Archive for Junho, 2011

Ocupe-se de pouco para ser feliz

30/06/2011

Penny Lane me cobra: “Cadê seus textos, Hombre?”

Onde estão?

Bem, o trabalho de mais de mais de uma década está aqui, neste blog. Mas não é isso que ela quis dizer.

“Os novos, Hombre.”

Explico para ela que reli uma frase de Heráclito que anotei há muito tempo.

“Ocupe-se de pouco para ser feliz”, diz a frase.

“E?”

Ora. Tenho desrespeitado por uma vida inteira uma máxima que eu decidira adotar para mim. Alguém aí falou em autoboicote?

Isso quer dizer que me concedo, merecida ou imerecidamente, férias. Rumo a sei lá onde. A mim mesmo, talvez.

Para me ocupar de pouco.

Quase nada.

Nada, quem sabe.

Neste mundo em que tudo fenece

25/06/2011

Uma mulher me esperava no restaurante. Ela sempre chegava um pouco antes; eu sempre um pouco depois. Fazia muito tempo que não a via, mas certos hábitos jamais se alteram. Vi que ela folheava um livro, acomodada numa mesa para dois. Ela sempre tinha um livro à mão para a hipótese de eu demorar mais que o razoável. O livro que ela lia naquele momento, vi depois, era uma pequena biografia de Marcel Proust sobre a qual eu escrevera numa revista.

Era Mariza.
Ela estava de volta à cidade por uns dias para visitar a mãe. Mariza, depois que rompemos, conheceu uma fazendeiro de Mato Grosso. Logo se casaram e ela mudou para lá para viver seu novo amor bucólico.

“Tudo bem?”, perguntei.
“Graças a Deus.”
Rimos e o gelo se quebrou. Era uma piada particular nossa. Mariza é atéia. Ela jamais acreditou em Deus. Num certo momento, deixou de acreditar também em mim. Foi aí que nosso romance começou a terminar. Reencontros com amores passados servem para mostrar muita coisa. Mostram, por exemplo, como uma intimidade construída em anos pode ser dissolver instantaneamente com o rompimento. Você trata com cerimônia constrangida alguém com quem, até pouco antes, tinha a mais absoluta liberdade. Só falta a gente dar continência ao outro.

“A melhor coisa que você fez por mim, em muito tempo, foi indicar na revista este livro”, ela disse. “Sou realmente muito grata a você.” Era a Mariza de sempre, irônica, às vezes ferina mesmo num banal agradecimento pela indicação de um livro.

“Uma frase”, ela continuou. “Tem uma frase neste livro que talvez seja a mais linda que eu já li. E a mais triste também.” Ela me passou o livro aberto numa determinada página. Nessa página, uma sentença estava sublinhada. Mariza costuma sublinhar as frases de que mais gosta nos livros que lê. Eu tentei muitas vezes fazer o mesmo, mas minha falta de método jamais me permitiu consolidar esse hábito. Me impressionei ao saber que Vargas Llosa faz uma ficha de cada livro que lê. Pensei em copiá-lo, mas meu lado caótico me impediu.

Li a frase sublinhada por Mariza. Ela tinha razão. É uma das frases mais tristes que alguém já escreveu. Proust disse: “Nesse nosso mundo onde tudo fenece, tudo perece, há uma coisa que se deteriora, que se desfaz em pó até de forma mais completa, deixando para trás ainda menos traços de si do que a beleza: a saber, a dor”.

A dor. A dor da perda de um amor. A gente imagina que vai morrer sem ele. Como dói aquela ausência. Como dói a perspectiva de nunca mais ter nos braços alguém que a gente imaginava ao nosso lado para sempre. Nunca mais. E no entanto quando aquela dor torturadora se vai, vencida enfim pelo correr dos longos dias, o que sentimos não é alívio, mas vazio e frustração. É como se pensássemos: o grande amor exige uma dor eterna, um luto no coração até o último dia. Só que a dor, como disse Proust, dura ainda menos que a beleza.

Devolvi o livro a Mariza e trocamos de assuntos. O resto do almoço foi, quase todo, alegre. Lembramos certas passagens de nosso romance como na cena final de um dos meus filmes preferidos, Annie Hall, de Woody Allen, e rimos. Lembramos, por exemplo, o dia em que entramos por acaso numa festa de firma num bar do Terraço Itália e acabamos comendo mais, bebendo mais e rindo mais do que qualquer pessoa naquele salão. Lembramos a madrugada bêbada numa boate em que uma dama da noite recomendou compostura a Mariza. Quando Mariza ameaçou entrar em lembranças menos amenas, e delas extrair uma raiva que o tempo foi incapaz de mitigar, entendi que era a hora de pedir a conta. Certas histórias, é melhor não desenterrá-las, escreveu Shakespeare. Concordo.

E então nos despedimos. Sem drama. Ela refizera sua vida e eu a minha. Ela voltava para Mato Grosso e eu para minha rotina de escritor barato. Um novo e promissor capítulo amoroso se instalara na vida de Mariza, e a verdade é que meu coração voltara a bater rápido, bem rápido, por uma mulher. Já não doía como doera nem nela nem em mim, mas ali compreendi com clareza que a morte da dor amorosa também pode, de uma forma estranha, doer.

O jornalista e a massagista

22/06/2011

Peter estava deitado na grama do Hurlingham Park ao lado de Tania, a Ibiza Angel ucraniana que conhecera no Empire, o cassino da Leicester Square. Sob o sol de maio, os cabelos loiros de Tania pareciam brancos. Os olhos eram azuis como duas bolas de gude.

Peter olhou para Tania e riu sozinho. As mulheres da União Soviética durante muito tempo pareciam ser todas elas gordas e desinteressantes. Era o que a imprensa americana espalhava para o mundo. Foi com uma certa surpresa que, com o colapso soviético, Peter viu emergirem tantas mulheres bonitas. Uma delas estava ali a seu lado. Tania passava delicadamente proteção no rosto de Peter antes de jogarem tênis na quadra de grama sintética do parque. Tania fizera questão de ensinar uma única palavra de ucraniano a Peter.  Lyubov. Te amo.

Peter gostava de ir ao Hurlingham. Nos finais de semana, via partidas de futebol e rugby de amadores. Era um parque com o espírito igualitário londrino. Antes, o terreno fazia parte do Hurlingham Club, um dos clubes mais fechados de Londres. O governo trabalhista que substituiu a administração de Churchill depois da Segunda Guerra desapropriou um pedaço do clube e transformou-o num parque público. As regras do esnobe jogo de pólo a cavalo tinham sido definidas, no passado, no clube. Hoje já não se jogava mais pólo lá, mas principalmente tênis em suas belas quadras de grama tão bem cuidadas quanto as de Wimbledon.

“Peter?”

“Hmmm.”

“Ele não para de me procurar.”

Ele era Assange. Peter levara Tania para a entrevista que fizera com Julian Assange. A conversa foi durante um almoço no Pizza Express da estação de Fulham Broadway. Peter gostava de comer a lasanha de lá, sentado numa mesa à beira da janela que lhe dava uma versão quase panorâmica da Fulham High Street. Sempre que ia a jogos do Chelsea no Stamford Bridge, o estádio ali perto da estação, passava depois pela Express para comer a lasanha.

Peter reparou que Assange gostara da presença de Tania, mas não imaginou que ele fosse tentar nada. Como ele conseguira seu email? Entrara, será, como hacker no site do Empire, depois de saber durante o almoço que Tania era massagista lá?

Ouvira dizer que o fraco de Assange eram as mulheres. Uma australiana com quem ele saiu algumas vezes o definiu como um “homem que não sabe ouvir um não”.

Assange dissera a Peter que em breve iria à Suécia. Peter conhecia bem a Suécia. Assange com sua insistência poderia ter problemas lá. As mulheres suecas são neuróticas. Parecem ávidas por acusar homens de estupro. Peter levara um susto quando, numa viagem à Suécia, um jornalista local lhe dissera que você pode ser acusado de estupro na Suécia se fizer sexo sem proteção. Suponha que uma mulher aceite ir para a cama com você. Vocês, antes de dormir, fazem o que têm que fazer. Se você acorda no meio da noite e retoma a festa, pode ter problemas se estiver sem preservativo. “Se você sair com uma sueca, peça antes de dormir com ela um documento em que ela diz que está com você consensualmente”, disse a Peter o jornalista sueco.

“Por que você não sai com ele, Tania?”, disse Peter. “Ele é o jornalista mais célebre do mundo hoje. Um herói para muita gente.”

“Peter. Você acha mesmo que eu sairia com um cara que cheira como se não tivesse tomado banho há dias?”

Peter riu. Era verdade. Assange parecia estar muito entretido em salvar o mundo para ter tempo de tomar banho.

O que sentia por ela? Era uma pergunta que vinha ocorrendo a Peter algumas vezes nas últimas semanas. Desejo, com certeza. Curiosidade, também. E um sentimento de proteção. Gostaria de evitar que o mundo fizesse Tania sofrer.

Mas e amor?

Isso Peter não sabia. Como ficaria se Tania desaparecesse de sua vida? Triste, é certo. Mas por um dia, uma hora ou uma eternidade?

“Peter?”

“Hmmm.”

“Hoje eu vou dar de zero em você.”

Não era difícil. Tania quase fora profissional de tênis. E era vinte anos mais nova que Peter.

Uma hora depois, saíram da quadra. Tania ia tomar um banho no apartamento de Peter antes de ir para o Empire.

“Eu não disse?”, ela falou ao se cumprimentarem na rede terminado o jogo.

Ele olhou para ela. Sentiu seu suor ao beijar seu rosto na rede, e pensou que nunca experimentara uma derrota tão vitoriosa.

Choro de fêmea

13/06/2011

 

Um estudo científico internacional afirma que o homem rejeita sexualmente a mulher que chora.

Até o cheiro da lágrima afugentaria.

Pois eu discordo. A ciência, neste caso, está inteiramente errada.

A chorosa fascina porque é mulher na essência.  Vulnerável, desprotegida, pronta a ser socorrida – e depois se Deus ajudar penetrada – pelo seu salvador.

Quanto ao chorão, ele sim é repulsivo. Fica desfigurado, revela sua fraqueza patética e mostra à mulher que ela não pode contar com ele nos apuros.

Lembro sempre de uma frase de Sêneca: “As lágrimas dos fracos secam as minhas.”

Perfeita!

09/06/2011

A perfeição pode ser alcançada (um quadro de Alfonse Mucha)

Veja se você, mulher leitora, se enquadra no ideal masculino de perfeição feminina.

A Perfeita — abreviemos — faz as seguintes coisas.

1) Prefere ouvir a falar. Entende que, se a natureza lhe deu uma boca e dois ouvidos, não foi à toa.

2) Gosta mais de ação do que de discussões sobre o relacionamento. Até porque, se o relacionamento está ruim, é provavelmente por falta de ação.

3) Não recusa sexo mesmo que esteja de verdade com dor de cabeça. Recusas femininas matam qualquer relacionamento.

4) Está sempre bonita e cheirosa para o amado.

5) Não fuça o gmail, o Facebook e o Twitter dele. Jamais. É invasão de privacidade.

6) Faz coro quando seu amado canta, mesmo que seja desafinada. Linda McCartney fazia isso para o marido, e o manteve a seu lado até a morte.

7) Não disputa a razão com seu homem. Não tenta parecer melhor ou mais inteligente que ele, mesmo que seja. Nestes casos, delicadamente finge ser mais tola do que na verdade é.

8 ) Respeita o cansaço do guerreiro quando ele prefere simplesmente dormir a praticar sexo. Caso esteja muito excitada, pode sempre usar as próprias mãos, pelas quais não paga nada.

9) Entende que as preliminares devem ser satisfatórias para ambas as partes, e não só para ela.

10) Não olha para homem nenhum lascivamente, mas compreende que em certas situações o amado não cometerá pecado se — discretamente — admirar uma mulher atraente que entre no bar ou no restaurante. Porque na verdade toda a raça feminirá estará sendo homenageada naquele olhar clínico e fugaz, incluída a própria mulher amada.

Existem outros pontos. Mas eles tornariam a mulher mais que perfeita, o que é desnecessário. Basta se aplicar no decálogo acima.

‘Ter uma mulher apenas é como usar a mesma meia a vida inteira’

05/06/2011

Leio um livro em que é narrado um encontro amistoso entre muçulmanos e ocidentais.

As pessoas estão num clima tão positivo que não escondem suas curiosidades essenciais.

Um não muçulmano quer saber se um homem com várias esposas pode, eventualmente, dormir com mais de uma na mesma cama.

E um muçulmano manifesta assim sua perplexidade diante da proibição imposta aos ocidentais de ter mais de uma mulher: “É como usar a mesma meia a vida inteira!”

Me pergunto se as mulheres poderiam ter a mesma opinião. Um homem apenas seria o equivalente a usar a mesma calcinha a vida inteira?

Uma garota de programas de Berlim

04/06/2011

Raras vezes vi um entrevistador tão bom. Faz as perguntas que todos queremos fazer. Mas é para a entrevistada que quero chamar a atenção.

Ela é um retrato de como a Alemanha lida com a prostituição.

É uma atitividade legalizada. Isso faz com que as garotas de programa sejam muito menos marginalizadas que habitualmente. Elas pagam impostos, o que as iguala a todos nós, exceto os muito ricos, que sempre encontram formas de fugir deles. Podem até ter namorados, como todas as mulheres. A legalidade tira muito muito do tom sinistro que afasta pretendentes. E também pode permitir uma vida menos mentirosa e, consequentemente, menos sórdida. A garota do vídeo diz que a família e os vizinhos sabem o que ela faz, e não duvido.

A prostituição jamais terminará. É um dado da vida, gostemos ou não. Isto posto, ela pode ser mais ou menos complicada. Os alemães dão ao mundo uma lição sobre como descomplicar ao máximo uma atividade que jamais será simples.