Archive for Janeiro, 2010

O sexo e o budismo

31/01/2010

Talvez, anos depois desta foto, seja a hora para meditação

CATHERINE MILLET. Conhece? Uma cinquentona francesa que, basicamente, deu para todo mundo e contou. Ela escreveu um livro em que narrava suas múltiplas, e ponha múltiplas aí, aventuras sexuais. A capa você vê aí em cima. Tremendo sucesso. O amante depois faturou também. Publicou um livro com as fotos de sua mulher nua. Mais um sucesso. O casal explorou muito bem o sexo. Voilà.

Não comprei o livro do marido, mas, se não me engano, li o livro de Millet. Não tenho certeza, o que significa o seguinte: se li, perdi tempo e não recomendo. Mas não tive como não me inteirar com a vida dela, contada na época em tudo que era jornal e revista. Interessante como mesmo em nossos tempos você  descrever sua vida sexual num livro é uma fórmula precisa de sucesso. As pessoas estão mais conectadas virtualmente num computador do que nos órgãos sexuais reais, blogam bem mais do que copulam, mas um livro de coitos todo mundo compra.

Pois a francesa voltou, vejo num jornal estrangeiro. Escreveu novas memórias. Que começam com a descoberta, no computador, de que seu marido tinha tido alguns casos. Ela é tomada de um ciúme feroz. O nome do livro é exatamente este, Ciúme. Liga para ele e cobra explicações. O cara avisa que ao chegar em casa vai contar tudo e conta.

O que me chamou a atenção, ao ver a resenha no jornal, foi a cara de pau da velhota francesa. Quem encara o sexo de uma maneira tão natural como ela está moralmente impedido de ciúme sexual. Para viciados em sexo, o ato do coito é tão primitivo e instintivo como respirar ou andar. Como, portanto, ter ciúme de quem anda ou respira?

Pode ser que ela esteja desejando vender mais livros. É uma possibilidade.

Está dito na resenha que ela parou de ter orgasmos ao se masturbar depois que soube das amantes do marido. Exceto ao imaginá-lo, de costas, penetrando-as com fúria. O quê? Extraordinaire.  Me ocorreu imediatamente a bunda chacoalhante, medonha de Willem Dafoe em O Anticristo. Uma visão pavorosa.  Reforçou minha absoluta convicção de que, se nascer mulher em outra vida, serei lésbica.

Há, em toda mulher, uma idade de fazer amor e uma idade de fazer meditação transcedental. (Nos homens também, um pouco depois.) Conheci algumas mulheres que, depois de terem feito sexo quase como Madame Millet, se tornaram monjas de ordens budistas e estão aí fazendo casamentos budistas, palestras etc.

Talvez fosse um bom caminho para ela. Budismo também vende bem em livros.

Ninguém é punido por esse crime sexual contra a mulher

27/01/2010

Como isso pode acontecer?

FALAMOS OUTRO DIA de O Anticristo, o filme de Lars von Trier em que somos obrigados a ver a bunda de Willem Dafoe mais do que gostaríamos. O que eu não disse foi o seguinte: a cena em que fechei os olhos (uma das, ok) foi aquela em que a mulher pega uma tesoura e, num desvario sexual alucinado, corta o clitóris como se estivesse cortando unha.

Ela estava se punindo pelo prazer que a fizera, na cópula desvairada com o marido pouco tempo antes, perder de vista o filhinho do casal. Que despenca da janela.

Bem, dando uma olhada no noticiário, vejo que no encontro anual de líderes mundiais em Davos, na Suíça, haverá um painel para discutir um assunto tratado pelas iniciais: FMG. Vou ver o que é e descubro que é Female Mutilation Genital, mutilação genital feminina. MGF, então. A extração do clitóris, em outras palavras. No filme, a própria mulher tirou sua fonte de prazer sexual, mas na vida real não é isso que acontece. É algo que se impinge.

Entre nós, brasileiros, não é um tema feminino presente nas discussões, ou estou errado? Mas no mundo é. Sobretudo na África e no Oriente, é comum a MGF, e já na infância, como se vê no perturbador quadro acima. Por trás disso, está a visão do sexo como pecado, aliada ao cinismo de dizer que é o equivalente da circuncisão masculina. É uma contradição monstruosa essa visão. Se o sexo não fosse prazeroso, a espécie humana estaria extinta há muito tempo. Nossos ancestrais teriam passado todas as noites jogando baralho e depois roncando, e nenhum de nós estaria aqui. De resto, em sua sabedoria acachapante e indiscutível, a natureza tem sempre razão. Se fez homens e mulheres em idade de procriação se olharem de forma diferente, tinha seus motivos. Não fosse o sexo e nenhum santo existiria. São Paulo, São Pedro, Santo Agostinho, nenhum deles teria oportunidade de fazer as coisas boas que lhes trouxeram a santidade póstuma.

As brasileiras, ao contrário de tantas outras mulheres em outras partes, estão livres do terror da MGF. É uma sigla que jamais vi no Brasil, aliás. Alguém viu? Imagino, porém, que de alguma forma as brasileiras sejam solidárias ao sofrimento alheio. Não correr o risco da tesoura errada (ou da faca errada) no lugar errado na hora errada pelos motivos errados é uma benção. Se eu fosse mulher (e nesse caso provavelmente seria lésbica), estaria pensando agora como é bom ser brasileira.

Quando o sexo mata

24/01/2010

Bom, mas perigoso

Bom, mas perigoso

LI, NO BLOG de um amigo, uma análise sobre O Anticristo, de Lars von Trier, um cara que faz filmes originais, inventivos e provocadores. No blog está escrito que é um filme que, ao contrário do que muitos críticos disseram, defende o sexo moderado, e não alucinado como o que pratica o casal interpretado por Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg.

Vi O Anticristo e recomendo, mesmo que em certas passagens convenha fechar os olhos ou ir ao microondas preparar pipoca deixando o filme correr. E é mesmo paradoxal: embora haja muito sexo (incluído logo no começo um pênis intumescido, para usar um adjetivo digno de Alexandre Herculano), o que Trier diz é que a virtude está no meio, conforme a tese clássica de Aristóteles.  Nem avaro nem pródigo, nem humilde nem arrogante, nem desleixado nem escravo do espelho.

Sexo desvairado pode matar inocentes, mostra O Anticristo. Um minuto para o trailer:

A trama gira em torno de um casal que numa sessão de cópula frenética está tão entregue à luxúria que negligencia seu bebê, que sai do berço e acaba despencando da janela rumo à morte na calçada distante e esbranquiçada pela neve. Eles vão convalescer no mato, e o sexo fica ainda mais animal, e então o horror se instala definitivamente. É um filme que poderia ser mostrado com as devidas explicações e certos cortes, numa sala de aula, como parte da educação sexual dos adolescentes. Prestem atenção para que isso não aconteça com vocês, diria no fim a professora de óculos e camisa abotoada até o último botão.

E no entanto foi tomado por muita gente como obsceno. Anais Nin escreveu que, uma vez você iniciado no sexo anormal, é difícil retornar ao normal. Trier, em O Anticristo, diz que você deve pensar bem antes de levar sua vida sexual a extremos como, sei lá, David Carradine, que se enforcou involuntariamente na busca do êxtase pela auto-asfixia erótica e ficou pateticamente pendurado pelado pelo pescoço. Pode parecer careta, moralista, mas é verdade.

Os homens, as mulheres e a Tríade Sinistra

22/01/2010

Todas querem caras assim

Todas querem caras assim?

TRÍADE SINISTRA, para mim, era Hitler. Stálin e o Muro de Berlim. Mas há poucos dias soube que existe um significado sexual e evolucionista para esta expressão. Tríade Sinistra é uma espécie de ordem masculina da qual o patrono é James Bond. A má notícia para integrantes da Tríade Sinistra, segundo alguns estudiosos, é que eles são narcisistas, manipuladores e sociopatas. A boa é que eles pegam todas. Fazem muito mais sucesso, entre as mulheres, que nós, os bem-intencionados. James Bond, por exemplo. Seu divertimento predileto é matar pessoas enquanto brinca de salvar o mundo. Só quer, como um legítimo cafa, finalizar mulheres exuberantes para logo depois levantar as calças e mais uma vez defender a humanidade de vilões que por mais que se empenhem chegarão mortos ao fim do filme. Nenhuma resiste a ele. Não porque o cinema coloque em sua pele galãs como Sean Connery ou Daniel Craig, segundo alguns cientistas, mas porque ele tem em dose extraordinária todos os ingredientes da Tríade Sinistra.

Os bonzinhos desde sempre suspeitam que os caras maus ganham muito mais mulheres que eles. É uma lenda urbana global e milenar. Segundo essa lenda, as coisas funcionam mais ou menos assim. O bonzinho serve de ombro e lenço de papel quando a mulher que o desprezou sofre pelo canalha indiferente. Um exemplo recente me ocorre. O jovem cafa irlandês que pegou um dinheiro da velha e assanhada primeira dama que sequer era dela. Me chamou a atenção, numa entrevista que ele concedeu a uma televisão, o sorriso cínico que ele em vão tentou esconder quando disse ao repórter como ela o tratava. Ela terminou numa clínica de repouso mental, depois de tentar se matar quando o irlandês adolescente deu bota com a desculpa de que sofria de câncer no testículo; e ele terminou no café legal que abriu em Belfast com o dinheiro que a amante despachada lhe deu. O marido, um bonzinho clássico que se apressou em perdoar publicamente e aproveitou para avisar ao mundo que jamais a traíra em 30 anos de casamento, serviu com certeza de ombro e lenço de papel depois da  brutal notícia do câncer no testículo que sua mulher recebeu do amante debochado.

Para usar este exemplo no desdobramento inevitável. O drama da mulher que se rende aos Condes Vronskis —  outro símbolo ilustre da Tríade Sinistra, o irresistível canalha russo pelo qual Ana Karenina largou marido e filho para depois se atirar sob um trem  —  o drama ,eu dizia, é que, mal terminaram os gemidos alucinados, o cara já está pensando em outra. O pós-coito, para o cafa, é  o tempo exíguo de planejamento da próxima conquista predatória sexual. Os ambíguos cavaleiros da Tríade Sinistra são romanticamente instáveis como um asfalto durante um terremoto. Enfeitiçam, derrubam e partem, e consideram cumprida sua missão. Deixam o palco para que o bonzinho faça o que se espera dele. Seque as lágrimas e suporte, paciente e solidário como um eremita hindu, o desabafo massacrante.

É uma expressão assustadora, Tríade Sinistra. E de certa forma coloca homens e mulheres em situações estereotipadas. Mas quantas histórias você já viu e viveu que se encaixam nessa tese?

‘Todo o mal que me fizeram não se compara ao mal que eu mesmo fiz a mim’

20/01/2010

Uma foto que mostra a forma física e mental

Uma foto que mostra a forma física e mental

HÁ UM TEMPO para nascer e um tempo para morrer, está escrito no Eclesiastes, uma das passagens mais bonitas da Bíblia. Bem como há um tempo para chegar e há um tempo para partir. Assim são as coisas.

Sempre reflito sobre o Eclasiastes, e citei-o ao longo do caminho um sem número de vezes. Sou um obsessivo nas minhas referências, de Gatsby ao Conde Vronsky, de Judite a Betsabá, de Capitu a Muhammad Ali, de Lennon a McCartney, de Klimt a Hopper, de Leone a Woody Allen, de Marco Aurélio a Sêneca, de Montaigne a Epicuro, de meu pai a meu tio. (Que saudade do Papai!)

A sabedoria eterna do Eclesiastes ensina você a aceitar que há uma fase para tudo. Pensei nisso quando vi esta foto de Ivana Trump, ex-mulher de Donald. Ivana, aos 60 anos, está participando de um reality show com celebridades nos Estados Unidos, e nesta foto ela revelou ao mundo sua forma física e, por que não, mental. Roupa íntima, barriga encolhida mas não o suficiente, salto alto, mãos para cima para ajudar no equilíbrio precário das coisas.

É uma mulher rica, mas todo o seu dinheiro e mais o do ex-marido não compram o que ela mais gostaria: 30 anos a menos, sendo que por unzinho só subtraído ela com certeza usaria sem misericórdia o cartão de crédito.

A foto, longe de ajudar a causa das sexagenárias em busca de um fogo que a natureza põe e tira na hora certa, atrapalhou ainda mais. Essa causa já tinha sido abalada, antes dessa foto, pela derrapagem sentimental da primeira dama da Irlanda do Norte, Iris Robinson, que enganou o marido e a si própria ao derrubar um adolescente que só se livrou dela ao alegar câncer no testículo. (Esta é, desde já, uma séria candidata ao título de Desculpa do Ano. Com certeza outros garotos assediados por mulheres que poderiam ser sua avó utilizarão o câncer no testículo. Até que uma senhora mais desconfiada peça um exame que comprove, muitos enroscos serão desatados por garotos espertos e enfastiados.)

Para a mulher, como para o homem, é verdade,  há um tempo para mostrar o corpo e outro para ocultar, ou, na hipótese mais benigna, exibi-lo sob luzes adequadas, ao estilo das boates de antigamente. Sob os quilowatts adequados, a imaginação pode se sobrepor à crua realidade, e então estará tudo bem. As muçulmanas mais ortodoxas não têm este problema, uma vez que a burca esconde primeiro a beleza e depois o declínio. Mas as ocidentais não têm a burca, e não querem. Portanto, a solução não está no guarda-roupa, mas na mente sadia que permite ver o momento de acelerar e o de frear.

A burca resolve a questão para as muçulmanas

A burca resolve a questão para as muçulmanas, mas não para as ocidentais

As leitoras aqui deveriam guardar esta foto e, de tempos em tempos, olhá-la e dizer para si mesmas: “Juro que nunca, jamais, farei isso comigo mesma.” Oscar Wilde escreveu o seguinte: “Todo o mal que me fizeram não se compara ao mal que eu próprio fiz para mim.”  O próprio Wilde foi para a cadeia ao se atirar, como Mrs Robinson, aos braços de um garotão e abandonar a mulher e os filhos no moralismo vitoriano que reinava em seu tempo na Inglaterra. Ivana Trump, neste animado e espalhafatoso desfile atrasado algumas décadas, se encaixa muito bem na frase sábia de Wilde.

Você é viciado em sexo?

19/01/2010

Rasputin orava, bebia e copulava em enorme quantidade na Rússia imperial

O BUDA TINHA o seguinte método de se livrar de um desejo sexual inoportuno. Imaginava a mulher excitante que o provocava sexualmente como uma velhota, uma Sophia Loren aos 75 parecida com o Cauby. Envelhecia-a. Podia até transformá-la mentalmente num cadáver putrefato, como aqueles que você vê em filme de terror, carne se descolando do osso num espetáculo, para usar palavras de Euclides, truanesco e pavoroso.

Acabou.

É um bom método, a não ser pelo detalhe de que nem todo mundo tem a força mental do Buda. Me ocorreu essa história quando li que Tiger Woods está provavelmente internado numa clínica para viciados em sexo e Iris Robinson, a primeira dama irlandesa sessentona que se enfiou numa aventura com um cafa de 19, descansa numa casa para desequilibrados mentais.

Não são budistas, os dois. O sexo os controlou, em vez de ser controlado. Também não são aristotélicos. Aristóteles, discípulo de Platão e professor de Alexandre o Grande, disse que a virtude está no meio. Nem avaro e nem gastador. No sexo, nem maníaco e nem indiferente.

O problema, como no caso do alcóolatra, é como você pode admitir que é viciado em sexo antes de ter problemas como Tiger Woods e Iris Robinson. Repare nas pessoas que bebem muito. Qual delas reconhece o alcoolismo?

O viciado em sexo, ou a viciada, tem mecanismos mentais opostos aos do Buda. O cara vê uma mulher interessante e, em vez de pensar em algo que lhe subtraia o apelo, imagina-a nua, lânguida  a seu dispor.  A viciada faz o mesmo. Ela enxerga Jesus (o da Madonna) onde deveria ver, por exemplo, o Sarney.

Para tirar a dúvida sobre sua condição, existe um teste, elaborado pela clínica em que Tiger Woods pode estar. Fiz agora há pouco e, como já desconfiava, não, não sou viciado, embora coloque o sexo na mesma lista sagrada de delícias como o Nescau e a música dos Beatles na primeira fase, a da franja e dos risos. Parece uma comparação profana, mas fazendo as contas já passei, na vida, períodos maiores sem sexo do que sem Nescau ou sem ouvir She Loves You.

Bem, recomendo a feitura do teste. Dá uma boa discussão.

A lógica da guerra é a mesma do amor

17/01/2010

Todo esse decote à sua disposição e mesmo assim Guido Contini está destruído em Nine

O CARA ESTÁ EXAUSTO, mentalmente e fisicamente, como se estivesse num carro em alta velocidade que se encaminhasse para um muro com o pedal do acelerador preso no fundo. A mulher está virada na cama para o outro lado, tentando fugir dele, de si mesma e de ambos como casal. Ele vem com a lengalenga habitual do homem que trai diante da esposa que ele não quer perder. Ela diz uma verdade eterna: ele deve mesmo estar cansado no limite porque a vida do adúltero é uma descida cotidiana ao Hades. Mentiras, correrias, hipocrisia, momentos fugazes de satisfação sexual num oceano de culpa e preocupação.

É a melhor cena de Nine, o musical. E curioso: em meio a tantas danças superiores, como se poderia esperar de alguém que dirigiu Chicago, o ponto alto é um simples diálogo. Porque retrata a miséria do adultério em toda a sua grandeza deslumbrante.

Quem vê uma imagem como a daqueles maços de cigarro, alguém entubado suplicando pela morte, imagino que pense melhor antes de fumar. Quem vê a cena de Nina a que me refiro deveria fazer o mesmo antes de baixar o zíper. Não por moralismo, mas por autopreservação e, ao mesmo tempo, preservação dos circunstantes. O adúltero é atormentado e transmite tormenta aos demais personagens da história. Em Nine, um Guido Contini (Daniel Day Lewis igualzinho a Caetano Veloso) apenas leva sofrimento maciço a si mesmo, sua mulher, sua amante e ao marido desta, fora a velhota que o trata maternalmente.

Os tolos imaginam que o adúltero tenha uma vida de prazeres. Mas é o oposto. Nine, em que você vê Sophia Loren assemelhada pelas plásticas a Cauby e Penélope Cruz pelo silicone a Angelina Jolie, vale um segundo ingresso por mostrar isso.

Um soldado extraordinário pela capacidade e compaixão disse que a única coisa pior do que vencer uma batalha é perder uma batalha. Mesmo na vitória você perde e enterra gente que lhe é cara. Há uma frase grega que diz o seguinte: o vencido está destruído. O vencedor, perdido.

A lógica da guerra é a mesma do amor. O traído está destruído. O traidor, perdido.

Numa traição, o problema maior é de quem trai, e não de quem é traído

15/01/2010

Muitos brasileiros bravos deram a vida na Guerra do Paraguai

ESCREVI TANTO sobre traição nos últimos dias, e presenciei um debate tão instigante entre os convivas deste blog, que me lembrei agora há pouco de um conto menor de Machado de Assis que trata exatamente disso: Um Capitão de Voluntários. Gostaria que fosse lido e discutido aqui, se não for um incômodo. Ei-lo.

Bem, o narrador é quem trai. Tudo é sutil, como sempre, em Machado. O traidor é tomado por um remorso que não é grande senão por fazê-lo sentir-se pequeno. A traidora se atormenta, mas já não há volta: perde o velho amor e não quer quem pode ser o novo. O traído, o capitão do título, vai estoicamente ao encontro de seu destino. Não explode, não enlouquece, não comete crime nenhum em nome da honra. Apenas alista-se em uma guerra, a do Paraguai, onde se comporta com uma coragem temerária que sugere ao narrador que o amigo traído estava buscando, muito mais que o brilho das medalhas, a paz da morte. Os sobreviventes que seguissem adiante com o peso da culpa.

Não sei dizer por que, ou talvez saiba, Um Capitão de Voluntários foi, durante um bom tempo, uma de minhas obsessões literárias. Li-o várias vezes, citei-o em contos outras tantas, sugeri sua leitura não sei em quantas ocasiões. O capitão, nomeado apenas no final, é um grandioso desconhecido personagem da literatura brasileira. Bravo, forte, controlado, ele de alguma forma remete ao homem vivido por Clint Eastwood em Gran Torino naquele instante em que ele diz à sua improvável e jovem amiga chinesa que é preciso muito cálculo ao tomar uma decisão como a que as circunstâncias exigiam dele.

O capitão, e talvez daí venha minha enorme admiração por ele e por seu criador, é uma eterna lembrança de que, na traição, o ônus maior cabe a quem trai, e não a quem é traído.  Santo Agostinho, num momento em que monjas católicas se matavam em série depois de terem sido estupradas num convento tomado por bárbaros, estancou os suicídios ao afirmar que o opróbrio é de quem pratica e não de quem sofre a violência sexual. A mesma lógica vale para a traição, por mais que, em sua incomparável leviandade amorosa, pareçam leves e felizes homens e mulheres que voltam de um encontro sexual e, na maior, afirmem que a reunião na firma demorou mais que o esperado e o celular tinha que permanecer desligado.

O que assassina o amor é a lorota premeditada

14/01/2010

O amor traído termina como a Ofélia pré-rafaelita: sem respiração

MINHA AMIGA BLONDE acha que peguei duro na questão da traição. Que fui muito careta. Blonde usa muito bem as palavras, e me fez pensar uma segunda vez no assunto.

No entanto, mantive fundamentalmente minha idéia. A traição mata um romance.  Afoga o amor como se este fosse a Ofélia pré-rafaelita de Millais. Ninguém perdoa, embora muitos homens e mulheres finjam perdoar. A confiança amorosa leva uma vida para ser construída e um passo falso a destrói num segundo.

Agora. Se existe num casal um acordo em relação a um sexo aberto, aí é outra história. Não configura traição. Há até uma cumplicidade na decisão de cada um ampliar, por acordo, seus limites sexuais e afetivos. Muito bonito. Mas dá certo? Para ser franco, jamais vi um caso de casamento aberto que efetivamente funcionasse. Não sei se Blonde conhece algum. Esqueci de perguntar.

Alguém conhece?

Quanto à traição clássica, ela é imperdoável porque envolve mentira e hipocrisia, como vocês devem ter visto no caso da primeira-dama da Irlanda do Norte, a sessentona que finalizou um garoto bonitinho 40 anos mais moça enquanto frequentava a igreja e dava lições de moral para os pecadores. Quantas vezes ela terá dito ao marido que ia esticar o expediente, ou que ia visitar uma amiga, quando na verdade ia  entregar os vestígios de sua beleza perdida a um adolescente? O marido pediu licença de seis semanas e disse que perdoa a mulher, mas quem acredita nisso, como disse Wellington, acredita em tudo.

Mais que a traição em si, o que assassina o romance é a lorota premeditada. É o homem ou a mulher chegar tarde em casa e ainda receber um leitinho quente em solidariedade de você num pós-coito em que você é um obstáculo a superar rumo à cama.

Se você combina com sua namorada ou seu namorado que ninguém é de ninguém, é outra história. Mas nunca vi isso de verdade. Vi, aqui e ali, ilusões de liberdade sexual, despedaçadas pela dura realidade de uma ausência de ciúme que costuma ser minada pela consciência da cópula do outro com um terceiro ou uma terceira. É uma situação que funciona bem melhor na fantasia do que na realidade.

Mas posso estar enganado, como gosta de dizer minha amiga Blonde. Posso sempre estar enganado.

Confúcio ajudou a China e pode ser útil a você também

12/01/2010

TRÊS SÍLABAS explicam o fenômeno da China. Con-fú-cio. Os chineses seguem os ensinamentos de Confúcio há 2500 anos. Confúcio é um semideus na China. Nunca escreveu um livro, mas discípulos atentos registraram o que viram e ouviram num pequeno livro chamado Analectos. É fácil, prático, simples de entender. Não tem abstrações, não tem metafísica, não tem a enrolação pseudoerudita tão comum nos filósofos ocidentais, sobretudo os modernos e franceses. A China seguiu Confúcio e deu no que deu. Pode dar certo com você também, por que não? Adaptei alguns ensinamentos do Mestre, como o chamavam seus seguidores, às coisas do coração. Apenas para facilitar, vou escrever sob a perspectiva masculina, mas é claro que tudo serve também para as mulheres. Basta trocar o gênero nos aforismos. Para ambos serve também uma frase específica de Confúcio, tão grande em estatura moral que seus contemporâneos lhe atribuíam fisicamente a altura improvável de 2 metros e 30, algo que 25 séculos depois faria o sábio chinês olhar de cima para baixo os grandalhões da NBA: “Nunca conheci ninguém que preferisse a sabedoria ao sexo.” Se sua altura parece francamente exagerada, é fato que Confúcio conheceu muita gente na China em que viveu.

1) Não lamente não ter uma mulher interessante e sim não se tornar digno dela; não sofra porque ela não reconhece você e sim porque não merece ser reconhecido;

2) Os defeitos da mulher a definem. É exatamente pelos defeitos que você pode avaliar as virtudes dela;

3) A mulher que se apressa demais no amor não vai longe; aquela que procura pequenas vantagens no relacionamento perde as grandes coisas;

4) Com uma mulher honesta, fale francamente e aja abertamente; com uma mulher perigosa, modere a língua;

5) Se você se dirige a uma mulher sem antes verificar se ela está prestando atenção em você, é cego;

6) Se você se envergonha de suas roupas, não merece ser escutado por ela;

7) O autocontrole raramente leva ao mau caminho; prefira as mulheres que o têm;

8 ) Mais importante do que o que a mulher diz é o que faz;

9) Não pense três vezes antes de agir em relação a uma mulher: duas são suficientes;

10) Não tenha esperança de encontrar uma mulher perfeita; fique feliz se achar uma que tenha princípios.

Sivemu, Hombre. (Ou: o erro dele foi tuitar em vez de folosofar.)

10/01/2010

Amigos até o fim

“PAULO?”

“Não acredito. Você? Fabio Hernandez, o Homem Sincero? Faz uns dez anos que você não me liga, Hombre. Não vai me dizer que alguém morreu.”

“Sei lá. Bateu saudade. Soube que você tava por aqui.  Nem sabia mais se seu celular era esse e arrisquei.”

“Pena que você me ligou muito em cima, Hombre. Amanhã tou indo embora. Adoraria tomar uma cerveja com você no São Cristóvão. Mas.”

“Sei que você tá morando longe.  Te leio.”

“Também te leio, Hombre.”

“Quer dizer que cada um de nós pelo menos tem um leitor. É um bom começo. Ou um mau final?”

“Veja as coisas pelo lado positivo sempre,  Hombre. Como o Confúcio ensinou.”

“Você tá blefando, Paulo. Isso tem muito mais cara de Paulo Coelho que de Confúcio. Ver as coisas sempre pelo lado positivo. Você costumava citar dois filósofos gregos …”

“… um que ria diante da miséria humana e outro que chorava. Outros filósofos, depois daqueles dois, usavam essa diferença de atitude para aconselhar as pessoas a rir em vez de chorar, Hombre.”

“Num determinado momento achei que você ia virar filósofo, Paulo. Putz, posso te chamar de Teco?”

“Claro, Hombre.  Os apelidos de infância vão ficando cada vez mais doces à medida que os anos passam. Te remetem para os tempos em que a gente era feliz. Adoro ser chamado de Teco.”

“Meu, a gente é feliz na infância porque não precisa tomar decisões. A felicidade acaba quando passamos a ser obrigados a decidir.”

“Eu jamais teria virado filósofo, Hombre. Sou repórter. Minha sabedoria cabe numa lauda. Em meia lauda, na verdade.”

“Lauda, Teco? Caraca. Fazia muito tempo que não ouvia essa palavra. Deve ter saído já do dicionário. O seu erro foi tuitar em vez de filosofar.”

“Hombre. Achei que você ia se especializar em escrever textos de despedidas. Num determinado momento, nas suas histórias, parecia que nenhum casal se encontrava. Apenas se desencontrava.”

“É uma ironia, Teco. Eu, péssimo para despedida, escrevendo tanto sobre despedida. Podia estar escrito no meu cartão, se tivesse um. Especialidade: textos de despedida.”

“Nos últimos tempos, você ampliou  o repertório. Listas, humor.”

“Voltei a rir quando escrevo, Teco. Isso não acontecia desde os primeiros tempos da VIP. Naqueles dias em que você dizia na redação, a quem reclamava mais seriedade nos textos, que quem queria coisas realmente sérias devia ler Proust.”

“Jura que eu falava isso? As pessoas dizem que eu dizia uma porção de coisas. Olha, não participei do debate da arte e da pornografia no seu blog. Mas A Origem do Mundo é grande arte. Quando fui ao D’Orsay fiquei 40 minutos olhando pro quadro. Pornografia é o Boris falando dos garis. O Courbet poderia servir de prova de que Deus existe para quem quisesse comprovar isso.”

“Teco. Lembra aquela vez que a gente passou um mês na casa do seu pai na praia com pão pullman, presunto, queijo e nescau?”

“Hombre, o sol saía às 6 da manhã naquele verão ou é minha imaginação?”

“Naqueles verões só fazia sol, Teco. Não me lembro de chuva nem na alma e nem no céu.  Aquela menina da esquina. Lembra?”

“Todos éramos apaixonados por ela, Hombre. Achei que ela estivesse a fim de você. Lenira. Era um nome que durante anos me fez tremer ao lembrar. Num certo momento decidi que se tivesse uma filha chamaria de Lenira. Você …  saiu com ela?”

“Nada, Teco. Ok, uma vez, e que beijo, mas foi só. Mas uma vez escrevi um conto em que um garoto, eu, ganhava a menina mais linda da praia, ela. Acho que foi o único final feliz que consegui escrever.”

“Annie Hall, Woody Allen, cena final, Hombre. Tudo acabou e o cara faz uma peça de teatro em que a conversa final tem outro desfecho. Em vez de ela ir embora, ela diz que ama o cara e não pode viver sem ele. E aí o cara olha para a câmara e diz que, se na vida real as coisas são duras, na ficção podem ser melhores. A Diane Keaton cantando naquela barzinho Seems Like Old Times vale a filmografia inteira de muitos cineastas admirados pela crítica.”

Seems like old times: Annie Hall

“Um dos meus três filmes favoritos, Teco. Annie Hall, Corrida contra o Destino e A Mulher do Lado. Nem com você …”

“… nem sem você.  A frase final de A Mulher do Lado. Certos amores são assim mesmo, Hombre. Você sabe.  O Depardieu tava magrinho, e a Fanny Ardant era uma brunette incrível. Eu acrescentaria Duck You Sucker nessa lista. ”

“Vem cá, Teco.  A Fanny Ardant precisava mesmo ter dado aqueles dois tiros? E depois do sexo, em pleno fastio pós-coito?”

“Sem os tiros seria um filme banal, Hombre. Não existe um grande filme que não seja trágico. Comédia só serve para comer pipoca. E o Truffaut sabia disso. Reparou que você não ri nos filmes dele?”

“Teco?”

“Hombre?”

“Continua ateu ou teve uma súbita iluminação?”

“Deixei de acreditar no Trotsky, Hombre, mas isso não significa que tenha passado a acreditar em Deus. Quer dizer apenas que não acredito mais em nada, exceto talvez  uma boa reportagem que eu por acaso consiga escrever.”

“Mesmo assim, Teco. Escuta. Vai com Deus.”

“Hombre.”

“Hmmm.”

“Também eu fiquei ruim de despedida. Que nem você. A única diferença é que não escrevo sobre elas.”

“Ainda bem. É monopólio meu. Ah, tua mãe?”

“Putz, não quero nem pensar em me despedir dela amanhã, Hombre. Evito falar com ela no Skype porque dói. Escrevi tanto sobre meu pai e tão pouco sobre ela. Vou à casa dela agora.”

“Ainda ali no Previda?”

“Sure, Hombre. Onde nasci e cresci. Na José Rubens 117.”

“Será que ela lembra de mim? Dá um beijo nela por mim, Teco.”

“Sure, Hombre.”

“Lembra como a gente se despedia na faculdade, Teco?”

“Sivemu. Claro que lembro.”

“Sivemu, Teco.”

“Sivemu, Hombre.”

Sobre a traição

09/01/2010

VOCÊS ACHAM QUE tem solução este casamento?

Os fatos: a mulher, de quase 60 anos, três filhos, fica chocada com a doença que está matando um amigo. Antes de morrer, ele pede a ela que olhe por seu filho único, de 19 anos. Ela promete que sim. Morto o doente, ela se aproxima, maternal, do garoto 40 anos mais novo. Mas logo o sentimento maternal vai sendo substituído por lascívia, por instintos básicos, e os dois se tornam amantes na clandestinidade. Ela pede a empresários conhecidos que financiem um projeto do jovem namorado, um café. Consegue, e o café é aberto. O caso não dura muito. Ela pede o dinheiro de volta e nada. Desesperada, tenta se matar e nada. O marido finalmente sabe de toda a história. Diz que perdoa a mulher e que ambos vão se empenhar em resgatar o casamento.

É uma história real em que o fato central é a traição.

Vou dizer o que acho sobre o tema da traição, quer de uma mulher ou de um amigo. Lembro uma frase que li num romance de John Le Carré, um dos meus escritores favoritos, um mestre das tramas de espionagem. Um personagem diz a seguinte frase: “Mulher que me estapeou não teve uma segunda chance.”

É isso, folks.

Para mim, a pessoa que trai não tem uma segunda chance de trair.  Uma ponte foi explodida e jamais pode ser reconstruída como era antes, quer seja no amor, quer seja na amizade. Já traí uma mulher e fui supostamente perdoado, mas era uma anistia só na embalagem, como o tempo rapidamente mostraria. Já fui também traído por uma mulher, e logo vi que também minha anistia era fajuta. Era a parábola de Le Carré: não havia, verdadeiramente, uma segunda chance. Conheço gente que tentou, e foi um tormento.  A lembrança acorre, a cicatriz se reabre imprevistamente, o sangue jorra sobre a paz e a felicidade. Aprendi, traindo e sendo traído no amor, que você tem que pensar muito bem antes de dar o passo a partir do qual não há volta.  O marido do caso que contei está dizendo que perdoou a mulher. Sinceramente: não acredito. Quero ver no quarto do casal, na hora de dormir, o que eles vão conversar. Num caso clássico, Hillary Clinton perdoou, entre aspas, o marido Bill, segundo é amplamente acreditado nos Estados Unidos, em troca do apoio a sua candidatura presidencial, afinal frustrada por Barack Obama. Um perdão de mentirinha.

Na amizade é o mesmo. Montaigne escreveu que dois amigos são como um tecido tão bem cosido que você não nota a costura. A traição despedaça este tecido tão sublimemente descrito por Montaigne, que mesmo com uma alma quase invencível pela filosofia estóica que praticava ficou simplesmente aniquilado pela morte de seu maior amigo, La Boetie. São comoventes as palavras de Montaigne, em seus Ensaios, sobre seu amigo morto.

Há uma cena em Era Uma Vez na América, de Sergio Leone, em que dois caras que tinham sido os melhores amigos na infância e juventude se reencontram, já maduros. Um está rico, o outro pobre. O amigo rico se encheu de dinheiro por ter traído o outro. Todo o dinheiro que ele tem não lhe traz paz, no entanto. Ao olhar o amigo traído, ele tenta alguma reconexão.  “Lembra …” Impassível, o amigo traído diz: “Uma vez conheci alguém e gostava muito dele. Mas esse alguém morreu.” E vai embora, sob a música acachapante de Enio Morricone.

O amigo que trai, como a mulher que dá um tabefe na reflexão de Le Carré, não tem, para mim, uma segunda chance de trair. Você pode vê-lo por acaso na rua, como no filme de Leone, mas ele é apenas um fantasma, a imagem evanescente e desfocada de alguém em quem certo dia você confiou.

A Origem do Mundo: grande arte ou pornografia?

08/01/2010

A Origem do Mundo, de Courbet Agora então passemos, por um minuto, a uma discussão de outra natureza: artística.  O quadro acima, de Gustave Coubert, está no Museu d’Orsay, em Paris. Para mim, do alto de minha desumana ignorância artística, é a maior celebração à anatomia feminina jamais feita por um pintor.  É um trabalho de 1886, e seu primeiro dono foi um milionário árabe libertino que montou, em Paris, uma coleção de obras dedicadas à nudez das mulheres. O azar no jogo obrigou-o a se desfazer delas para pagar as dívidas. Não se sabe o que aconteceu com o quadro nos anos imediatos; era muito falado e pouco visto. Antes de se incorporar ao d’Orsay, em 1995, a Origem do Mundo pertencia ao psicanalista Jacques Lacan. Segundo o site do d’Orsay, o virtuosismo de Courbet impede que o quadro caia no terreno da pornografia.

Não vejo muita lógica nisso, para ser sincero.  Se ele fosse menos bom então seria pornografia? Apenas gosto, e muito, do quadro. Poucas visões são mais reconfortantes neste mundo cruel como um cossaco russo e grosseiro como um cigano búlgaro do que esta que nos oferece Courbet, exuberante e acolhedora. Mal nenhum pode nos ocorrer enquanto estivermos sob sua proteção.  Courbet era um anarquista, um provocador, um gênio, e incrivelmente parecido com Johnny Depp no papel de pirata do Caribe, como se pode ver em seu auto-retrato, abaixo. Para mim,  A Origem do Mundo é grande arte.  Courbet morreu em 1897, aos 58 anos. Disse ele não muito longe da morte: “Sempre fui livre. Deixem-me terminar a vida livre. Quando eu morrer, que digam de mim: ‘Não pertenceu a nenhuma escola, a nenhum partido, a nenhuma religião, a nenhuma academia, e muitos menos a algum regime exceto o regime da liberdade’.”

Gostaria de ouvi-los,  amigas e amigos.

Um auto-retrato

O manual da caçadora do homem perfeito na Era Digital

07/01/2010

NOVE COISAS EXTRAORDINARIAMENTE vitais para a mulher que irá, em 2010, à caça, de acordo com as idiossincrasias clássicas masculinas:

1) Cuidado, ao usar os modernos recursos tecnológicos, para não dar a ele a impressão de que você está caçando, mesmo que esteja. Treine um ar distante, meio blasé, à francesa. No mundo concreto, isso significa não mandar email nas primeiras 36 horas depois que você conheceu um cara interessante. Chamar no celular, apenas depois de 48 horas.

2) Dê um Google News para se atualizar antes do primeiro encontro. A oferta de mulheres é alta, dada a demografia amplamente favorável aos homens; a preferência é por aquelas que estejam sintonizadas com as coisas. Use a tecnologia a seu favor.  Se você mostrar algum conhecimento sobre, por exemplo, a nova casa do terror, o Iêmen, vai impressionar qualquer homem que não seja obtuso. Atenção: os nativos do Iêmen são iemenitas, não iemenianos ou iemenienses, e a capital é Sana, não Xana.

3) No primeiro coito, não conte piadas. Nem no segundo e no terceiro. Melhor nunca. Fora ver na mulher a mãe ou a avó, nada é tão antiafrodisíaco para um homem quanto tentativas de humor no sexo. O glamour sexual impõe seriedade, concentração, voz sussurada misturada a gemidos suaves. Nada que remete a standup comedy.

4) Jamais recuse uma moeda a quem pedir quando você estiver com um potencial namorado. Sorria ao dá-la. É a era da generosidade, da retribuição. O homem que não seja um ególatra desprezível vai se impressionar bem com alguém que se compadeça com a pobreza.  Tenha na mente boas frases para a ocasião, tipo: “A miséria de qualquer pessoa me diminui, porque pertenço ao gênero humano.” Você dará muito azar se ele souber que esse é um verso adaptado de John Donne.

5) Ao pedir carne num restaurante, pense no animal que foi morto, agradeça mentalmente a ele o momento bom que você está vivendo e, se for o caso, diga que está pensando em aderir ao vegetarianismo. Existem razões éticas e ambientais para reduzir o consumo de carne, fora os aspectos puramente de saúde. Se o homem com quem você estiver não for um mentecapto, ele gostará de discutir assuntos como a proposta feita no final de 2009 por vegetarianos ilustres como Paul McCartney de escolher um dia da semana para não comer carne. Caso você seja vegan, evite discursos de mais de 70 segundos pela causa nos primeiros 45 dias.

6) Nos primeiros três envios de email passe a ele links interessantes, como um cover de Petula Clark dos Beatles. Preste atenção na grafia correta das palavras, mas não se incomode em usar as reduções inventivas da língua da internet, como aki.  No mundo do excesso de informação, se você tem atributos de um bom filtro no mundo digital — isto é, em meio a tanta coisa ruim sabe escolher o que faz diferença — será valorizada por todo homem que não seja um imbecil. Boa capacidade de expressão conta muito, desde que o cara não seja um analfabeto repelente.

7) Não cometa o engano de achar que mostrar seu IPhone vai deixá-lo de queixo caído. Modéstia é uma virtude que ganhou nova força na Era Digital, bem como simplicidade. Ter um IPhone é ok, mas mostrá-lo ostensivamente não. Só um babaca deslumbrado e pobre de espírito e de conta bancária vai achar legal.

8 ) Nunca, jamais tuíte durante uma conversa nos primeiros 70 dias. Você estará dizendo que dá mais importância ao twitter do que a ele. Tuitar no coito, desde que com intuitos eróticos, pode e às vezes deve. Se tiver mais seguidores que ele, não comente. Ele achará você arrogante e pretensiosa. Só os boçais se impressionarão com o seu cartel de seguidores. Ainda no capítulo do twitter, convém não seguir celebridades e muito menos comentar tuítes de artistas.

9) Dê a ele um livro por mês nos primeiros 180 dias, se o flerte for adiante. Se ele não ler ou não gostar do presente, é um sinal de que é uma besta. Inadequado, portanto. Escolha com carinho e cuidado. Evite Paulo Coelho e Dan Brown. Jorge Amado, relançado, oferece leituras maravilhosas. Autores contemporâneos como Amos Oz, Vargas Llosa e Philip Roth também. Paradoxalmente dar Fim de Caso, de Graham Greene, pode ser um excelente começo de caso.

O tratado científico e definitivo das preliminares

05/01/2010

O Banho Turco, de Ingres; auto-suficiência feminina

NÃO É JUSTO QUE EU passe para a história da humanidade como um cruzado antipreliminares. Não com meu currículo.  Se as preliminares de que eu participei fossem transformadas num filme, dariam um longa-metragem cheio de situações surpreendentes. Já recebi críticas de toda natureza no meu cartel romântico, mas nunca a de apático ou preguiçoso ou indolente no pré-coito. Isto posto, é preciso aceitar o fato de que as preliminares são um fato feminino, o que não quer dizer que sejam ruins para os homens. Apenas, são menos importantes para o homem do que são para a mulher.

Isso é inegável. Sigamos em frente a partir do que presumo que seja um consenso universal.

Homens precisam mais de cerveja e futebol do que as mulheres. Mulheres precisam mais de preliminares e de batom do que os homens. Certo?  Beleza.  Certíssimo. Nota: estamos no terreno das regras, não do que é excepcional. Conheço algumas cervejeiras que tomam numa tarde mais que tomo num mês.

Há um fato científico, biológico, incontestável por trás disso. A finalidade do sexo, tirada a procriação, é o prazer, ou, como meu amigo Thunder diz, a grande explosão da cópula cósmica. O homem alcança seu objetivo rapidamente, sem necessidade de preliminares. Como nosso saudoso Cafa dizia, é finalizar e um abraço. Depois, é o tédio, o sacred boredom, como diz meu amigo americano Eddie.  A fêmea, salvo as exceções, aquelas cuja taxa de hormônio é tal que gozam com o cheiro de um homem a dez metros ou apenas ao esfregar as pernas ao caminhar, precisa da preliminar para atingir a meta do coito. Logo, são duas relações completamente diferentes com as preliminares. Para os homens, um entretenimento que, com um bom roteiro como o dos seriados americanos, é tão bom que você pode até se viciar. Para as mulheres, uma necessidade, uma ponte sem a qual a explosão, como aconteceu com o homem bomba fracassado do vôo 253, é um sonho feito em pedaços.

Mais um consenso universal? Beleza.

Preliminares são, do ponto de vista sociológico, um fato novo. Dois dos maiores mulherengos da história, Casanova e Rasputin, simplesmente finalizavam, e as mulheres se enfileiravam para conhecê-los biblicamente. A mulher moderna, aquela que almeja um posto executivo, usa tailleur e é capaz de tuitar no coito, tem nas preliminares uma espécie de melhor amiga. O homem pode viver sem as preliminares, embora não signifique que queira viver. Podemos viver sem futebol ou sem conversas no bar, mas geralmente não queremos.

Tenho para mim que na preliminar ideal a mulher começa sozinha e, na segunda etapa, recebe, lânguida e preparada, a companhia masculina. Isso estimula na mulher a imaginação, os sentidos, e até, como diz Confúcio, a virtude suprema da auto-suficiência. Para o homem, é um tempo que ele pode dedicar à contemplação da fêmea, ou à leitura do jornal, ou até a um telefonema para a mãe com a qual está em falta.

Creio, modestamente, ter criado as bases de um tratado científico, biológico e definitivo das preliminares.

De resto, dispenso por temperamento congratulações, mas aceito desculpas, caso achem que seja o caso. Para facilitar, basta uma escrever. As demais, é só copiar e colar.

11 coisas (simples) que os homens esperam das mulheres em 2010

02/01/2010

Mel Ramos, mestre da arte pop

ADMITAMOS: os relacionamentos não precisam ser tão complicados assim. 2010 é uma oportunidade de simplificarmos tudo. Basta que as mulheres cumpram uma agenda de poucos e fáceis itens, a saber:

1) Que reduzam ao mínimo indispensável as discussões sobre o relacionamento. Uma para manutenção, no meio do ano, parece mais que suficiente;

2) Que não tenham dores de cabeça, reais ou imaginárias, nos momentos interessantes para o coito;

3) Que evitem o choro e, como prega o Dalai, riam sempre porque faz bem para a mente e evita rugas;

4) Que nos poupem da sogra; a sogra é tão legal que deixamos toda ela para a filha;

5) Que nos façam surpresas amorosas como trazer, todos os dias, o café da manhã na cama, de preferência com croissant e geléia de morango; uma coca gelada nos momentos de sede é sempre bem-vinda;

6) Que aceitem que ver mesas redondas de futebol domingo à noite é uma forma de meditação transcendental;

7) Que levem em consideração, no penteado e na roupa, sobretudo a íntima, também o nosso gosto, e não apenas o delas;

8 ) Que se convençam de que uma rapidinha é muito bom também para elas, uma espécie de poupa-tempo sexual;

9) Que se incumbam, elas mesmas, de parte das preliminares; para isso é que existem dedos, vibradores e imaginação;os sábios chineses falam das virtudes da solidão, e isso vale para o aquecimento pré-coito;

10) Que sejam um pouco mais breves nos telefonemas;

11) Que não achem que olhamos para toda mulher bonita que passa, ainda que olhemos; é um tributo ao belo sexo, não um ato machista, vulgar e inconveniente;  se esse argumento não é convincente,  que elas lembrem sempre do herói do rugby irlandês, 2 metros que masculinidade e músculos, que jamais olhou para outra mulher que não a esposa, trocada recentemente por homens.