Archive for Fevereiro, 2010

13 coisas que fazem você pensar se a vida tem sentido

28/02/2010

Sem nexo

Sem nexo

GOSTEI TANTO das listas que vi das coisas que dão sentido à vida que vou propor mais uma.
É o oposto. As coisas que fazem você pensar que a vida não tem muito nexo.
Alguns itens da minha lista. Vou começar com 13, para dar sorte.

1) as entrevistas do Jô;

2) os gritos do Galvão;

3) os livros do Paulo Coelho;

4) as crônicas do Jabor;

5) os romances do Chico;

6) o mau humor da Folha;

7) o bigode do Sarney;

8 ) a Vanusa cantando o hino nacional;

9) as piadas do Zé Simão;

10) o erotismo da Fernanda Young;

11) os textos do Mainardi;

12) as opiniões futebolística do Juca;

13) a fixação do Zagalo com o 13.

As coisas que fazem a vida valer a pena

26/02/2010

PRIMEIRO, recomendo que você leia ouvindo esta música, de Gershwin. Porque vamos falar de um filme em que ela é vital, Manhattan, de Woody Allen.

Ele não faz nada que preste há muito tempo, mas Annie Hall e Manhattan estão entre os melhores filmes de todos os tempos. E Radio Days, A Era do Rádio, seu último grande filme, merece ser visto e revisto.

Isto posto.

Vamos a uma cena particularmente interessante de Manhattan. Aquela em que Woody Allen fala sobre as coisas que dão sentido (algum, pelo menos) à vida.

Soube que tinha visto uma cena soberba, sublime tão logo a vi. Não tive que pensar nela depois do final da sessão. Foi amor à primeira vista. A simplicidade da cena; a ausência de efeitos especiais; os itens que  compõem, como as maçãs de Cezzane e um Beethoven. E o sorriso de Tracy. Mariel Hemingway, neta de Hemingway, fez Tracy. Era tão jovem e tinha o ar tão inocente e parecia tão apaixonada que a gente torcia para que o casal ficasse junto no final mesmo sabendo que isso tiraria parte da grandeza de Manhattan.

A lista. Que tal cada um de nós montar a sua?

Da minha, que vou fazer no correr dos debates, digo só que entram os closes de Sergio Leone, os heróis relutantes de Graham Greene, a cerveja com os amigos depois do tênis e o nescau gelado batido e escuro. E os Beatles da primeira fase, mais a visão do Corinthians na boca do túnel, prestes a entrar em campo. Os sons e os silêncios do amor.

Completo a lista depois porque é hora de vocês entrarem em ação.

Por que mulheres com corpo de menina enfeitiçam certos homens?

25/02/2010

Lisbeth, no filme baseado no livro de Larsson

LISBETH SALANDER. Conhecem? Fazia muito tempo que a literatura policial não aparecia com uma heroína tão interessante. Desde Miss Marple, a velhinha mexeriqueira criada por Agatha Christie.

Lisbeth tem 24 anos e corpo de 14, segundo a descrição do autor, o sueco Stieg Larsson. Ele não viveu para ver o sucesso de sua personagem. Morreu aos 50 anos, de enfarto, pouco antes de ser lançado o primeiro livro de uma série de três que escrevera, Os Homens Que Não Amavam as Mulheres. É a chamada Trilogia do Millenium. Boa para ler, se divertir e passar adiante.

Lisbeth trabalha para uma empresa de investigação. É brilhante, não há ninguém que se compare a ela, ali, na capacidade de descobrir segredos.

Mas seu chefe se sente atraído sexualmente por ela por outros motivos que não intelectuais.  Lisbeth parece uma menina, e pode ser confundida com um garoto num olhar distraído, segundo a descrição de Larsson. Mal tem peito, os cabelos são curtos, usa piercings, pintou uma tatuagem de dragão nas costas.

O chefe, no livro, tenta entender por que a deseja.

Nenhuma explicação que ele apresenta para si mesmo é convincente.

A Lolita de Beleza Americana endoidou o quarentão

Isto posto, trago para cá o mistério para nossos habituais debates. Por que aquela mulher jovem com ares de menina, ou até de menino, perturba, sexualmente, o seu chefe? Por que determinados homens cobiçam não mulherões mas mulheres para as quais, não importa a idade, os porteiros de casa noturna pedem carteira de identidade?

Capricho? Doença? Busca da inocência? Descaramento?

“Não me dê amor, não me dê dinheiro, não me dê fama. Me dê a verdade”

22/02/2010

De Krakaeur, o escritor alpinista, já tinha ouvido falar.  Li, dele, ‘No Ar Rarefeito’.

De  ‘Alexander Supertramp’ e do filme ‘Into The Wild’, baseado num livro de Krakauer, não.

Soube da história do livro aqui, no blog, quando foi feita uma conexão brilhante entre o tema do último texto e este filme. Travou-se um debate posterior em que o filme foi, majoritariamente, tratado como chato.  Sou grato pela aparição de ‘Into the Wild’ no debate.

Não consegui ver o filme todo ainda; vou comprar o dvd assim que puder; mas me interessei pela história e viajei pela internet para saber mais. Vi vários trechos do filme no YouTube, li o longo artigo de Krakauer na revista ‘Outside’ que foi a base do livro que ele faria posteriormente, ouvi algumas músicas da trilha sonora, bonita e melancólica.

Fiquei, claro, tocado com a história de ‘Alex’, o jovem americano que vai em busca de seu sonho de pureza e liberdade e deixa para trás tudo que nós, convencionalmente, achamos importante.

A começar pelo dinheiro, pelas posses.

A suprema liberdade, para ele, consistia em nada ter, ou o mínimo possível. Ele se inspirou em homens que buscaram isso, o ascetismo como uma forma de libertação, como Tolstói e Thoreau. É de Thoreau a frase do título deste artigo, e ‘Alex’ a tinha por perto. Sua jornada em busca da liberdade, que acaba por levá-lo à morte no Alasca, provoca sentimentos variados em quem toma contacto com ela.

Mas, principalmente, faz pensar.

Faz pensar na nossa própria jornada. O que queremos, com o que sonhamos, o que nos aborrece ou nos eleva. Quem somos, enfim. Nossos princípios, nossos valores. É uma história que nos estimula a parar e pensar calmamente sobre nós mesmos e nossa busca obsessiva pelos três pontos citados por Thoreau: amor, dinheiro e fama.  ‘Alex’, na verdade Chris McCandles, morto aos 24, pode ser um espelho para cada um de nós.

Outro dia citei o caso de um executivo que disse, com orgulho, a meu primo Juan, seu subordinado, que não fora ao enterro do avô. Ele estava se gabando, mostrando o quanto é dedicado ao trabalho. É o vendido típico, o ignorante dentro do qual grassa um incêndio sem que ele consiga perceber. Há muita gente no mundo como esse neto abjeto.

E bem poucos caras como ‘Alex’.

Ninguém precisa queimar dinheiro como ele fez e se embrenhar no Alasca com escasso material, e portanto com alto risco de vida, para realizar o sonho de pureza e libertação integrais.

Podemos ficar no conforto da civilização, claro.  Estudar firme, trabalhar com afinco, comemorar as promoções e aceitar as frustrações profissionais, namorar, viajar — tudo isso, no entanto, sem deixar de ir ao enterro do avô. E eis aí uma mensagem ao mesmo tempo concreta e simbólica.

A vida é muito mais do que aquelas coisas às quais damos tanto valor — e que o jovem sonhador americano entendeu que não cabiam na mochila majestosamente modesta preparada para a viagem dos seus sonhos.

Quem disse que você não pode ser feliz sozinho?

21/02/2010

UMA BREVE  discussão ‘filosófica’.
Somos todos atormentados pela idéia da solidão, não somos?
Certo.
Almoçar sozinho, ir ao cinema sozinho, viajar sozinho: estes são alguns dos nossos pesadelos de todos os dias.
A solidão é um anátema, um estigma, quase uma marca cravada na carne do solitário.
Mas.
Mas por quê?
Bem, uma das razões é que a solidão é tratada a pontapés em todos os filmes, em todas as novelas e em todas as conversas que vemos e travamos.
Ninguém basta a si próprio. Essa a mensagem contínua que recebemos.
Faz sentido?
Não, não faz. Isso nos leva a depender sempre dos outros para sermos felizes.
Cícero disse o seguinte: “Quem depende apenas de si mesmo e em si mesmo coloca tudo tem todas as condições de ser feliz.”
Muito tempo depois, Dostoievski escreveu que ficar sozinho é uma “necessidade natural, como dormir e comer”.
Schoppenhauer disse que as pessoas não suportam a solidão porque não suportam a si mesmas.
Os chineses ricos, no final da vida, costumavam abandonar toda a riqueza e conforto para, numa vida solitária e remota, terem a chance de meditar e refletir.
Uma única vez vi, num filme, uma mensagem sábia sobre o tema.
Foi em Beleza Americana.
A menina adolescente presencia uma briga horrível entre os pais num jantar. Fica chocada e vai para o seu quarto, onde a mãe depois aparece e diz: “Hoje você aprendeu a maior das lições. Conte apenas com você mesma.”
Platão não teria dito uma frase melhor.

Em defesa dos maridos ridicularizados

18/02/2010

PREPARADOS PARA uma pequena sessão de cinema?
Pipoca na mão?
Vamos lá.

Que tal?
Quanto a mim, não definiria nem como bom nem como ruim. Antes, perturbador.
Mostra o casamento e a família por um ângulo patético. O marido sem graça, os filhos insuportáveis e a mulher insatisfeita como fêmea e como mãe, ao mesmo tempo.
Tem alguma coisa do espírito de Casa das Bonecas, de Ibsen, a peça clássica cuja trama é uma mulher que abandona a família, isso num tempo em que essas coisas simplesmente não aconteciam.
Maridos são personagens sob medida para sátiras. Balzac escreveu um livro em que eles eram reduzidos a fonte de gargalhadas e derrisão.
Amantes, não.
Eles têm a aura da aventura, do mistério na ficção e no imaginário.
Mesmo grandes autores sucumbiram a essa simplificação.
O Conde Vronski de Tolstói é irresistível. Como Ana Karenina poderia resistir a ele? Mas seu marido Karenin era sem graça como uma banana amassada sem aveia. Algumas vezes pensei em como seria inovador se, numa filmagem de Ana Karenina, o ator que fizesse o marido fosse o Brad Pitt e o amante o Toni Ramos.
Marido é o velho, amante o novo na cultura que nos é legada e que posteriormente transmitimos.
É um paradoxo. Ou uma dissonância cognitiva, como dizia minha avó Cotinha.
Sem os esforçados maridos, a humanidade se extinguiria. Quem faz filho é, fora exceções de exceções, marido.
Não amante, não namorado. Amante faz cara de sexy, mas é o marido que garante a prole.
Talvez um dia a Verônica do filme a que assistimos entenda isso.
Talvez não.

A mulher nua em nome de uma causa

17/02/2010

POSAR NUA por uma causa. Tenho sentimentos divididos em relação a isso. É um expediente batido, por um lado. Mas por outro é uma ocasião rara em que a nudez pública se enche de uma atmosfera poética em que, se é verdade que a imagem chega primeiro aos olhos, também é certo que depois o endereço mais frequente é o coração ou o cérebro.

Não há lascívia na nudez por uma causa. Fato. Também não há originalidade. Fato.

Mas, numa balança, passei a achar  que as coisas positivas superam as negativas. Antes, pensava o contrário.  O que me levou a refletir mais detidamente sobre o tema foi a nudez de Soninha Francine em prol das bicicletas.  Uma mulher no Facebook, ao ver a foto numa reportagem, não se conteve, incomodada e venenosa: “O que aconteceu com aqueles peitos?”

Nada, exceto o tempo e, talvez, o ângulo da foto.

Pois eu gostei. Houve ali uma atitude, um grito, um alerta. Todas as cidades desenvolvidas do mundo estão estimulando o uso de bicicleta. Uma bicicleta a mais na rua, um carro a menos. É bom para o planeta, é bom para a saúde.  Por que São Paulo é tão atrasada e tão primitiva para os ciclistas e o ciclismo?

Presumo que, com o barulho em torno da nudez de Soninha, a discussão vai ganhar dimensão. O prefeito devia ser fotografado de bicicleta e, melhor ainda, usá-la de verdade.  São Paulo tem que ficar mais amigável para as bicicletas com urgência.

Não é que Londres, Paris, Copenhague (vídeo), Pequim estejam muito na frente. Até Bogotá dá lição para São Paulo. Observe:

Por isso saúdo a nudez de Soninha. Como a das mulheres que tiram a roupa pelos animais. O que fica em mim é a sensação de que, nestes casos, existe mais convicção que exibicionismo. Não são imagens criativas, mas podem ser nobres.

A culpa do estupro é da mulher. Quem fala isso é a própria mulher

15/02/2010

Dançar provocativamente justifica alguma coisa?

Dançar provocativamente justifica alguma coisa?

PERA.
Essa vale uma discussão numa mesa de bar ou num blog como o nosso.
Olha só.
Metade das mulheres, segundo uma pesquisa nova na Inglaterra, afirma que a culpa pelo estupro é em parte da própria vítima. Ou porque se vestiu provocativamente, ou por ter dançado de forma lasciva, ou por ter flertado na hora errada.
Por aí vai.
Uma em quatro, ainda na mesma pesquisa, disse que já foi de alguma forma ‘violentada’. Já fez sexo, com o marido ou o namorado, sem que quisesse, ou de uma maneira que não a agradava. Já tinha visto antes uma coisa parecida na África do Sul. Uma em quatro mulheres, segundo um certo levantamento, já foi estuprada lá.
É um país sexualmente esquisito a África do Sul, pelo menos para nossos padrões. O presidente tem três mulheres e 19 filhos. É da tribo zulu, que permite a poligamia.
Ele diz que trata as três com igualdade, mas me parece impossível. Uma noite para cada uma? Ele tem recebido críticas, mas parece satisfeito com a vida tríplice conjugal que leva. Também não dá para dizer que as suas mulheres parecem tristes.
A gente vai ouvir falar muito da África do Sul nos próximos tempos, por causa da Copa do Mundo. O presidente das três mulheres vai ser bem comentado, com certeza.
Mas de volta à pesquisa com a qual o texto começou.
Mulher dizendo que a culpa do estupro é da mulher: faz sentido?

Cruel como uma cossaca russa

12/02/2010

JÁ ME PERGUNTARAM de onde tirei a expressão ‘cruel como um cossaco russo’. Minha resposta foi: não sei. Um dia simplesmente usei essa imagem e não larguei mais, como um velho casaco que acompanha você em muitos invernos. Agora: se a questão disser respeito às cossacas russas, minha resposta vai ser simples. Tirei essa expressão de uma cena verídica de guerra. Imagens fortes, vou avisando:

Há um certo suspense. Quando a cossaca Lídia avista o alemão e aponta a arma, você pensa que ela talvez não consiga apertar o gatilho. Aperta. Depois fala num ‘remorso’ totalmente inconvincente, como sugerem as medalhas de sangue com as quais ela aparece já velha. A companheira cossaca se incumbe do outro alemão que aparece na linha do tiro, com a intenção de socorrer o primeiro. Lídia tinha 18 anos e, na rígida moral comunista que dominava a Rússia, é provável que tenha matado um homem antes de dormir com um homem.

As mulheres aprendem logo a fazer as tarefas masculinas. Essa é a mensagem vital que aquela cena bélica transmite. A invasão dos escritórios pelos tailleurs foi uma moleza comparada à segunda guerra. É mais fácil portar um IPhone do que uma AK 47. A cossaca Lídia matou 76 inimigos. Mas foi amplamente superada por outra cossaca, Ludmila, como conta o vídeo. Ludmila liquidou 309 alemães.

A vida muitas vezes é cruel como um, não, como uma cossaca russa.

“Para o homem, o amor é uma das atividades da vida. Para a mulher, é a vida em si.”

10/02/2010

Byron não era mole

Byron não era mole

BYRON, NÃO é segredo para ninguém, foi um grande poeta e um aventureiro sexual infatigável. Era celebrado como um semideus na Londres da primeira metade do século XIX, mas rumores de que gostava também de homens e de que tinha um fraco pela meia irmã fizeram com que ele saísse de circulação.
Mas é para uma afirmação dele que quero chamar a atenção.
Ei-la. “Para o homem, o amor é uma das atividades da vida. Para a mulher, é a vida em si.”
Hmmm.
Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo (quem não leu deve, sobretudo sendo mulher), reafirmou a tese byroniana, no final da década de 40.
Quanto a mim, acho uma frase provocadora, mas obsoleta. A mulher contemporânea, tão ocupada em competir com o homem, fez também do amor uma entre várias atividades. Acho até que muitas delas preferem a carreira ao sexo, a promoção ao orgasmo.
Sinto, e não sei se vocês concordam, que a frase de Byron mofou.

Por que o piercing na vagina causa tanta comoção?

09/02/2010

O dela provocou alarido

HÁ TEMPOS QUERO discutir essa questão. Toda vez que vejo os textos mais lidos neste blog, aparece com destaque um em que uma mulher dizia o quanto gostava do piercing que pusera em sua vagina. Se não me engano, ela afirmava ter orgasmo até quando andava de táxi ou participava de uma reunião tediosa em sua empresa.

Me pergunto, sem uma resposta precisa: tanto fascínio com este tema por quê?

Especulo que seja por uma fantasia. Para muito homem, a mulher que coloca um piercing na vagina é sexualmente atrevida. A imaginação masculina voa com essa dedução. Mas, ainda mais que isso, é o ato da colocação do piercing que me parece mexer com muitos homens; a visão embriagadora de dedos enluvados mexendo, delicadamente, na parte mais íntima de uma mulher. Como ela se comporta? E ele? Se minha hipótese está correta, a excitação falece caso seja uma mulher que ponha o piercing na cliente.

Há também uma questão no terreno da simbologia. A tatuagem num marinheiro mostrava alguma coisa ao resto do mundo. O piercing na vagina parece conferir à mulher que o tem uma posição na elite do sexo.  Somos poucas e boas: é como se elas se vissem assim, imagino.

O fato concreto, em meio a tantas interrogações, é que todo dia o texto do piercing na vagina é um dos campeões de audiência. Bem, o debate está aberto.

“Nada pode deixar a mulher mais agressiva do que a própria natureza, Hernandez!”

07/02/2010

RECEBO UM telefonema de Thunder, meu amigo. Sei que é ele na primeira palavra, porque vem no tom engrolado de quem tomou um pouco mais que o razoável de uísque. É um clássico de Thunder. Ele me trata como Hernandez. Faz um certo tempo que não o vejo. Na última vez, ele estava como uma barba hemingwayana que lhe dava um ar intelectual e quase levava o interlocutor a entrevistá-lo sobre detalhes de Por Quem Os Sinos Dobram.

“Você não sabe o que li, Hernandez”. ele me diz. Não é muito fácil entender Thunder quando bebe, o que significa que não é fácil entendê-lo quase sempre. É um dos últimos jornalistas da era romântica, para os quais o bar era uma extensão da redação e da própria vida.

“Hmmm”, respondo e entro num regime de concentração total para captar suas palavras quase ininteligíveis. Dou uma pausa na Hypemachine, na qual ouvia Gil cantando Three Little Birds, de Bob Marley. Vai dar tudo certo, diz a música. Não se preocupe. Ela pode ter um efeito calmante se você cantá-la interiormente compenetrado. Lembro de uma cena, num documentário sobre Marley, em que a multidão na Jamaica acompanhava Three Little Birds, que tocava num aparelho de som. Era o funeral dele, e as pessoas cantavam e dançavam Three Little Birds num espetáculo de magnética beleza e invencível esperança.

“Vi um artigo sobre aquele tema que você citou outro dia. FGM”, disse Thunder.

“Hmmmm”.

“Sabe o que dizia?”

“Hmmm.”

“Que a mulher sem clitóris fica mais agressiva.”

Era uma pesquisa que tinha sido feita na África, ele me conta. É lá que se pratica mais a FGM, a mutilação feminina do órgão genital. Chamam, falaciosamente, de circuncisão feminina, mas o verdadeiro equivalente seria a castração do homem, transformado num eunuco igual aos que circulavam nos haréns dos sultões.

“Hmmm.”

“Hernandez.”

“Hmmm.”

“Isso eu acho imposível. Deixar a mulher mais agressiva.”

Uma namorada de Thunder certa vez destruiu a porta de um carro que ele adorava a pontapés, numa crise de ciúme. Thunder, lembro, pagou um bom dinheiro para aquela namorada fazer análise. Mas não adiantou. Terminaram e foi ele quem teve que recorrer a um terapeuta.

“A FGM é culpada de muita coisa”, ele diz, engroladamente. “É um crime matar a possibilidade de prazer no sexo. A vida já é muito dura, Hernandez. Se a gente não pode ao mesmo gemer de vez em quando fica impossível.”

“Hmmm.”

“Mas nada pode deixar uma bxxxxx  mais agressiva do que a natureza. Nem a FGM.”

Certas palavras de Thunder não podem ser impressas.

“Hmmm.”

“Hernandez. Mulher que não é agressiva não é mulher. É drag queen.”

A conversa vai seguir desgovernada, como acontece quando Thunder está alcoolizado. Provavelmente ele vai chorar em algum momento e me dizer que posso sempre contar com ele, “meu irmão”. Vou dizer “hmmm” durante o papo e desligar feliz por ter ouvido meu amigo Thunder.

O desejo da mulher que veste burca

05/02/2010

Tá certo proibir o uso?

Tá certo proibir o uso?

PEÇO UM instante da atenção de vocês para iniciar, ou reiniciar, uma discussão. A questão da burca, o véu islâmico. O governo francês quer proibir o uso em locais públicos. Alega que é um símbolo da opressão feminina. Um ministro francês disse que a intenção é aplicar uma multa na islâmica encapuzada. Um outro político disse que se sente “estigmatizado” porque não consegue ver a mulher com burca. (Como disse o Duque de Wellington, quem acredita nisso acredita em tudo.)

Pois bem. Vi, em vídeos, depoimentos de mulheres francesas que usam burca. Uma delas diz que ao usá-la se sentiu livre do machismo dos homens, que olham para a mulher como um objeto e, quando ela envelhece, viram o rosto.

É um ponto.

A Naomi Wolf, a escritora neofeminista, disse uma coisa interessante. Ela falou que viajou para países islâmicos e conversou com mulheres em rodas fechadas. Basicamente, o que ela disse é que a burca não suprime a sexualidade, ao contrário do que muitos ocidentais pensam. Apenas estabelece uma divisão entre o público e o privado, e canaliza a sexualidade da mulher para o marido e o casamento. (A  burca é para a mulher casada, e ela é usada fora de casa. Isso, claro, para as muçulmanas adeptas. Não são todas.)

Alguém disse também não ver muita diferença entre o hábito de uma freira católica e os véus muçulmanos.

Nenhuma discussão que envolva a mulher. no mundo de hoje, é tão intensa como esta travada em torno da burca.

Vou fazer uma pergunta para iniciar a sessão. Que mulher é mais objeto de um homem: a que veste burca ou a que não veste nada, como esta abaixo?

A mulher de cima ou esta aqui é objeto?

O Direito à Preguiça em 10 frases históricas

04/02/2010

Preguiçosos em tudo, exceto em amar e beber

JÁ VI que o tema do trabalho interessa. Então publico aqui dez trechos de um clássico sobre o assunto, O Direito à Preguiça, de Paul Lafargue.  Que era genro do Marx, mas isso não vem ao caso. Foi escrito em 1880, mas tem uma estranha atualidade. Lafargue tinha que ser francês, claro. Seu livro foi uma resposta a um outro que proclamava o Direito ao Trabalho.

1) “Sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em beber, exceto em sermos preguiçosos.”

2)”O trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de toda a deformação orgânica. Comparem o puro-sangue das cavalariças de Rothschild, servido por uma criadagem de bímanos, com a pesada besta das quintas normandas que lavra a terra, carrega o estrume, que põe no celeiro a colheita dos cereais.”

3)” Os filósofos da antigüidade ensinavam o desprezo pelo trabalho, essa degradação do homem livre; os poetas cantavam a preguiça, esse presente dos Deuses.”

4)”Jeová, o deus barbudo e rebarbativo, deu aos seus adoradores o exemplo supremo da preguiça ideal; depois de seis dias de trabalho, repousou para a eternidade.”

5)”O provérbio espanhol diz: Descansar es salud (Descansar é saúde).”

Ele contemplava

6) “A nossa época é, dizem, o século do trabalho; de fato, é o século da dor, da miséria e da corrupção.”

7) “Introduzam o trabalho de fábrica, e adeus alegria, saúde, liberdade; adeus a tudo o que fez a vida bela e digna de ser vivida.”

8  )”Que se proclamem os Direitos da Preguiça, milhares de vezes mais nobres e sagrados do que os tísicos Direitos do Homem; que as pessoas se obrigue a trabalhar apenas três horas por dia, a mandriar e a andar no regabofe o resto do dia e da noite”

9) “O  trabalho desenfreado é o mais terrível flagelo que já  atacou a humanidade.”

10) “A paixão cega, perversa e homicida do trabalho transforma a máquina libertadora em instrumento de sujeição dos homens livres: a sua produtividade empobrece-os.”

Viver do trabalho é bom, mas morrer do trabalho é um erro

03/02/2010

O triunfo da boa vida

RECEBO a visita de meu primo Juan Hernandez. Publicitário. Não que seja preguiçoso, não é. Mas está longe também de ser um soldado da companhia que se voluntaria. Vamos colocar assim: profissionalmente, é um francês. Você pode varar Paris as 24 horas do dia que não vai encontrar ninguém de laptop trabalhando num café. Café e bar são para beber, conversar, flertar para o francês. O trabalho acaba às 5 e ponto. Revoir.

Juan tem o espírito profissional do francês mesmo tendo ascendência caribenha, como eu.

“Meu chefe é um maluco”, Juan me disse. Tratou antes de conversar de pegar uma Guiness na geladeira. “Ele pensa que a vida é trabalhar, trabalhar e ainda trabalhar.”

“Quase todo chefe pensa o mesmo”, eu disse. “Ou não seria chefe.”

“Mas há chefes e há o meu chefe, Fabito.” Ele me chama de Fabito, não sei por quê. É a única pessoa que me chama assim. “Sabe o que ele me disse outro dia? Que se orgulha de não ter ido ao enterro do avô porque tinha que trabalhar.”

“Imagino que um dia ele vá ter vergonha disso, se não for um idiota completo”, eu disse. “Ou vai olhar para os netos e saber que eles não vão segurar a alça na última homenagem.”

Quem glamourizou no Brasil a idéia de prioridade absoluta para o trabalho foi o Grupo Garantia, que depois de vôos espetaculares quebrou no ramo financeiro e acabou se dando bem, com outro nome, no território rústico da indústria cervejeira. Era e é  um conceito importado dos Estados Unidos. Visto o declínio americano, não deve funcionar tão bem assim esse modelo. Os banqueiros americanos estão atolados em dívidas e em antidepressivos.

Juan me olhou com ares visionários, depois de tomar um gole interminável de sua Guiness.

” Ele não vai viver o bastante para ter netos”, disse.

É uma possibilidade real, refleti. Conheci muitos casos de pessoas que morreram de tanto trabalhar, e deixaram órfãos, viúvas e um dinheiro não aproveitado. Viver do trabalho é bom, mas morrer do trabalho é uma pena. Miro Juan a caminho da geladeira, para pegar mais uma Guiness, e gosto de saber que ele não vai morrer de tanto trabalhar, com certeza.

Parabéns por me trair, querida

02/02/2010

"Boa escolha, amor"

"Boa escolha, amor"

OLHA. NÃO VOU dizer que é bom e nem ruim. Apenas é diferente. Os ingleses lidam com a traição de um modo único. Acaba de sair um livro em que uma historiadora, Antonia Fraser, conta o caso de amor que teve com o dramaturgo Harold Pinter, morto em 2008 e Nobel de Literatura três anos antes. Eram ambos casados e houve um tremendo falatório nos círculos intelectuais de Londres.

Quando Antonia foi contar ao marido que estava apaixonada por Pinter, ouviu dele, Hugh Fraser, um parlamentar do Partido Conservador, o seguinte comentário: “É o melhor teatrólogo do mundo no momento. Uma escolha adequada.” Quando os dois homens afinal de encontraram, travaram uma demorada conversa em torno do críquete, de assuntos de política internacional e de Proust.

Isso me fez lembrar de outra história de amor à inglesa. Eric Clapton, por um tempo, frequentou a casa de George Harrison pretensamente por razões musicais e de amizade. Na verdade, estava dando em cima de Patti, a mulher de George. (A Layla de Clapton é Patti.) Patti resistiu por um tempo, mas uma hora cedeu. Foi embora para viver (miseravelmente) com Clapton. (Que depois pegaria Carla Bruni, que pegaria Mick Jagger, parte da Itália e da França e, mais recentemente, Sarkozy.)

Um dia, em plena separação, tocam a campainha e Clapton vai atender. É George, o amigo enganado. Tem um revólver na mão. Aperta o gatilho. Era água. Os dois não deixaram de ser amigos, ao contrário. O espetáculo no Royal Albert Hall em homenagem a George, morto aos 58 anos em 2001, foi comandado por Clapton.  No palco estava Dani, o filho de George com a segunda mulher, Olívia. (Para dar uma filosofada, eu diria que, sem que Clapton levasse Patti, George não teria tido Dani, a sua cara, e nem Olívia,  que segundo os relatos foi uma grande companheira nos momentos duros dele, às voltas com um cãncer provocado pelo cigarro. Mas aqui não é filosofia.)

Nestes dias, um escândalo sexual agita o futebol inglês. John Terry, o capitão da seleção da Inglaterra, casado com sua namorada de adolescência e Pai do Ano em 2009, finalizou, como dizem os cafas, a mulher de um amigo, Wayne Bridge. Ele também é da seleção e os dois casais eram amigos de sair juntos.

A grande indagação é se Terry vai … continuar a ser capitão. É este o drama maior: Terry merece a posição de capitão do selecionado? Quem não é inglês não entende. Tévez, por exemplo, argentino maloqueiro, colocou no último jogo, por baixo da camisa do Manchester, uma camiseta em que dizia ser do “Time do Bridge”. Tévez é tango e fúria, os ingleses são músicas regionais no ukelele e um espírito blasé.

Não estou dizendo que é melhor ou pior. Apenas é assim o jeito inglês.