí não mais saírem, miseravelmente derrotados. O inferno só vai terminar com o fim da relação. Acabado o romance, se o homem e a mulher estiverem inteiros, o máximo que conseguirão dizer de tantas coisas que viveram juntos é: sobrevivi. E não será pouco. Porque muita gente não sobrevive. Digo fisicamente mesmo. Um dos destinos clássicos da guerra amorosa, como na guerra convencional, é o caixão. Uma imagem que trago perene na mente é a do sangue numa calçada em que um casal desvairadamente apaixonado se matou com uma faca. Eu jamais soube quem pegou primeiro a faca. Ou quem morreu primeiro. O fato é que ambos saíram mortos daquela que seria sua última briga.
Eu falei acima do teste. Em casais que decidam testar a tese bélica da revista americana. Mas errei. A guerra no amor, como a globalização, não é escolha. É destino. Os tambores já começam a rufar, anunciando a guerra, quando certos homens e certas mulheres nem trocaram ainda o olhar de flerte. Pode ser que ele, o homem, tenha sido, em todos os outros relacionamentos, tão pacífico quanto uma ovelha tibetana. E ela também. Mas, ao se encontrarem, por alguma química estranha, os exércitos se mobilizam. E não demora muito para que alguém aperte o gatilho.
É o amor neurótico em ação. O amor neurótico é generoso como nenhum outro tipo de amor: proporciona momentos inigualáveis, sobretudo no sexo. E é também cruel como um cossaco russo. (Meu tio Fábio, falecido homem sábio do interior, é que me contava que não havia nada tão cruel quanto um cossaco russo. Jamais conferi a veracidade histórica dessa afirmação, mas confio integralmente na sabedoria de meu tio.) Céu e inferno, inferno e céu.
Uma característica essencial no amor neurótico é que você pega o pacote todo ou não pega nada. Não dá pra ficar com a parte boa e desprezar a ruim. Infelizmente, é impossível ter sexo com alta nota na escala Pacino – Diabo e, ao mesmo tempo, assistir de mãos dadas à novela das 8 comendo pipoca. A fraternidade é uma impossibilidade científica no amor neurótico.
Uma outra característica vital do amor neurótico é que, no princípio o êxtase predomina sobre a fúria. Há muito céu e pouco inferno. Cada vez mais no inferno, cada vez menos céu. Você mal acredita que um dia as coisas andaram tão bem, tão destruidora a relação se tornou. É tempo de encerrar. Isto é, se você ainda estiver vivo para cair fora. Eu quase iria dizendo, pueril e inutilmente: fuja, fuja do amor neurótico enquanto há tempo. Mas não adianta: você é capturado muito antes de se dar conta de que se trata de um amor neurótico. Então termino dizendo apenas a quem está vivendo ou vai viver uma paixão dessas: boa sorte.

Balzáqueas 9

15/09/2008

“A mulher de um homem de gênio nada mais tem a fazer do que se deixar guiar, e a mulher de um tolo deve, sob pena de maiores desastres, apoderar-se da direção da máquina, se se sente mais inteligente do que ele.”

Balzac

Os homens que se dão bem

14/09/2008

Pedro sempre se lembrava de uma frase que lera num Vargas Llosa. A cada livro novo que o personagem (inspirado no próprio Vargas Llosa, claro) trazia para casa, um outro era retirado. O mesmo com quadros. Vargas Llosa, como Pedro, era fascinado pela pintura provocadora e à frente de seu tempo de Egon Schielle. Pedro lera também num Llosa a técnica de fazer uma ficha sintética para cada livro lido. Achara uma ótima idéia, a ponto de recomendá-la a muita gente, mas jamais conseguira transformá-la num hábito. Os livros que lia e amava, bem, o que lembrava deles estava não em fichas mas em fragmentos de memórias. De Gatsby, um de seus favoritos, gostava de lembrar uma certa frase do narrador. Um grito de amor e desespero diante da queda de Jay Gatsby, adulado enquanto proporcionava as melhores festas da cidade. Gatsby conhecia o ocaso depois da opulência incensada e invejada, e ele dera uns passos rumo à escuridão depois de conversar com o narrador, com certeza inspirado no autor da história, Fitzgerald. Antes que ele desaparecesse da vista do narrador, este grita para ele: “Ei, Gatsby, você é melhor que todos os eles.”

Pedro não retirava de sua biblioteca um livro antigo a cada novo que chegava. Não tinha organização, não tinha método para isso. Mas de tempos em tempos fazia uma limpeza cultural ao fim da qual dava a quem se interessasse cem, duzentos livros. Numa dessas faxinas ele olhou para uma estante em que guardara livros de filosofia oriental. Numa fase de sua vida se encantara com a sabedoria oriental, do vedanta ao hinduísmo, do zen ao budismo. Do budismo guardara, para sempre, a essência de que a vida é sofrimento. Perdas, decepções. Impermanência. Precariedade. Como lidar com as adversidades – inevitáveis a todos os seres humanos – é a única coisa que nos distingue. Bravura na adversidade, eis a característica vital dos grandes homens e das grandes mulheres. Os melhores entre nós aceitam a vida como ela é, um “perpétuo vai-e-vém de elevações e quedas”, como escreveu Sêneca, o estóico. Pedro era fascinado pelo estoicismo, e se lembrava sempre da máxima dos estóicos: “Abstém-te e suporta”.

Na estante oriental ele encontrou um tratado sobre a arte de amor atribuído a um certo Vatsayana, um sábio indiano que se supõe ter vivido entre os séculos I e VI da era cristã. Aforismos sobre o Amor. O título original, em sânscrito, é Kama Sutra, e erroneamente muita gente pensa que é uma obra pornográfica.

Guardo ou entra na minha faxina?, pensou Pedro.

Era uma pergunta protocolar. Claro que guardaria. Pedro folheou o livro. Na página 123, viu a lista dos homens que têm sucesso com as mulheres, segundo Vatsayana. Pedro foi ponto a ponto na lista. Gostava de listas, e esta era instrutiva e divertida. Dão-se bem os seguintes homens, conforme escrito no livro:
1) os versados na ciência do amor;
2) os que têm habilidade para contar histórias;
3) os que conhecem as mulheres desde a infância;
4) os que conquistaram a confiança delas, mulheres;
5) os que lhes enviam presentes;
6) os que falam bem;
7) os que fazem coisas de que elas gostam;
8) os que nunca amaram outras mulheres;
9) os que conhecem seus pontos fracos;
10) os que gostam de festas;
11) os liberais;
12) os que são famosos por sua força;
13) os empreendedores e corajosos;
14) os que superam os demais homens em cultura, aparência, boas qualidades e generosidade.

Pedro devolveu o livro à prateleira de filososia oriental. Poucos livros são para guardar. Os Aforismos do Amor de Vatsayana, pensou ele, era um deles.

A beleza das rodas que giram

11/09/2008

A maior parte das coisas que fazemos ou dizemos é inútil. São palavras de tio Fábio, um falecido homem sábio do interior. Deus o tenha. Imagino que ele tenha se inspirado, nessa frase de imensa sabedoria, em Sêneca, seu filósofo predileto. Imagino, não. Tenho certeza. Tio Fábio sempre gostou de citar expressões deliciosamente ferinas de Sêneca relativas à idéia do esforço em vão, do suor vertido por nada ou quase nada. Uma delas: agitação estéril. Outra: preguiça excitada. Lembro-me de ouvir tio Fábio contar que Sêneca comparava ações inúteis ao trabalho das formigas que descem e sobem o tronco da árvore sem nenhum propósito. Prometi a tio Fábio que, se um dia vencesse minha preguiça invicta de ler filósofos, minha escolha de leitura será Sêneca.

Enquanto isso, sirvo-me das palavras transmitidas por tio Fábio.
Olho para o espelho e concordo: Quase tudo que eu faço ou digo não serve pra nada. E no entanto sinto dificuldade em deixar as atividades sem razão ou utilidade. Penso que isso acontece com quase todo mundo: uma dificuldade poderosa de ficar sem nada para fazer. Simplesmente contemplar as coisas. Refletir sobre nós mesmos. Não nos permitimos o ócio. Pegar uma sessão das 2 no meio da semana. Tomar um sorvete no parque no meio da tarde, sob a sinfonia natural da passarada ou das folhas tocadas pela brisa. Ou simplesmente fechar os olhos e pensar. Estamos sempre fugindo de nós mesmos. Fugindo de nós mesmos: claro que essa frase de gênio não é minha. Lucrécio, poeta e filósofo romano, a quem interessar possa.

Parecer ocupado é considerado importante, mais do que estar mesmo ocupado. Na vida corporativa, isso chega a extremos de comédia. Li numa revista que uma empresa de recolocação de executivos desempregados arruma para eles escritório e secretária para que simulem atividades. (E fujam de si mesmo, ocorre-me.) Soube pelo brilhante Max Gehringer que as empresas fazem planos de cinco, dez anos. As coisas mudam tanto, o tempo inteiro: faz sentido planejar um futuro distante? Estarão vivos os planejadores? Estarão vivas as premissas em quais os planos se basearam? Suspeito que tudo isso se encaixe no que Sêneca chamou de agitação estéril. (E você, Max, o que diz?)

Sou um escritor barato. Não tenho carteira de trabalho. Mas gostaria de lembrar uma frase proferida por tio Fábio, que fez uma longa, boa e pacata carreira num banco estatal. Um sagaz e sincero observador da condição humana, ouvi-o dizer mais de uma vez: “De dez coisas que as pessoas fazem no trabalho, nove costumam ser inúteis. A décima é geralmente uma bobagem. Digo isso com base nas coisas que eu mesmo fiz.” Exagerado, provavelmente. Mas será que é tão distante assim da realidade?

Esqueça agora a empresa. Seu tempo é livre? Pois então você se sente compelido interiormente a ocupá-lo. Você pega o celular e telefona para a primeira pessoa que lhe vem à mente, mesmo que não tenha o que dizer. Ou então se instala em frente do computador e entra e sai de sites. Você sobe a escada, depois desce. Todos nós fazemos isso. Subimos as escadas e descemos como as formigas de Sêneca. Sem propósito. Apenas porque não conseguimos ficar sozinhos com nós próprios.

Registro aqui o elogio do ócio, numa época de tantos movimentos por nada, tanta agitação sem nexo. E penso comovido, numa canção de John Lennon. Ouço-a mentalmente. Watching the Wheels. Olhando para as rodas. Ele dizia que as pessoas estranhavam vê-lo sentado, de olho nas rodas dos carros que passavam e passavam. “Apenas gosto de vê-las girar.”, disse John. John Lennon nesse momento foi tão sábio quanto tio Fábio, quanto Sêneca, quanto todos aqueles que se insurgem contra a fuga automática e neurótica de si mesmos.

Balzáqueas 8

08/09/2008

A duração da paixão de um homem é proporcional à resistência oferecida pela mulher.
Balzac

O gênero da amizade

03/09/2008

Pedro e Cris tinham acabado de rever Butch Cassidy no apartamento dele. Ele soubera que Paul Newman, que fez Butch, estava morrendo. Montaigne escreveu que só se sabe a estatura de um homem na hora da morte. Os bravos dominam a arte de morrer, assim como dominaram a de viver. Paul Newman parecia grande sob esse ângulo. Os repórteres perguntaram a ele de que estava se tratando. Ele estava numa cadeira de rodas, devastado por um câncer e pelo tratamento brutal e inútil a que se submetera. No entanto teve forças para dizer que estava se tratando de pé de atleta. Lol. “Ainda bem que Butch morreu no apogeu da juventude e da beleza”, pensou Pedro ao ver Newman na cadeira, velho, doente. A cena final de Butch Cassidy é um clássico. Um jornal classificou-a como o melhor fim de filme de todos os tempos.

Butch Cassidy é uma história de amizade sem limites. Butch e Sundance Kid, interpretado magistralmente por Robert Redford, são bandidos no Velho Oeste. Mas um tipo especial de bandidos. Charmosos, divertidos, nada sanguinários. Butch pensa, Sundance age. Butch é rápido no cérebro, Sundance saca a arma com sua mão esquerda com rapidez legendária. Ninguém que goste de cinema pode deixar de ver a cena da bicicleta. Sob Rain Drops Keep Falling on My Head, Butch dá uma volta de bicicleta num dia ensolarado com a namorada de Sundance no cano. “Butch”, diz ela, os olhos fixos nos dele. “Se nós tivéssemos nos conhecido antes que eu encontrasse o Sundance, você acha que estaríamos namorando?” Ele diz uma frase que é um clássico. “Entre certos povos andar junto numa bicicleta significa estar casado.” Etta, vivida por Katherine Ross, é dona de uma beleza ao mesmo tempo terna e sensual. Quando acompanha os dois numa fuga desesperada para a América do Sul, impõe apenas uma condição: não iria vê-los morrer. Quando o cerco a eles se aperta, ela retorna. Toca então a música mais bela desta que é uma das maiores trilhas sonoras do cinema, composta por Burt Bacharah no seu apogeu: Never Going Home Anymore. Nunca mais de volta à casa.

“Parece que amizade assim, cúmplice e para toda obra, é mais comum entre homens. Você viu Desejo e Reparação? Uma irmã ferra a vida da outra por conta de um homem. Enquanto num conto do Borges dois amigos que se apaixonam pela mesma mulher a matam para manter a amizade.”, diz Cris. “As mulheres competem. Raras as mulheres que elogiam umas as outras com sinceridade, mesmo por coisas bobas como o vestido ou o cabelo. Raro, mas não estou dizendo que não acontece. Eu mesma tenho grandes amigas.”
“Hmmmm”, disse Pedro.
“Você não encontra um filme de amizade entre dois caras como Butch Cassidy no universo feminino. A exceção notável é Thelma & Louise.”
Um outro final espetacular, parecido com o de Butch Cassidy. O carro rumo ao abismo. O carro em que as duas amigas encontraram enfim a liberdade. Também o final de Thelma & Louise entrara na lista dos maiores do cinema.
“Sabe a definição do Montaigne para a amizade? Dois amigos formam como que um único tecido no qual você não percebe a costura.”
“Entre as mulheres esta costura não existe”, disse Cris.
Passou por Pedro a idéia de que a desgraça de uma mulher é a felicidade de muitas outras. Pedro fez um gesto quase teatral. E depois disse uma banalidade. Cris riu.
“Adoro quando você junta as mãos solenemente como se fosse fazer um grande pronunciamento e depois fala uma bobagem”, ela disse.
“Tou pensando na morte próxima do Paul Newman”, ele disse.
“Ele tinha olhos turqueza profunda. Um cara assim não devia morrer.”
Pedro fez seu gesto quase teatral. Parecia Platão.
“É”, concordou.

Balzáqueas 7

01/09/2008

Fuja desabaladamente das mulheres que gostam de presentes. E que falam dos sentimentos que você tem por elas. E do coração. Esse precioso coração. Elas gostam de tudo em você.
O que haverá por trás?

Balzac