El Hombre
Você está vendo um momento histórico.
O primeiro passo para um bestseller de pretensões épicas. Simplesmente, vender mais que a Trilogia Millennium, de Stieg Larsson.
Só isso.
A trama é simples: corroído de inveja pelo sucesso de Larsson, cuja morte foi simulada para que ele escapasse de um grupo que o jurara de morte em Estolcomo, El Hombre, um escritor que começou vendendo mal e gradativamente foi piorando, toma uma decisão extrema.
Exterminar Larsson, que com o dinheiro da trilogia leva uma vida secreta em Aruba sob a fachada de um homem de negócios norueguês.
Será publicado um capítulo por semana da saga assassina de El Hombre.
Atenção, mais uma vez. É um momento histórico.
CAPÍTULO 1 – A DECISÃO EXTREMA DE EXTERMINAR UM SER HUMANO
Duas das três novas mulheres de Larsson em sua vida secreta em Aruba
El Hombre acabou de ler o terceiro volume da Trilogia Millennium em sua quitinete com o aluguel atrasado no centro de São Paulo. Jogou o livro contra a parede e consolidou uma decisão extrema: matar o autor, Stieg Larsson. Sabia, de fonte segura, que ele estava vivo.
A mulher que dormia nua em sua cama neste momento, Mercedes, uma morena de fazer bispo chutar o poste, lhe contara tudo em seu portunhol cativante e em seu decote que mostrava a obra magna de um cirurgião plástico em seus seios siliconados.
Mercedes não sonhava, em seu cérebro voltado quase sempre para o sexo fantástico que El Hombre lhe proporcionava, que ao contar a tramóia de Larsson estava decretando sua morte.
Larsson forjara ardilosamente a própria morte com dois objetivos. O primeiro era promover as vendas da trilogia que em breve seria lançada. Todos os jornalistas que durante anos zombaram dele em Estolcomo ficariam com úlcera de tanta raiva de seu sucesso, sabia Larsson.
Mas este era um objetivo apenas colateral.
O segundo objetivo real era escapar da sentença de morte que um grupo neonazista sueco decretara contra ele. Larsson contava, para o objetivo 2, com a ajuda do chefe da polícia secreta sueca, Olaf Gabrielsson, seu velho amigo de juventude. Tinham sido ambos jovens comunistas numa cidadezinha nas cercanias de Estolcomo. Criaram ali uma amizade que os anos apenas fariam crescer. Olaf era alto como um jogador de basquete, e mancava de um tiro que recebera de um gangster numa estação de metrô de Estolcomo, numa perseguição frenética que pôs fim a uma operação policial planejada fazia nove anos. Era uma madrugada de neve, típica de janeiro, e o miserável terminou com 17 tiros nas costas e dois na nuca, mas antes de ir para o inferno ele deixou Olaf manco à maneira de House, com um disparo seco de sua Browning.
Larsson e Olaf eram praticamente irmãos. Chegaram a dividir a mesma mulher nos primeiros tempos de Estolcomo, em que rachavam um apartamento perto da Estação Centrall, Eva, uma ex-hippie que exigia de seus amantes que fumassem um baseado com ela antes e depois de cada cópula. Eva também exigia música no sexo, sempre uma especificamente, Summertime, cantada por Janis Joplin. Sem maconha e sem Janis Joplin Eva considera o sexo uma alienação promovida pelos burgueses. Ela tinha um dragão tatuado nas costas e dois piercings na vagina, e foi mais tarde a inspiração de Larsson ao inventar Lisbeth Salander. Tinha 24 anos e, como Salander, parecia ter 14. Cada um dos amigos ficava uma noite com Eva. Isso durou dois anos, até que Eva se apaixonou por Kurt, um chef dinamarquês que só preparava os pratos depois de tomar ácido, e foi morar em Copenhague, onde é vista andando pelas ruas do centro em sua bicicleta pintada com motivações psicodélicas e lisérgicas.
Homens não costumam dividir mulheres, sobretudo porque chega o dia em que ela fará comparações sexuais que podem ferir duramente a autoestima masculina . Mas quando dividem é porque existe um laço indestrutível entre eles. Era esse o caso de Stieg e Olaf.
Olaf criara uma equipe de pessoas de sua inteira confiança para simular a morte do amigo ameaçado de morte. Eram três homens de sua total confiança, Klaus, Kurt e Joost. Estava combinado o seguinte. Eles iam fazer parar o elevador do prédio em que Larsson trabalhava, no sétimo andar. Larsson chegaria e teria que subir as escadas íngremes e escuras. Fingiria ter um enfarto e seria levado para um hospital, onde Dr. Anders, um médico que prestava serviços esporádicos para o serviço secreto sueco, o declararia morto. Ele próprio lavraria a certidão de óbito e encaminharia o corpo para o crematório Woodland para ser queimado imediatamente, segundo instruções de um testamento que Larsson, como parte do plano, fizera e deixara com seu poderoso amigo.
O Crematório Woodland, onde o falso Larsson foi incinerado
Era um plano simplesmente perfeito.
Larsson se transformaria, ficticiamente, em pó. Nem seu pai e nem seu irmão saberiam de nada, para não colocar em risco o plano. Sequer a mulher de Larsson seria informada. O plano estava esperando apenas que um indigente com as características físicas de Larsson falecesse, alguém que não tivesse nem família e nem amigos para reconhecer o corpo e reclamá-lo.
Quando este dia chegasse, Olaf avisaria Larsson. Para evitar o risco de que a conversa fosse grampeada, o combinado é que ele ligaria para o Blackberry de Larsson três vezes, com intervalos de cinco minutos. Em cada uma dessas vezes, deixaria o aparelho de Larsson tocar três vezes antes de desligar.
O dia chegou. Tudo funcionou como combinado. Larsson morreu vivo.
Foi, como previsto no plano, para Aruba, onde deixou a barba crescer, cortou o cabelo zero e assumiu uma nova identidade como Serge, um extravante norueguês que vive do comércio de orquídeas. Olaf já providenciara um passaporte novo quando Larsson se despediu de Estolcomo, vestido como turista alemão que busca o calor tropical para fugir do frio nórdico.
Não levou nada com ele, exceto o velho exemplar do Manifesto Comunista que ganhara, aos quatro anos, do avô, um líder sindical que fora morto por fanáticos neozistas. Tão forte foi a influência deste avô em Larsson que, numa ida a Londres, ele foi ao túmulo de Marx em Highgate Hill e deixou um maço de flores com um bilhete em que colocou não seu nome, mas o do avô, Erik.
De longe de sua Suécia, que ele alternadamente amava e detestava, Larsson em sua nova vida assistiu ao espetacular sucesso de seus livros.
Livros póstumos e recompensas presentes.
O dinheiro estava indo para uma fundação contra a violência imposta às mulheres. Mas era uma fundação de fachada, criada por burocratas municipais a serviço de Olaf. O dinheiro destinado supostamente à fundação acabava, na verdade, em Aruba. Com ele Larsson mantinha as três jovens que moravam com ele e lhe prestavam serviços sexuais, Carmen, Joana e Lucia.
Juntas, as três tinham menos idade que a viúva que não sabia que não era viúva. A perda de interessa sexual pela mulher deixara dúvidas em Larsson sobre sua capacidade como homem. O alto teor de sexo da trilogia era uma compensação, conforme explicou a ele numa sessão Dr. Viktor, com quem fazia análise havia sete anos. As três mulheres de Aruba que o serviam sexualmente provaram a ele, primeiro, que ainda tinha condições plenas de apontar para o céu seu membro túrgido. Depois, que fazer sexo é muito melhor do que escrever sobre sexo.
Foi uma prima de Joana, Mercedes, que fez ruir o edifício de segredo absoluto erguido por Larsson e seu amigo Olaf. Mercedes uma vez estava fazendo limpeza na mansão de Larsson em Aruba quando descobriu um envelope cheio de recortes de jornais. Eram as resenhas e os obituários feitos para Larsson e seus livros. Ele não resistira e combinara com Olaf que desse um jeito de enviá-los. Mercedes tinha lido a trilogia. Astuta, associou o rosto de Larsson ao de Serge e logo suspeitou de que alguma coisa estava errada.
Ou eram mais parecidos que gêmeos ou eram a mesma pessoa.
Era uma mulher sem escrúpulos. Viu em sua descoberta uma oportunidade de deixar aquela ilha ventanosa em que os pés eram castigados pelos pedregulhos irritantes da areia da praia. Deu um jeito de contar a Larsson o que sabia. Tranquilizou-o. Sumiria de sua vida e de Aruba desde que ele lhe desse o equivalente a 1 milhão de dólares. Larsson não hesitou. Era um troco para ele, agora que Hollywood iria filmar o primeiro livro da trilogia. Além do mais, sentiu uma estranha necessidade de contar para alguém os detalhes do grande plano que montara com o amigo Olaf, alguém que entendesse que aquela história poderia estar num quarto volume da série Millennium, tão rica em detalhes e tão arrojada na montagem e na execução.
Mercedes descobrira parte. Larsson lhe contou o resto antes de passar o dinheiro com que ela daria o fora de Aruba. O relato foi no Salander III, o iate que Larsson comprara em Aruba. Larsson ficou tão excitado ao rememorar a história que tentou induzir a atraente mulher que o ouvia a dar-lhe sexo. Seu avanço foi respondido com uma bofetada que ecoou por toda Aruba.
Mercedes só pensava em El Hombre.
Com seu milhão, Mercedes tinha um destino na cabeça: o Brasil, onde vivia seu grande amor, um escritor fracassado que uma vez passara por Aruba e com seu carisma avassalador a conquistara para todo o sempre. Ele a deflorou, em sua curta passagem por Aruba como convidado de uma feira literária, e ela soube aí, logo na primeira vez, que estava escravizada àquele homem rude que andava sempre com um livro debaixo dos braços musculosos de quem passou a infância entre campesinos. Passaria o céu e a terra, mas não passaria aquele homem que a fizera mulher e lhe proporcionara já na primeira vez orgasmos múltiplos.
Era conhecido, simplesmente, como El Hombre.
A sede de glória e imortalidade o fizera ser um escritor.
O fracasso o transformou num matador.
Ele só pensava nisso ao atirar o último volume da trilogia Millennium na parede da quitinete. Até que ouviu a voz lânguida e suplicante de uma mulher lasciva ao acordar murmurar: “Hombre”.
Era Mercedes, que acordara com o impacto do livro contra a parede. Estava coberta apenas pelo colar de âmbar que ganhara de um turista finlandês em Aruba. Ela fez, com as mãos delicadas em que o esmalte verde se destacava nos dedos, um gesto de chamamento. Mercedes adorava sexo pela manhã.
Achava que seu dia não começava de verdade enquanto não tinha um orgasmo vitalizador.
El Hombre olhou para Mercedes. Ocorreu-lhe, por um momento, a possibilidade de esganá-la para saciar a sede que sentia do sangue de Larsson.
Dizem que a sensação de matar alguém é indescritível.
Você faz o papel de deus e do diabo ao mesmo tempo.
El Hombre viu aquela fêmea súplice implorar pelo seu sexo e, em vez de ficar excitado, sentiu o ódio que trazia no peito assumir proporções quase que incontroláveis.
Então ele teve um gesto que os existencialistas como Sartre e Camus definiriam como digno do homem sem os freios impostos pela sociedade.
Ele …
(Continua.)