Archive for Junho, 2009

O fastio pós-coito

30/06/2009

ela não devia ficar chateada; passa

ela não devia ficar triste: o fastio dele passa

OUVI DE MINHA amiga Consuelo uma queixa que me pareceu incongruente: “Lembra do Carlos? Dispensei. Ele era insuportavelmente grosseiro depois do orgasmo”. “Como assim?”, perguntei. “Vocês homens tornam-se incivilizados depois que conseguem seu orgasmo. Sobem na árvore, grunhindo para si mesmos, incapazes de dividir. “Dividir. Quantas vezes já ouvi esta palavra sair em estocadas da boca de uma mulher. Di-vi-dir. Em suma, o pobre Carlos, o fiel e dedicado Carlos, depois do orgasmo, quis assistir futebol. Nem um beijo, nem uma palavra de amor. Apenas o som frio e oco do controle remoto. Adeus, Carlos, você não quis di-vi-dir o “depois” do orgasmo.

Consuelo não é exatamente uma feminista, e a queixa, embora intelectualizada, me pareceu cheia de razão. É verdade, depois do sexo somos incivilizados: sofremos de fastio. Todos nós, homens, sofremos do fastio pós-coito. Mas por alguma razão sempre à espreita, talvez o terror antimachismo ou a política de boa vizinhança, temos de fingir que não. Disse firme para Consuelo: “Já não bastam as preliminares extensíssimas que vocês nos exigem, querem agora que fiquemos depois fazendo onda também…” Não sei se foi a palavra onda, mas o fato é que ouvi de Consuelo a seguinte frase: “Você é narcisista e egocêntrico”.

As mulheres são mesmo assim, sinceras. Nós é que somos os eternos mentirosos. E pagamos por isso. Mentimos (ou ao menos omitimos) que queremos ficar ao lado delas depois de totalmente saciados, quando, na verdade, queremos ligar a TV e ver os gols da rodada ou ir à cozinha comer um pedaço de pizza fria. Talvez seja hora de falarmos com a franqueza peculiar ao sexo frágil. Elas nos pedem que compreendamos seu tempo sexual. Nós compreendemos. Elas nos pedem que olhemos seu interior. Nós olhamos. Elas nos pedem que dividamos com elas a preocupação com a gravidez. Nós dividimos. Quero viver meu fastio pós-coito, meu pessoal e intransferível pós-coito, em paz. É meu singelo pedido.

Para nós, homens, parece nonsense o bailado feminino depois da cópula. Não entendemos como elas conseguem permanecer passarinhando ao nosso redor, esfregando seus pezinhos frios na nossa canela e beijando nossa orelha, se não há nenhum motivo gritante para isso. Já não cumprimos nossa missão, passo a passo – caprichamos nas preliminares, olhamos por dentro delas, usamos devidamente a camisinha contra gravidez e doenças? Elas já não estão coradas e felizes? Que mais esperam de nós, depois de tamanha explosão de energia? Não entendo. Há entre um orgasmo e outro um breve momento de indiferença gloriosa. É breve, mas existe. Depois do sexo, estamos fartos, cheios até a boca, boiando no torpor de nossos egos inflados e hormônios sedados, orgulhosos de nós mesmos e completamente indiferentes a ela – ou a tudo. Olhei para Consuelo e pedi: “Clemência! É que, depois do sexo, não precisamos de mais nada”. Consuelo fuzilou-me: “Vocês só nos dizem coisas doces para nos usar. Depois do prazer, não servimos nem para conversar”.

E isso não é ótimo? É como nos sentimos também – usados -, só que não julgamos isso negativo. Consuelo me cansa com a mania persecutória comum a todas as mulheres deste século. Pago por todos os homens opressores da história da humanidade – e quem sou eu? Um oprimido, um homem que não pode viver seu fastio pós-coito sem sustos, porque sabe que um quarto de hora mais tarde estará de novo no alto da montanha-russa da testosterona, prestes a implorar de joelhos que a amada o encha de beijos e ouça as perversões que guardou para ela. Quem é o usado aqui?

Calei-me. Não disse a Consuelo uma imagem que Toni, um amigo em comum, me deu certa vez sobre o momento depois do orgasmo. “Sabe”, ele me disse, “quando você encosta os dois pés na beirada da piscina para dar impulso e ganhar distância? Tenho vontade de fazer isso… na cama”. Ele não disse na cama, ele disse o nome da namorada dele. E completou: “Com todo respeito”. Toni ansiava por ganhar espaço, solidão, estar só com sua total – e fugaz – alforria do desejo. Sexo é prisão. Doce prisão. Se há alguém escravo numa relação de sexo, somos nós, os homens. O desejo nos acorrenta às mulheres; o momento pós-coito nos liberta. Nos sentimos livres, por alguns momentos, daquela angústia permanente que é nosso desejo ancestral de copular com todas as mulheres do mundo, distribuir nossos espermatozóides e proliferar nossas sementes sobre a terra.

É uma centelha de paz justa, merecida, neste universo tão caótico. E não há razão nenhuma para que sintamos culpa pelo fastio diante da nudez irada e tagarela da mulher que acabamos de satisfazer sexualmente e agora insiste numa conversa sem sentido.

O amor na era do tweeter

21/06/2009

E eis que encontro, depois de uma temporada longa, minha amiga Mariza Montálban. Mariza é obcecada por muitas coisas. Pilates, Brad Pitt, revistas de celebridades, Nova York.

Mas sua maior obsessão é ela mesma. Mariza Montálban, que conheci num estágio que fiz numa agência de publicidade de Buenos Aires, ama a si própria acima de todas as coisas. Eu diria até que, depois dela em sua lista de amores, vem ela mesma. E só depois seu gato Peebles.

Mariza, como todas as mulheres auto-idolatradas, adora falar e detesta ouvir. Mas, com tudo isso, gosto dela. Riq, um amigo, disse que nas cidades e nas pessoas de que gostamos perdoamos os defeitos, e é isso que faço com Mariza Montálban. De resto, para ser sincero, Marisa faz um bispo chutar um poste ao olhar para trás, com suas curvas sinuosas como as ruelas de Alfama. Você não precisa prestar atenção nas histórias de Mariza para desfrutar de sua companhia. Basta olhá-la.

O reencontro casual foi numa Starbucks na qual eu tinha ido tomar um chocolate quente, a bebida na qual sou viciado.

“Hombre Sincero!”, ouvi alguém gritar. Aquela voz confiante do tipo existo-só-eu-na-face-da-terra pertencia a uma única pessoa que eu conhecia.

“Mariza”, eu disse.

Me preparei para um abraço mas ela já estava concentrada no laptop que levara à Starbucks. Esquecera rapidamente do Hombre Sincero, como se apenas o reconhecimento bastasse. Fiquei curioso para ver o que a absorvia tanto. Puxei uma cadeira, pedi licença e sentei sem que ela dissesse sim ou não, pois não me ouvira.

“Mariza.”

Nada.

“Mariza.”

Da terceira vez sacudi seu braço, nu como o de Michelle Obama. Mariza tem braços lindos, e gostava de mostrá-los muito antes que Michelle fizesse disso uma moda global.

“Pera um pouco”, ordenou Mariza. “Tou tuitando.”

“Hmmm?”

“Tuitando. Twitter.”

A verdade é que, até ali, eu jamais ouvira a palavra twitter, e muito menos vira alguém tuitando.

“Tenho que melhorar. Tenho que melhorar.”

Mariza não estava falando comigo, mas sim com ela mesma.

“Menos seguidores do que a Lúcia, menos seguidores do que a Linda, menos seguidores do que todo mundo. Sou uma fracassada.”

A voz potente de Mariza Montálban pareceu tremer por alguns momentos, sob o golpe devastador dos seguidores de menos.

“Mariza, você é uma mulher incr…”

Ela não me deixou chegar ao ível consolador.

“Ninguém me segue, ninguém me quer.”

Mais tarde, fui me informar sobre o twitter. Aí entendi o drama pessoal pelo qual passava Mariza Montálban. Suas amigas e elas travavam uma batalha feroz em torno de quem conquistava o maior número de seguidores.

Nenhuma delas estava interessada na possibilidade de ganhar conhecimento e compartilhá-lo com milhares de outras pessoas no twitter. Elas queriam somente bater as rivais em seguidores.

“Você, Hombre. Você não está me seguindo.”

Sua voz era acusadora, embora ela não tivesse tirado os olhos do laptop. Eu nem sabia, ali, o que era seguir no sentido dado pelo twitter.

“Outro dia a Lúcia me disse uma verdade. Uma mulher sensata escolhe o namorado pelo número de seguidores. Os homens com certeza fazem o mesmo. Tô perdida, perdida, perdida.”

Mariza Montálban começou a chorar em plena Starbucks. Me levantei para confortá-la, mas ela me afastou bruscamente com a força que Deus dá a mulheres-que-só-pensam-em-si-mesmas.

“Você não me segue, Hombre. Maldição eterna para você. Ninguém vai seguir você.”

Quase me assustei com a maldição. Mas depois me lembrei que, se ninguém lê escritores baratos, por que alguém haveria de segui-los?

Levantei-me e deixei minha amiga Mariza Montálban entregue à frenética busca de seguidores que a tirariam da depressão em que mergulhara ao ser suplantada pelas amigas que tuitavam melhor que ela.

Mais tarde, ao entrar no twitter, e conhecer um pouco, vi que pouca gente se interessa pelo que as pessoas falam de sua rotina nos 140 toques das mensagens. Mariza, no twitter como em tudo que faz, só fala dela.

Daí a adesão abaixo do que ela gostaria. Mas, justiça seja feita, bem acima da de escritores baratos como, para usar a expressão de Mariza Montálban, o Hombre Sincero.

Faltou Natasha na lista!

18/06/2009

Um amigo meu fez sua lista dos maiores personagens da história da literatura. Para quem quiser ler, este é o link.

Eu ficaria feliz se aqui também nós falássemos sobre nossos personagens favoritos. Que tal? 

Quanto a mim, sinto falta de Natasha na lista. A Natasha dos sonhos e das ilusões perdidas do Pedro em Guerra e Paz, do Tolstoi. Guerra e Paz pode assustar pelo tamanho, dois volumes de 600 páginas cada. Mas, quando você começa a ler, sei lá, você agradece a deus por ter nascido com olhos. Uma escritora portuguesa disse no twitter dela que estava lendo A Morte de Ivan Ilitch, um conto longo do Tolstoi, e falou que a boa arte pode ser feita com poucas páginas.

É verdade. Mas Guerra e Paz é infinitamente superior a A Morte de Ivan Ilitch, embora, primeiro, para muitos este seja o melhor conto jamais escrito e, segundo, eu recomende sua leitura firmemente. Uma digressão: Woody Allen disse que leu, com o método da leitura dinâmica, Guerra e Paz em horas e se lembra de que trata da guerra e da paz. Ponto.

Bem, sou um obcecado pela Natasha e, particularmente, por uma reflexão do Pedro quando a reencontra. Já escrevi algumas vezes isso, e vou escrever mais uma vez com alegria, como o cantor que repete a mesma música não por obrigação, mas por amor. Pedro amava Natasha e, no caos da guerra napoleônica na Rússia e também no caos dos casos de amor, a perde vista. Acaba reencontrando-a e tem dificuldades em reconhecê-la não porque ela tivesse mudado, ou estivesse num lugar improvável, mas porque perdera o brilho dos olhos.

O brilho dos olhos da Natasha. O brilho perdido, para sempre perdido, mas lembrado por Pedro.

Uma lista dos maiores personagens da literatura em que não estejam Natasha e seus olhos outrora brilhantes é uma lista incompleta.

Sorry, Buddy.

“Na nossa história seremos felizes para sempre”

03/06/2009

“Posso te fazer um pedido?”, disse Cris a Pedro. Ela acabara de ler As Travessuras da Menina Má, de Vargas Llosa. Lera com vagar, como sempre. E, também como sempre, com atenção máxima aos detalhes.  Pedro, ao contrário, lia rápido. E perdia detalhes. Leitor compulsivo.

“Hmm”, disse Pedro.

“Escreve a nossa história. O nosso romance. Como no caso da Menina Má. Lembra? No fim ele diz que ela deu a ele a história.”

“Mas”, disse Pedro.

“Por que você gosta tanto da palavra mas?”,  cortou Cris. “É uma coisa tão ruim. Depois do mas nunca vem nada bom.”

Pedro  jamais pensara nisso. Fazia sentido o que Cris dissera? Não sabia.  Refletiria depois. Seguiu adiante.

“Mas eu não sou nenhum Vargas Llosa”, disse.  “Como eu poderia me classificar? Sei lá. Um escritor barato, como o Fabio.”

“Detesto o Fabio”, disse Cris. “Queria que ele morresse. Juro.”

“Mas”, disse Pedro. “Mesmo que eu fosse capaz de escrever como o Llosa. Como seria a nossa história?”

“Você é o contador de histórias”, disse Cris. “Você diz como seria.”

“Filhos. Outro dia vi você num vestido leve e te imaginei grávida. Sei lá. Teríamos um filho.”

“Menino? Menina? Nome.”

“Menina. Antonella.  Anda como um pinguinzinho. Dança como a mãe. Bonita como a mãe. Mas não é geniosa e impaciente como a mãe.”

“Nunca engravidei. Será que consigo engravidar?”, Cris disse.

“Na nossa história, sem dúvida”, Pedro disse.

“Vou ficar muito gorda? Disforme? Você vai perder o desejo por mim? Tenho medo pânico disso.”

“Você vai ficar maravilhosa. Como todas as grávidas. Nada embeleza tanto uma mulher como a gravidez.  Vocês, mulheres, discordam. Mas é um fato da vida. Na gravidez a mulher vira fêmea no melhor sentido que a palavra tem.”

“Tenho outro medo”, disse Cris. “Vi isso acontecer com muita gente. O casal tem filho. O homem vira pai. A mulher vira mãe. O casal some. Quero muito ser mãe. Mas, se o preço da maternidade é deixar de ser mulher,  não pago.”

“Na nossa história você nunca deixa de ser mulher”, disse Pedro. “Mesmo que tivesse não um mas três filhos. Três não. Li outro dia numa revista que alguém na Inglaterra disse que no mundo de hoje é irresponsabilidade ter mais que dois filhos. Do ponto de vista ecológico. Meio ambiente. O cara dizia que era uma agressão à terra.”

“E você …”

“Se acreditei?”, disse Pedro. “Nem sim e nem não. Só não esqueci.”

“Pedro.”

“Hmmm.”

“Vamos viver muitos anos juntos na história que você vai escrever?”

“Interrogação. Meu pai.  Ele não viveu tanto assim. Se eu repetir a trajetória do meu pai, a resposta é não.”

“Você não vai repetir. Você não vai ousar me deixar sozinha. Jura que não.”

“Gostaria de jurar. Mas.”

Mas. Sempre mas. Até quando você vai usar mas nessa quantidade absurda?”

“Um grande escritor inglês disse que escrevia não como queria, mas como podia. Falo como posso.”

“Pedro. Na nossa história. O final vai ser feliz?”

“Finais infelizes são a marca maior dos grandes escritores. Não há um único romance entre os maiores que tenha final feliz.”

“Isso quer dizer que …”, disse Cris.

“Sim. Isso quer dizer que na nossa história seremos felizes para sempre.”