Archive for Novembro, 2007

Era uma vez em Salvador – parte 1

30/11/2007

Eduardo e Gabriela caminhavam de mãos dadas na areia branca e morna de Itapuã. Tinham acabado de jantar e dançar num restaurante à beira-mar. Eduardo amara a voracidade divertida com que Gabriela comera um caranguejo cozido. “É um prato lúdico”, dissera ela, um pequeno martelo na mão esquerda e um pedaço de carne branca no canto direito da boca. “Você come e se diverte quebrando a casca”. Era um começo de madrugada de verão, e havia àquela hora ainda quente e abafada poucas pessoas na imensidão esbranquiçada da praia. O imobilismo pétreo das folhas dos coqueiros que recortavam a praia era a perfeita ilustração do calor tórrido. Até a luz do céu enegrecido de Salvador parecia suar. “Salvador é perfeita”, disse Eduardo. “Só falta um aparelho de ar condicionado.”

Eduardo era editor de esportes do jornal A Tarde, de Salvador. Lembrava índio de filme americano moderno: cabelos pretos escorridos, olhos puxados, pele escura. O sotaque baiano abrandara-se depois que quatro anos na sucursal de São Paulo do jornal, mas ainda se percebia a procedência de Eduardo antes do final da primeira frase. A essência do sotaque acompanha o baiano do berço ao jazigo. Eduardo vestia bermuda azul, camiseta branca e um Nike branco e vermelho já quase destruído por três anos de uso em quadras de tênis, mas cada vez mais confortável na decrepitude. Tinha um certo ar rebelde, reforçado pela barba baixa, um corte que era menor que o 1 e maior que o zero. Quem via percebia imediatamente que ali estava um homem que jamais votaria na turma de ACM. Um homem que ouvia Caymmi e Caetano e alguma música da nova era, mas não Sinatra e provavelmente não a axé music.

Eduardo gostava da imagem que transmitia, um cara moderno, cético o bastante para contestar verbalmente, o “sistema” mas não tolo o suficiente para levar essa contestação à prática. Tinha que pagar contas e sabia que teria dificuldades em fazê-lo se mandriasse pelo Pelourinho na companhia de pretensos gênios e comprovados desocupados.

Gabriela riu com algum exagero do comentário sobre a necessidade de ar condicionado. Quase gargalhou. E não perdeu a graça. Um grande escritor disse certa vez que conheceu na vida quatro mulheres capazes de gargalhar sem perda de beleza. Gabriela seria a quinta se ele a tivesse conhecido. Ela era repórter especial da Folha de S. Paulo e chegara dias antes a Salvador para cobrir um campeonato internacional de vôlei de praia. O sol de Salvador clareara ainda mais os cabelos já claros e longos de Gabriela. Quase lhes devolvera a loirice da infância. Gabriela tinha 48 quilos, adequados para o seu metro e 63. Mas já tivera 56 quilos. Para não voltar aos dias de gorducha, pusera uma balança eletrônica em seu banheiro na qual se pesava toda manhã depois do banho. Quando passava dos 52, acionava uma dieta intuitiva mas eficaz da qual estavam banidos doces, pães e massas.

Gabriela sabia como agradar a um homem. Ela parecia tratar cada homem com quem falava como se fosse o único. Esse era seu maior e mais duradouro encanto. Nunca ninguém fizera antes Eduardo sentir-se tão espirituoso. Gabriela olhava direto nos olhos, ria intuitivamente mesmo das piadas que não entendia, parecia sempre interessada na conversa. E tinha o que se poderia definir como um certo ar sexual permanente. Você punha os olhos nela e imediatamente tinha pensamentos sexuais. Gabriela parecia sexual num velório, num corredor de hospital ou numa cadeira de dentista. “Você me lembrou de Havana. Estive lá há três anos”, disse ela. “Havana também é perfeita. Perfeita como cenário. Falta apenas uma mão de tinta.”

De repente ela se desvencilhou da mão de Eduardo. Correu alguns metros, estacou perto do mar e deitou-se de costas na areia. O vestido de verão de um amarelo quase que transparente, comprado de uma negra de 120 quilos na Praia do Forte, pareceu a Eduardo indescritivelmente belo sob o fundo de areia. Naquele instante ele daria tudo para que os relógios nunca mais se movimentassem e Gabriela se eternizasse deitada ali na imensidão branca e quente de Itapuã. Quando Eduardo a alcançou, ela já retirara a calcinha e a abanava com a mão esquerda como um leque e também como um troféu. Era uma calcinha branca. Gabriela só usava calcinha branca. Ela ordenou: “Vem. E se alguém chegar, não pára.”

Eduardo foi.

Quarenta minutos depois, os dois estavam a caminho do hotel em que Gabriela se hospedara no Palio vermelho de Eduardo quando soou o celular dela. “Desculpe”, disse Gabriela a Eduardo enquanto baixava o volume do toca-cds. Tocava pela segunda vez seguida Don’t Look Back in Anger, do Oasis. Era um cd que Gabriela mesmo gravara. Ela gravava as músicas de que gostava duas ou três vezes seguidas para não ter que ficar voltando o cd. Naqueles dias em Salvador, ela estava apaixonada pelo Oasis. Quando comparavam o Oásis aos Beatles, Gabriela se indignava. Achava o Oasis muito melhor. Perto deles, dizia, os Beatles faziam música de elevador. A descoberta do Oásis amortecera a tristeza que sentira com o disparo na boca que liquidara Kurt Cobain e o Nirvana. “O rock morreu”, pensara. Chorara no dia em que Kurt Cobain se matou e só dormira depois de tomar dois comprimidos de Lorax e mais um de Dormonid.

“Alô…Ah, é você. Que bom te ouvir. Saudade. Quê? Olha, a ligação está um horror. Vou jogar fora este celular. Bom, estou indo para o hotel e ligo em quinze minutos, tudo bem? Te amo.”

Gabriela encerrou a ligação, aumentou outra vez o volume do toca-cds e virou-se para Eduardo.

“Era o Arizinho”

Ocorreu a Eduardo na hora que nenhuma mulher respeita um marido a quem trata no diminutivo.

Ela mal guardara o celular na bolsa do couro cru também comprada de uma baiana na praia quando o sinal de chamada outra vez soou. O ritual foi mais uma vez seguido por inteiro, desde o polido pedido de desculpa a Eduardo até a diminuição do som. (Agora tocava Where Did You Sleep Last Night, cantada por Kurt Cobain no acústico do Nirvana na MTV em Nova York, entre outras músicas de todos os gêneros e de todos os tempos a predileta de Gabriela. Aquela voz lúgubre, aquela história de tormento, ciúme e suspeita, tudo isso eram provas, pensava ela, de que Deus e o diabo existem.)

“Alô…Ah, é você. Que bom te ouvir. Saudade. Quê? Olha, a ligação está um horror. Vou jogar fora este celular. Bom, estou indo para o hotel e ligo em quinze minutos, tudo bem? Te amo.”

Guardando o telefone, ela virou-se para Eduardo.

“Era o Fabinho”.

Ocorreu outra vez a Eduardo a reflexão sobre o uso de diminutivos, agora ligada não maridos mas namorados.

“Eles estão preocupados comigo. Quer dizer, conosco. Comigo e com o bebê. Grávida. Seis semanas. Não me pergunte de quem, está bom? Alguns dias…Bem, muitos dias saí de uns braços para cair em outros. Aprendi o essencial: não dizer o nome de nenhum na cama. Assim você não erra. Espero que você não seja moralista”.

“Fui coroinha na infância e embebedei alguns padres, mas acho que já passei essa fase”

Eduardo refletiu que era a primeira vez que copulava com uma mulher grávida de outro homem. E outro homem que ela não sabia exatamente qual fosse. Ele jamais imaginara que pudesse haver algo de erótico nessa idéia, mas havia. Antes que pudesse sequer refletir sobre o assunto, estava perturbado. Automaticamente apanhou a mão dela, que estava em sua coxa direita, e levou-a para o ponto certo. Virou-se rapidamente para ela.

“Posso pedir duas coisas?”

“Duas. Dez. Quantas você quiser. Quero que você faça de mim o que quiser. Você é meu senhor.”

“Duas só. A primeira: vamos desligar seu celular. Como você repetiu duas vezes agora há pouco, seu celular não funciona mesmo. A segunda: nunca me chame de Eduardinho.”

“Então fica Dudo. Tudo bem?”

Ninguém o chamava de Dudo. Edu, Dudu, Duda, sim, mas Dudo não.

“Tudo bem. Claro, tudo bem. Pode tudo. Só não pode Eduardinho.”

Instantes depois estavam deitados no quarto de Gabriela. Uma mulata pintada por Irakitan parecia fitá-los com agrado na parede, como se quisesse reunir-se aos dois. “Irakitan é o artista mais invejado de Salvador”, disse Eduardo a Gabriela. “Ele teve um caso com a Jacqueline Bisset quando ela era a mulher mais bonita do mundo. É o que dizem, pelo menos”. Eduardo passeava os dedos longos pela pequena borboleta tatuada na virilha direita de Gabriela enquanto ela discava para São Paulo. Depois levou-os à argola que ela fazia no mamilo esquerdo. “Foi uma amiga que me sugeriu isso”, ela explicara para Eduardo. “Ela me disse que uma argola no seio deixa a mulher excitada o tempo inteiro.” Eduardo olhou com um misto de ternura e desejo para aquela barriga ainda discreta na qual medrava uma nova vida sabia-se lá por obra de qual homem. Quando atenderam ao chamado, Gabriela pôs o indicador sobre os lábios que sorriam para pedir silêncio a Eduardo.

“Arizinho?”

“Gabi?”

“Agora sim dá para ouvir. Vou jogar fora o celular que você me deu.”

“Gabi?”

“Oi…”

“Vou morrer, Gabi. Vou morrer se você demorar aí. Vocês: você e o nosso filhinho.”

“Seria tão romântico. Acho que todos os meus namorados disseram que iam morrer sem mim. Mas nenhum cumpriu a profecia. Ficaram até mais gordos. Tristeza de amor dá fome.”

“Gabi?”

“Oi…”

“Não estou conseguindo nem trabalhar. Não consegui escrever uma só linha para a nova campanha da Brahma. Uma única idéia era tudo que eu queria. Sabe uma gaveta vazia? É mais ou menos o que eu virei. O criador que menos cria na publicidade de São Paulo.”

“E que mais prêmios ganha…”

“E sabe que não crio nada? Porque falta você. Você é a minha platéia. Você é minha única platéia. Quero que se dane o público, quero que se danem aqueles diretores de marketing. Você é a platéia.”

Eduardo olhou-o impaciente. Apontou para o Timex Ironman que tinha no pulso. Ela topou o bocal do telefone e disse baixo para Eduardo: “Todo publicitário fala muito. E toda mulher de publicitário acaba virando uma espécie de terapeuta. Calminha.”

“Gabi?”

“Oi…”

“Ninguém mais ri das minhas piadas na agência.”

“Calma, Arizinho. Ninguém é engraçado o tempo todo. Nem o Jim Carrey. O último filme dele é um lixo. Você mesmo disse.”

“Gabi”

“Oi…”

” Onde você dormiu ontem? Liguei para o seu quarto às 4 da manhã e ninguém atendeu.”

Ela repetiu a pergunta para ganhar tempo.

“Onde eu dormi ontem? Eu?”

Eduardo rapidamente socorreu-a Escreveu num papel: insônia. Sala de ginástica. Tinha letra boa, redonda. Letra de normalista.

“Tive insônia durante a noite. Fui para a sala de ginástica.”

“Gabi?”

“Oi…”

“Fiquei desesperado.”

“Bobinho…”

“Gabi?”

“Oi…”

“Te amo.”

“Tchau.”

Gabriela nem chegou a colocar o aparelho no gancho. Encerrou a ligação como indicador direito e prontamente iniciou outra. Entre uma e outra pediu paciência a Eduardo.

“Fabinho? Sou eu. Agora dá para ouvir. O celular é um horror.”

“Gabi? Não agüento mais. Vou embarcar amanhã de manhã para aí. Se eu não conseguir uns dias de folga na corretora, me demito.”

Fábio era um jovem e promissor corretor de valores que Gabriela conhecera ao fazer uma reportagem sobre talentos emergentes no mundo das finanças. Tirava meio milhão de reais por ano em comissões. Fábio queria desesperadamente que Gabriela deixasse o marido e se juntasse a ele. Ela lhe pedia tempo. Quando soube da gravidez, ele disse ter certeza de que era o pai. E mais uma vez fez pressão para que Gabriela abandonasse Ari. Gabriela disse que discutiriam melhor quando voltasse de Salvador.

A possibilidade de que Fábio fosse para Salvador a incomodou. Estava tendo bons momentos com Eduardo e não gostaria de interrompê-los.

“O quê? Você se demite? Você está louco? Vai jogar pela janela meio milhão de reais por ano?”

“Por você jogo 2 milhões.”
“Não precisa. Já estou voltando. O campeonato termina daqui a três dias.”

“E ele, como vai?”

“Ahn…ele?”

“Ele, o nosso bebê.”

“Ah, claro. �”Ótimo.”

“Ontem quase fiquei louco. Liguei de madrugada e ninguém atendeu no seu quarto. Imaginei as piores coisas.”

“Por que será que as pessoas imaginam sempre a piores coisas, Fabinho?”

No exato momento em que formulou essa pergunta, a paciência de Eduardo se esgotou. Ele começou a entrar nela com rigidez desesperada e urgente.

“Eu tive insônia. Fui fazer exercício na sala de ginástica do hotel. Ligo amanhã. Te amo, Fabinho.”

A declaração de amor foi penosa, feita aos arrancos.
“Você está…você está gemendo, Gabi?”

“Estou…estou me agradando. Quando…quando penso em você, não resisto.”

“Te amo, Gabi.”

“Tchau.”

Era uma vez em Salvador – parte 2

30/11/2007

 

Gabriela conhecera Eduardo no campeonato mundial de vôlei de praia, que ambos cobriam para seus jornais. Estavam os dois entre os jornalistas que entrevistavam Jaq, a estrela do campeonato. Eduardo perdera sua bic. Pediu uma caneta emprestada à primeira jornalista que viu ali naquele grupo. Era Gabriela. Assim que viu Eduardo, ela como que voltou no tempo. Ele lhe lembrava sua primeira paixão, Pedro: pele escura, cabelos pretos e lisos em enorme quantidade, olhos pretos que pareciam tristonhos, um jeito quase infantil de sorrir. Com Pedro ela desenvolveu a fantasia da dominação. O homem pode tudo. A mulher pode apenas se esforçar para satisfazer as vontades dele. Chamava-o na cama de “senhor”, “mestre”. Muitas vezes ele testou-a. Queria ver até onde ia a fantasia. Gabriela jamais recuou. Pedro definiu Gabriela sexualmente. Fez dela uma mulher libertária, sem preconceitos, disposta a tudo na busca libidinosa do prazer.

Eduardo apanhou a caneta que Gabriela lhe estendeu no torneio de vôlei e riu na mesma hora. Era uma caneta azul-clara em cuja parte de cima estava sentado um roqueiro com uma guitarra vermelha. Mais tarde ela lhe contaria que ganhara a caneta de um colecionador de canetas baratas e extravagantes, Daggy Boy. Eduardo reparou que ela o olhava com fixidez. Convite? Talvez. De qualquer forma, ele gostou do que viu: pele clara de quem usa protetor acima de 20 para evitar rugas, cabelos longos e claros, vestido negro colado. Estavam ambos nas acomodações destinadas à imprensa na arquibancada montada na praia. Era o terceiro e decisivo set.

“Sabe o que eu acho?”, disse ele do lado dela.

Ela virou o rosto.

“Acho vôlei de praia o esporte mais chato do mundo. É pior que o vôlei normal. Se é possível.”

“Sabe o que eu acho?”, disse ela. “Que você tem razão. Vôlei de praia só não é mais chato que vôlei normal porque nada é mais chato que vôlei normal. Qualquer dia vou sugerir ao nosso colunista de vôlei que escreva uma coluna com a seguinte sugestão: o jogo já começa 2 sets a 2. E só se joga então o set decisivo.”

“Seria o cúmulo do antiprofissionalismo eu convidar você para dar o fora daqui em pleno jogo. E no set decisivo de uma partida que vai definir as duplas finalistas. A Folha investiu dinheiro para você estar aqui. Meu chefe também confia na minha boa cobertura. Seria simplesmente absurdo convidar você para ir até uma daquelas praias da Linha Verde em que a civilização ainda não colocou as garras. Um absurdo.”

Ela sorriu para ele. “Realmente. Um horror. Antiprofissional. Antiético até. Me sentiria uma larápia agindo assim.”

E puxou-o pelo braço para longe dali no seu passo rápido, que ele tinha alguma dificuldade em acompanhar.

“Por que as mulheres paulistanas andam tão rápido?”, perguntou ele enquanto se esforçava para ficar do seu lado.

“Sei lá. No meu caso, é para chegar mais depressa ao topo.”

Havia desde o princípio, entre eles, um sentimento de urgência. Aquilo tinha hora para terminar. Os romances acabam sem data definida. Acabam simplesmente quando têm que acabar. Mas o deles tinha dia e hora para chegar ao fim. E tinha até um cenário: o Aeroporto 2 de Julho. A urgência os fez parar o carro de Eduardo antes de chegarem perto da primeira praia da Linha Verde para fazer sexo.

“Pensei que já tivesse deixado para trás essa fase”, disse ele depois das acrobacias no carro. “Nem me lembro mais da última vez em que usei o carro para isso.”

“Eu lembro. As pessoas não acreditam, mas lembro de cada vez. E não foram poucas. Carro é erótico. Viril. Aquela história toda de potência. Mil cavalos. Dois mil. É tudo muito excitante.”

A urgência os fez íntimos em cinco minutos de conversa. Ela sabia o essencial sobre ele. Que era casado pela segunda vez com uma arquiteta portuguesa cinco anos mais velha. Que tivera dois filhos de um primeiro casamento. Que ia fazer 40 anos no mês seguinte e estava apavorado. Que tocara guitarra num conjunto de rock na adolescência. Que sonhara na juventude escrever romances e terminara escrevendo sobre jogos de futebol. Pior ainda, reescrevendo textos alheio. “Saber o que restou desse meu sonho? Uma estante imaginária cheia de romances escritos por mim.”

E ele sabia também o essencial dela. Que tentara se matar tomando comprimidos de sua mãe hipocondríaca na noite em que soubera que Pedro morrera num acidente com sua moto. “Não ter conseguido me matar é minha maior frustração”, disse ela. “Teria sido tão lindo, tão poético. Morrer de amor é algo que pode acontecer a você apenas uma vez na vida. Depois ninguém mais merece que você se mate.” Ele soube também das fantasia sexuais que Gabriela desenvolvera com Pedro. E soube que ela, como ele outrora, também planejava escrever romances. Já estava, na verdade, escrevendo um. Nele o protagonista se chamava Pedro, mas não morria. Não morria nunca. Eterno Pedro. “Quando as coisas dão errado na vida, sempre resta a ficção, não é?” Ele disse a ela que esperava que o romance sobre Pedro não fosse parar também numa estante imaginária. E entendeu que nada nem ninguém jamais conseguiria prender aquela mulher que era a quintessência da liberdade. E entendeu também que sua vida se tornaria insuportavelmente enfadonha depois que ela partisse. O que achava realmente estranho era que tivesse podido viver quarenta anos sem Gabriela.

Era uma vez em Salvador – Parte 3

30/11/2007

 

Era a última noite. Acabara o campeonato à tarde e Gabriela viajaria na manhã seguinte para São Paulo. Estavam jantando sarapatel no Tempero da Dadá, no Pelourinho. Ela se encantou ao ver um fogão no meio do restaurante.

“Na semana passada vim aqui e o Caetano estava sentado naquela mesa”, Eduardo disse.

“Adoro o Caetano”, ela disse. “Mas não a ponto de ouvir uma música inteira dele.”

“Eu gostava muito do Caetano. Agora nem tanto. Você viu aquela reportagem com ele na Caras?”, ele perguntou.

“Vi. Vi e ri. Achei o máximo saber que ele tem um relógio Bulgari. Hoje ele é um homem de grife. Mas é simplesmente ridículo patrulhá-lo por ter aparecido na Caras.”

“Você reparou?”, Eduardo disse. “Ele está cada vez mais parecido fisicamente com o Fernando Henrique. Mesmos paletós finos, mesmas camisas finas, mesmo pé na cozinha.”

Eduardo riu. “É batata. Todo paulista é racista. Paulista só gosta de paulista.”

“Imagina. Amo pele escura. Acho o Michael Jordan um deus. O homem mais bonito do mundo. Dá de dez em qualquer ator da Globo ou de Hollywood.”

Gabriela fez uma cesta imaginária e graciosa com as mãos. Ela estava de jeans e camiseta branca. Tinha prendido os cabelos num rabo-de-cavalo e parecia uma estudante diante de um dos primeiros encontros. Ele usava jeans e uma camiseta pólo vermelha. Ele tirou da calça um envelope e passou-o a ela.

“É um poema. Não precisa ler. Só peço para não arremessar no lixo, pelo menos na minha frente.”

Ela olhou-o com surpresa.

“O que você está estranhando? Você imaginou mesmo que poderia conhecer um baiano sem ter que enfrentar um poema? O que eu posso dizer para aliviar sua preocupação é que ele é curto.”

Ela leu-o uma, duas vezes. Repetiu a última frase. Ela. Sempre ela. Sempre dela. Ela. A beleza miserável da quimera.

Era um poema ridículo, mas ela o achou lindo.

“Não sei se estou chorando ou se está chovendo em Salvador”, ela disse.

Ela olhou de novo para o papel.

“Quimera. É a palavra mais linda do português. Gozado. Um dia eu usei quimera num texto e meu editor disse que ninguém sabe o que é. Ele riscou a palavra. Editores servem para isso. Riscar palavras.”

Ele concordou. “É, pensando bem, é isso que eu faço. Riscar palavras dos outros.”

Eles saíram do restaurante e foram andar de mãos dadas pelo Pelourinho. Era mais uma noite quente e abafada. Gabriela lembrou-se do comentário de Eduardo sobre a falta de ar condicionado nas ruas de Salvador. Um sentimento de melancolia parecia ir dominando-�

“Sabe o que eu acabei de pensar?”, ela disse. “Nós não temos nem uma foto nossa. Amanhã você vai esquecer como eu era. Não vai lembrar nem se eu era loira ou morena.”

“Mas o cheiro… Deus, posso ter 80 anos e nunca vou esquecer seu cheiro. Seu … seu cheiro de femea, como aquele bobo chamado Fabio Hernandez escreveu uma vez.”

Ele levou por reflexo o indicador às narinas, fechou os olhos e inspirou com vagar apaixonado. Quando estavam na cama ele sempre deixava o dedo médio direito dentro dela por instantes. Depois, enquanto a penetrava, sorvia o cheiro em demorados haustos, e era como subir ao céu.

“Engraçado”, ele disse. “Eu detesto vôlei de praia, mas não queria que aquele campeonato acabasse nunca. Sabe que contagem eu fazia? Nós ainda temos quatro jogos. Agora três. E então não havia mais nenhum jogo.”

“Por que o jogo sempre termina””

“Talvez fosse um tédio insuportável se ele não terminasse”, ele disse. “Talvez um jogo só possa ser bom exatamente porque ele acaba.”

Ele a levou em seu carro

para o hotel, mas não subiu. O porteiro do hotel apressou-se em abrir a porta do carro, mas ela o dispensou. Queria algum tempo mais.

“A gente entra numa histórias dessas pensando que só vai ser divertido e no fim…”, disse ela.

“E no fim se diverte mesmo, não é? Olha como estamos felizes.”

“Sabe . Eu estive pensando. Se for menino, vai se chamar Eduardo. Dudo. Meu pequeno Dudo.”

“O menino não merece esse castigo. É inocente. O nome é horrível. Nunca perdoei meus pais.”

“E se for menina vai ser Eduarda. Maria Eduarda. Duda.”

“Vou dizer uma coisa que você vai achar ridícula. Queria que esse filho fosse meu.”

“De certa forma é.”

“E que você também fosse minha.”

Ela abriu a porta. Antes de sair, virou-se para ele. “A gente…será que a gente volta a se ver?”

Ele não soube o que dizer. Pensou numas palavras que lera num pequeno quadro. Certas pessoas. Certas pessoas passam pela nossa vida por um breve momento, mas tem um impacto tao grande sobre nós que depois delas nunca mais somos os mesmos, e vemos o céu e a lua de uma forma diferente. Quase disse isso a ela, mas desistiu. Ficou apenas parado, em silêncio, vendo-a afastar-se em direção ao elevador no seu passo rápido de paulistana.

Fábrica de anjos

28/11/2007

Lembro bem a cena, anos depois. Em geral, episódios assim são alegres. Mas não era o caso. Eu acabara de chegar ao pequeno e aconchegante apartamento de Júlia quando ela me contou a novidade. Estava grávida. Foi um acidente. Ela sempre usava diafragma. Quando estávamos a ponto de nos engalfinhar na cama, ela se levantava, caminhava no seu passo leve até o banheiro e, com a porta sutilmente entreaberta para que eu pudesse vê-la como se estivesse roubando a visão de uma cena intensamente erótica, colocava o diafragma. Uma única vez não colocou, porque estávamos ansiosos demais. Essa vez foi suficiente. Júlia engravidou sem que quisesse. Sem que nenhum de nós quisesse.

Não houve grandes dilemas. Na verdade, não houve nenhum dilema. Júlia, quando me avisou que estava grávida, já tinha o telefone de uma clínica de aborto. Uma amiga que fizera um aborto ali lhe dera o número. Ela apenas me comunicou que não iria levar adiante a gravidez. Nos amávamos, e muito, mas não era a hora. Na nossa vida, existem horas certas e existem horas erradas, e aquela era uma hora errada.

Lembro que ela estava convicta, ou assim parecia, ainda que seu olhos amendoados de mestiça de mãe japonesa e pai brasileiro traíssem tristeza. Os cabelos presos num rabo de cavalo contribuíam para dar a Júlia, uma mulher sempre tão decidida, um ar para mim inédito de menina frágil. Ela me disse que queria demais ter um filho, mas não naquelas circunstâncias. Eu não tentei convencê-la de nada. Não sei se ela esperava que eu procurasse dissuadi-la. Nas poucas conversas posteriores que tivemos sobre o assunto, Júlia nunca se referiu a esse ponto específico.

Tudo que ela parecia esperar de mim era alguma ajuda moral, e o máximo de suporte amoroso. Levei-a à clinica, no dia marcado. Alguns dias depois, já de volta a seu apartamento, Júlia me contou que era um menino. Eu seria cínico se dissesse que o aborto me deixou abalado. Mas estaria mentindo se dissesse que ele representou apenas alívio para mim. O fato é que eu não sabia, naqueles dias, o quanto um aborto pode significar para um homem. Não sabia quanta perplexidade, quanta pergunta sem resposta pode trazer com o correr dos dias. Aquele aborto é uma marca vívida em minha vida. Ainda hoje acho que fizemos o que tínhamos que fazer, mas alguma coisa dentro de mim parece não se satisfazer inteiramente com a explicação lógica e racional para a ida de Júlia à clínica.

Li depois em algum romance – ah, sim, um de John Irving — a expressão fábrica de anjos para designar uma clínica de aborto. Sempre que me lembro do aborto de Júlia, aquela expressão me vem à mente e me traz um sentimento de dúvida. . É uma dúvida incomodamente vã, porque sei que não existe resposta possível para ela nem jamais existirá. Nosso namoro durou pouco mais. Não acredito que tenha terminado por causa do aborto. Cada qual tinha seus projetos. Júlia foi ter o filho que tanto queria com outro homem. Eu segui meu caminho de escritor barato, um solitário caubói barato das letras. Às vezes penso no filho que Júlia, que amei tanto, e eu não tivemos. Como ele seria. Que tipo de ligação manteria com o pai que não teve. Formaríamos uma dupla de tênis? Riríamos ou choraríamos diante de uma vitória ou derrota do nosso time? Traríamos calor um para o outro em momentos de desalento? Eu o veria garboso ao longe e pensaria, orgulhoso, que ali ia o meu menino? Nesses momentos, me vem um incômodo que não é grande senão por me fazer sentir pequeno.

Quero ser especial

24/11/2007

Uma querida amiga minha, Mariza Montalbán, uma morena de fazer cego olhar para trás e gritar “uau!”, me perguntou outro dia: “O que a Lenira fez para que você fosse tão apaixonado por ela naqueles tempos? Quero a receita”. Ela se queixou, depois, de que jamais sentiu em nenhum de seus namorados uma paixão parecida com a que viu em mim pela Lenira, long, long time ago, como diz aquela música tão linda, American Pie. Não, pelo menos, depois da segunda semana. A beleza soberba de Mariza Montalbán tem sido suficiente para inspirar paixões arrasadoras, sim. Mas não duradouras.

Foi assim com seu último namorado, Hugo, um jornalista amigo meu. Fui eu quem apresentou um ao outro. A paixão abrasiva de Hugo por Mariza durou seis dias e onze horas. Nem um minuto mais. Outro dia vi Hugo num bar animadíssimo com uma garota bem menos bonita que Mariza. Depois ele me disse que a nova namorada, Pietra, pelo menos não corrigia o seu inglês precário. (Hugo chama Spike Lee de Espique.)

A pergunta de Mariza me obrigou a pensar nas razões pelas quais fui, no passado, um escravo físico e intelectual de Lenira. E cheguei a uma conclusão: isso tudo tem muito mais a ver com atitude do que com beleza. A beleza pode acender uma paixão num homem. Mas só a atitude é capaz de mantê-la. Lenira tinha uma dose assombrosa disso. De atitude.

Lenira fazia você acreditar na ilusão de que era o único homem no mundo. Lenira olhava você como se estivesse olhando para o Brad Pitt. Lenira punha os olhos dela nos seus e não tirava de lá nem para piscar. Um, vários homens bonitos podiam passar por nós, Lenira só tinha olhos para mim. I only have eyes for you, me ocorre agora aquela música romântica americana. Lenira parecia prestar atenção em cada sílaba que eu pronunciava, como se eu fosse Montaigne, ou Flaubert, ou Pitágoras. Mesmo quando eu dizia uma tolice espantosa, Lenira reagia como se acabasse de ouvir uma frase inspirada, genial. Lenira ria da piada mais sem graça que você poderia contar. Seu supremo talento era fazer tudo isso sem aparentar falsidade.

Lenira realmente parece achar você um cara especial.

Isso, na verdade, é tudo que um homem quer de uma mulher. Que não o faça sentir mais um na multidão. Minha bela amiga Mariza Montalbán é o oposto. Mariza sempre dá um jeito de deixar claro que ela é especial. Mariza olha para os homens de cima para baixo. Parece estar fazendo um favor a eles por estar ali em sua companhia. Numa mesa de bar ou restaurante, olha sempre para outros homens bonitos que entram. Parece entediar-se depois de alguns minutos de conversa com seu acompanhante. Seus olhos erram pelo ambiente como besouros, ou bizorros, como dizia Hugo. E, porque lavou louça seis meses num restaurante londrino, se acha no direito de corrigir impiedosamente o inglês de seus namorados, como fez com o convictamente monoglota Hugo. Mariza é zero em atitude.

Lenira era 10 com louvor nessa disciplina. Um dia, no começo da carreira, eu estava arrasado. Uma promoção que eu esperava ansiosamente na redação me foi afinal negada. Meu chefe preferiu promover uma colega mulher com quem devia estar tendo um caso. Eu sabia que escrevia muito melhor que ela, mas sabia também que jamais teria 90 de busto como ela. E então dancei. Quando contei a história para Lenira virou-se para mim e disse: “Você é melhor que todos eles”.

Já faz muito tempo que essa frase foi pronunciada. E já faz também muito tempo que Lenira é apenas uma recordação de doçura intermitente para mim. Mas desde aquele dia, sempre que um vento frio sopra sobre minha alma, sempre que eu procuro sentido para as coisas sem encontrar, sempre que tenho vontade de fugir para dentro de mim mesmo e não retornar, aquela frase de Lenira tão, tão, sei lá, tão pungente, ainda que tão distante da realidade de um escritor vulgar como eu, um loser como os americanos dizem, aquela frase, eu dizia, me volta aos ouvidos como um cobertor numa noite de inverno. Tudo que no fundo o homem quer é que pelo menos para sua namorada ou mulher ele seja melhor que todo mundo.

Lenira me fazia sentir assim.

A cartomante

20/11/2007


E então subo a escada do sobrado acanhado de Pinheiros. Pouco antes, levara um susto. Um grupo de garotos passara por mim na rua escura, e temi fortemente pelo meu iPod. Demoro um pouco na frente do sobrado. Não há indicação de nada. A parte de baixo é um salão de beleza. É começo de noite, e havia apenas uma freguesa. Bato timidamente na porta e pergunto se é ali que ela atende. Sim, é lá. Na parte de cima. Numa sala modesta, cheia de papéis velhos e livros consumidos pelo uso e pelo tempo, uma sala parecida com o consultório de um médico do interior. Estou diante dela. Da cartomante.

Ela está de branco, os cabelos são curtos e claros, e a idade está entre 50 e 60, com mais chances para 60. Maternal. Algum tempo atrás, eu riria se alguém me dissesse que eu iria consultar uma cartomante. Fui de esquerda, li Marx, Lênin, Trotski. Materialista ateu, tecnicamente. Só acreditar no que se pode tocar e provar. Essa a minha essência. Deus? Só se eu pudesse cumprimenta-lo. O tempo me afastou da esquerda. Marx cedeu lugar a Adam Smith na minha lista de inspirações. Falta uma Margareth Thatcher para o Brasil é uma das minhas raras convicções. Mudei muito, mas não no ceticismo sólido em relação a tudo que não se possa provar. Das cinzas para as cinzas. Tenho a convicção de que, ao morrer, me integrarei à grande ordem cósmica. Mas na condição de pó. E não me importo. Não gostaria de viver duas vidas, ou uma vida eterna, ou sequer durar muitos anos. Não quero contemplar as ruínas de mim mesmo e do meu tempo.

Definitivamente não. Cícero escreveu, na Arte de Envelhecer, que é um paradoxo: as pessoas querem viver muito, mas quando conseguem isso, ao chegar à velhice, ficam infelizes. Eu não quero viver muito, está bem? Portanto, a Arte de Envelhecer, um pequeno grande livro que ensina a ver o lado bom do envelhecimento, não serve para mim.

Mas lá estou eu diante da cartomante. Eu ali? Sim, eu ali. Acredito? Não. Ou melhor. Não sei. Não sei se acredito. Mas estou ali, e não é num ato de fé, e nem de desespero, mas de curiosidade. Amigos meus foram lá, e voltaram encantados. Provavelmente ouviram o que gostariam de ouvir, e basta olhar para um rosto aflito para perceber quais as palavras que lhe trarão alento e alegria.

Ela se acomoda na cadeira diante de uma pequena mesa, e eu me sento à frente dela. Pede que eu escreva meu nome, e depois começa a fazer cálculos. Numerologia, diz ela. Depois de alguns instantes, o diagnóstico numerológico.
“Seu número é onze. É o número da determinação, da obstinação. Todo mundo quer ser onze, mas poucos conseguem. Eu mesma. Uma vez pensei em acrescentar alguma coisa a meu nome para dar onze, mas depois achei melhor ficar do jeito que é mesmo”
Ela me diz que devo assinar meu nome por inteiro, para cravar o onze. Com o passar dos anos, fui simplificando minha assinatura. Eu teria que mudar a assinatura, e isso é complicado legalmente. Vou pensar no caso. Mas isso não tem saído de minha cabeça. A cada vez que assino meu nome, lembro das palavras da cartomante.

Em seguida ela pega um baralho. É o do tarô. É gasto, encardido. Muitas mãos o usaram, muitas mãos ainda o usarão. Ela distribui as cartas na mesinha. Puxa algumas cartas, e vai falando. “Seu casamento. Acabou mesmo. O que vocês tinham que fazer juntos, fizeram.” Sim, ela está certa. Fim de caso. “Um amor antigo ronda você, e também um novo.” Ela puxa uma carta para o “amor antigo”, e depois puxa outra para o “amor novo”. “Ixi, não queria ser você. São duas cartas muito boas”. Ela sublinha, na fala, o “muito”. “Vai ser difícil você decidir. As duas cartas. Não podiam ser melhores. O amor antigo. Há raiva, ressentimento, desconfiança. Mas vocês são almas afins. Vão ter que resolver essa história em algum momento.” Ela faz uma pequena pausa. “Provavelmente em outra vida.”

Lol. Laughing out loud. Rindo. Outra vida de guerra amorosa? Não consigo imaginar. Mas também não acredito em vidas futuras, portanto, tudo bem. “O amor novo. A carta mostra que vai te trazer alegria, leveza. Mas cuidado. Não seja galinha.” Galinha, eu? Tenho muitos defeitos, mas não este. “Não, não sou ga ….”, estou falando, mas ela me interrompe e conta a história de um cliente que ficou com tantas mulheres por tanto tempo que acabou sem nenhuma. “Você vai ter que ter paciência com este novo amor. Respeitar o tempo dela.” Respeitar o tempo dela? Que será que a cartomante quis dizer? Ela também comenta que estou numa fase fértil. “Portanto, cuidado. 2009. 2009 é um ano bom para você ser pai mais uma vez.” 2009. Soma onze. Dois, zero, zero, nove. Meu número. Será?

Na última etapa, ela diz que vai responder a perguntas específicas. “Sim sim, não não”. Sem evasivas, quer dizer. “Vou escrever um grande romance, como Gatsby?” Alimento alguma esperança enquanto ela puxa uma carta. Mas. “Não” Meu destino é ser um escritor barato. “Gostaria também de ser roteirista. Nos Estados Unidos. Ganhar em dólares. Um seriado como Friends. Vou ser?” Pouca expectativa, agora, admito. “Não”. Tempo de ir embora. Uma hora. Pago a consulta, e me encaminho para a porta. Antes de ir, ela me chama ainda uma vez. “Ei Fabio”. Viro o rosto. “Sobre aquele assunto. As duas cartas. Não queria ser você.” Rio, e vou responder que também eu não queria ser eu, mas decido me calar e seguir em frente.

A cartomante

20/11/2007


E então subo a escada do sobrado acanhado de Pinheiros. Pouco antes, levara um susto. Um grupo de garotos passara por mim na rua escura, e temi fortemente pelo meu iPod. Demoro um pouco na frente do sobrado. Não há indicação de nada. A parte de baixo é um salão de beleza. É começo de noite, e havia apenas uma freguesa. Bato timidamente na porta e pergunto se é ali que ela atende. Sim, é lá. Na parte de cima. Numa sala modesta, cheia de papéis velhos e livros consumidos pelo uso e pelo tempo, uma sala parecida com o consultório de um médico do interior. Estou diante dela. Da cartomante.

Ela está de branco, os cabelos são curtos e claros, e a idade está entre 50 e 60, com mais chances para 60. Maternal. Algum tempo atrás, eu riria se alguém me dissesse que eu iria consultar uma cartomante. Fui de esquerda, li Marx, Lênin, Trotski. Materialista ateu, tecnicamente. Só acreditar no que se pode tocar e provar. Essa a minha essência. Deus? Só se eu pudesse cumprimenta-lo. O tempo me afastou da esquerda. Marx cedeu lugar a Adam Smith na minha lista de inspirações. Falta uma Margareth Thatcher para o Brasil é uma das minhas raras convicções. Mudei muito, mas não no ceticismo sólido em relação a tudo que não se possa provar. Das cinzas para as cinzas. Tenho a convicção de que, ao morrer, me integrarei à grande ordem cósmica. Mas na condição de pó. E não me importo. Não gostaria de viver duas vidas, ou uma vida eterna, ou sequer durar muitos anos. Não quero contemplar as ruínas de mim mesmo e do meu tempo.

Definitivamente não. Cícero escreveu, na Arte de Envelhecer, que é um paradoxo: as pessoas querem viver muito, mas quando conseguem isso, ao chegar à velhice, ficam infelizes. Eu não quero viver muito, está bem? Portanto, a Arte de Envelhecer, um pequeno grande livro que ensina a ver o lado bom do envelhecimento, não serve para mim.

Mas lá estou eu diante da cartomante. Eu ali? Sim, eu ali. Acredito? Não. Ou melhor. Não sei. Não sei se acredito. Mas estou ali, e não é num ato de fé, e nem de desespero, mas de curiosidade. Amigos meus foram lá, e voltaram encantados. Provavelmente ouviram o que gostariam de ouvir, e basta olhar para um rosto aflito para perceber quais as palavras que lhe trarão alento e alegria.

Ela se acomoda na cadeira diante de uma pequena mesa, e eu me sento à frente dela. Pede que eu escreva meu nome, e depois começa a fazer cálculos. Numerologia, diz ela. Depois de alguns instantes, o diagnóstico numerológico.
“Seu número é onze. É o número da determinação, da obstinação. Todo mundo quer ser onze, mas poucos conseguem. Eu mesma. Uma vez pensei em acrescentar alguma coisa a meu nome para dar onze, mas depois achei melhor ficar do jeito que é mesmo”
Ela me diz que devo assinar meu nome por inteiro, para cravar o onze. Com o passar dos anos, fui simplificando minha assinatura. Eu teria que mudar a assinatura, e isso é complicado legalmente. Vou pensar no caso. Mas isso não tem saído de minha cabeça. A cada vez que assino meu nome, lembro das palavras da cartomante.

Em seguida ela pega um baralho. É o do tarô. É gasto, encardido. Muitas mãos o usaram, muitas mãos ainda o usarão. Ela distribui as cartas na mesinha. Puxa algumas cartas, e vai falando. “Seu casamento. Acabou mesmo. O que vocês tinham que fazer juntos, fizeram.” Sim, ela está certa. Fim de caso. “Um amor antigo ronda você, e também um novo.” Ela puxa uma carta para o “amor antigo”, e depois puxa outra para o “amor novo”. “Ixi, não queria ser você. São duas cartas muito boas”. Ela sublinha, na fala, o “muito”. “Vai ser difícil você decidir. As duas cartas. Não podiam ser melhores. O amor antigo. Há raiva, ressentimento, desconfiança. Mas vocês são almas afins. Vão ter que resolver essa história em algum momento.” Ela faz uma pequena pausa. “Provavelmente em outra vida.”

Lol. Laughing out loud. Rindo. Outra vida de guerra amorosa? Não consigo imaginar. Mas também não acredito em vidas futuras, portanto, tudo bem. “O amor novo. A carta mostra que vai te trazer alegria, leveza. Mas cuidado. Não seja galinha.” Galinha, eu? Tenho muitos defeitos, mas não este. “Não, não sou ga ….”, estou falando, mas ela me interrompe e conta a história de um cliente que ficou com tantas mulheres por tanto tempo que acabou sem nenhuma. “Você vai ter que ter paciência com este novo amor. Respeitar o tempo dela.” Respeitar o tempo dela? Que será que a cartomante quis dizer? Ela também comenta que estou numa fase fértil. “Portanto, cuidado. 2009. 2009 é um ano bom para você ser pai mais uma vez.” 2009. Soma onze. Dois, zero, zero, nove. Meu número. Será?

Na última etapa, ela diz que vai responder a perguntas específicas. “Sim sim, não não”. Sem evasivas, quer dizer. “Vou escrever um grande romance, como Gatsby?” Alimento alguma esperança enquanto ela puxa uma carta. Mas. “Não” Meu destino é ser um escritor barato. “Gostaria também de ser roteirista. Nos Estados Unidos. Ganhar em dólares. Um seriado como Friends. Vou ser?” Pouca expectativa, agora, admito. “Não”. Tempo de ir embora. Uma hora. Pago a consulta, e me encaminho para a porta. Antes de ir, ela me chama ainda uma vez. “Ei Fabio”. Viro o rosto. “Sobre aquele assunto. As duas cartas. Não queria ser você.” Rio, e vou responder que também eu não queria ser eu, mas decido me calar e seguir em frente.

Para sempre perdida

14/11/2007

Summer Evening, de Edward Hopper

ENTÃO, UM DIA, NADJA ME DEIXOU. Um novo amor apareceu para a vulcânica Nadja, e eis aqui o velho amor despachado para … Me vem à cabeça uma música cantada por Kurt Cobain no triunfo do Nirvana em Nova York ( o Acústico da MTV): despachado para onde sopra o vento frio e o sol não brilha nunca. Where the cold wind blows. (Tenho para mim que é a maior interpretação da história do rock, mas este não é o melhor espaço para comentar isso.)

Sob o risco de plagiar alguém (acho que a mim mesmo, na verdade), digo o seguinte. Entrar num relacionamento é como entrar num trem. Podem mudar as estações, mas o destino é sempre o mesmo. Tristeza, decepção, mágoa, adeus. O extraordinário é que nenhum de nós desiste de entrar no trem. É o que um grande frasista francês La Rouchefoucauld chamava de triunfo da esperança sobre a experiência. Ou terá sido Dr. Johnson?

Tive fé cega em Nadja e mim. Acreditei que nada poderia nos separar. Ninguém neste mundo, ou em qualquer outro, teria esse poder. É o que eu presumia, em meu otimismo romântico. Éramos como Romeu e Julieta, John e Yoko, Liz e Burton: dois que formam um. Ou, como disse Montaigne sobre a amizade que o uniu a La Boétie, uma união de duas almas em que não se nota a costura. Mas eis que… eis que o trem chegou a seu destino inescapável.

Tive raiva. Vontade de espremer aquele pescoço tão delicado. De cravar um punhal naqueles seios durante tanto tempo tão disponíveis. Confesso tudo isso. E confesso também que senti a tentação de dizer que ao ser enxotado do trem reagi com a fria elegância inglesa. Mas não posso mentir. Não aos menos num blog que se diz de um homem sincero.

É muito bom sentir todas aquelas tentações sanguinolentas. In a certain way. Porque elas significam que foi bom. E é ainda melhor não transformar as tentações em realidade. Porque a euforia efêmera do “justiçamento” cede lugar a um pesadelo de uma vida inteira. E, além do mais, se você suprime literalmente quem lhe deu um fora, você perde a oportunidade de dizer certas verdades que esqueceu de dizer. E a verdade é que a gente sempre termina um relacionamento sem dizer, por não nos ocorrer no tumulto do fim, verdades essenciais. E é preciso ter uma nova chance de dizê-las.

Alguma coisa de Nadja sempre estará em mim. Ou muita coisa. Você sempre desce do trem mais rico do que entrou. Li um texto de Erica Jong em que ela falava de um namorado rústico que tivera num país remoto. O namorado rústico era casado e Erica escreveu uma frase que achei linda: eu preferia ser a mulher a cujos braços ele corria a ser a mulher de quem ele fugia.

Erica terminava dizendo que sempre que lhe vinha à mente a palavra sexo imediatamente lhe ocorria a imagem do namorado rústico. Nem sempre sexo é uma palavra comovente, mas a reflexão de Erica – oh, essa necessidade imperiosa de ser sincero – me deixou úmidos os olhos.

E então eu digo que sempre que alguém falar em paixão vou pensar em Nadja. E então peço licença para uma última citação.

Perdida, para sempre perdida, mas tão viva, tão linda, batendo os saltos na cidade da minha saudade.

Eu jamais conseguiria escrever uma frase tão linda como essa de Rubem Braga para Nadja.

Minha Casa

14/11/2007

E então estou ali na minha casa. Não a minha casa atual. A casa em que nasci e cresci e deixei há tantos anos. Fazia tempo que eu, ao visitar minha velha casa, não parava para refletir sobre ela e as pessoas e as coisas que a marcaram ao correr dos longos dias. E faço isso ali naquele instante, dentro dela. A casa foi reformada, e isso me incomoda. É mais ou menos como encontrar alguém querido que fez uma plástica no rosto: é o mesmo e ao mesmo tempo não é. A imagem que guardo dela é a antiga, não importa que a reforma tenha sido feita há mais de dez anos. A casa simples, modesta, acolhedora. Portão e portas sempre abertas, à espera de amigos. Três pequenos quartos. Apenas um banheiro. Éramos sete, papai, mamãe e os cinco filhos, e em certos momentos o congestionamento na zona do banheiro era inevitável. A reforma trouxe mais um banheiro, mas a casa que eu realmente amei sobre todas as outras casas tinha apenas um, e era movimentado.

E então me ocorre um pensamento tolo. Talvez o maior presente que eu poderia ganhar era aquela casa reconstruída. Mas onde estariam as pessoas que a fizeram ser mágica e única como foi? Meu pai naquele sofá, depois do almoço feito por Dona Isabel, em meio ao alarido de todos nós. Meu pai se deitava de costa e tirava uma sesta de 15 minutos. Meu pai na cama, nos domingos à tarde, o abajur ligado, um romance policial na mão, ouvindo o jogo do Corinthians. Meu pai era o sol daquela casa, o sol e a lua e todas as estrelas.

Meu irmão mais velho foi meu companheiro de quarto. Juntos suportamos o barulho de Dona Isabel ao abrir as gavetas emperradas do guarda-roupa tosco e acomodar nossas roupas mais ou menos às 6 da manhã. Dona Isabel chegava de madrugada. Também ela não poderia ser reconstruída. Dona Isabel tinha um sotaque nordestino forte e jamais conseguiu pronunciar direito o nome de meu pai. Uma vez. Uma vez escrevi um conto erótico, e dei à empregada da trama o nome de Dona Isabel. Era este o título do conto, acho. Estranha homenagem.

Perguntávamos um ao outro, meu irmão e eu, se já tínhamos dormido. Éramos garotos e a noite nos trazia de vez em quando medo e sobressalto. Lembro a última noite em que dormimos no mesmo quarto. No dia seguinte ele se casaria. Eu deveria estar alegre, a noiva era e é uma grande mulher, mas o sentimento que me assaltou mesmo quando o vi deitado na cama que usaria pela última vez foi melancolia.

Ali estou hoje, adulto, na minha velha casa. Dois objetos que sobreviveram aos dias me são particularmente caros: um quadro em preto-e-branco de Jesus. Umas poucas palavras ao lado da imagem: tinha 33 anos, jamais escreveu um livro, morreu na cruz. E uma coleção de Machado de Assis, em capa dura verde, com anotações de meu pai jovem. Mas o velho abacateiro, em cuja sombra enorme, no quintal, eu brincava de futebol e jogava bolinha de gude, o velho abacateiro foi abatido. E o chão de terra do quintal foi transformado em cerâmica. Olhar para o quintal e não ver o abacateiro me dá a idéia da imensa fugacidade, precariedade de tudo. Um mestre zen, ao notar a rapidez com que a vareta de um incenso se consumia, alcançou a iluminação. Num poeta, a consciência de que tudo se desfaz velozmente produz versos líricos, pungentes.

Num sábio, é o melhor remédio contra a vaidade, a presunção. Em mim, escritor barato que sou, nem iluminação, nem lirismo, nem sabedoria. Apenas perplexidade vã, tola, e uma pergunta ainda mais vã e mais tola sobre o sentido de tudo isso.

Maldição eterna

06/11/2007

“Alô?”

“Oi. Sou eu.”

Só pessoas que têm ou recentemente tiveram uma relação especial com a gente podem se apresentar dessa forma. Sem dizer o nome. Demora um bom tempo até que a gente esqueça o som de determinadas vozes. Por isso, declinar o nome, pelo menos por um período, é perda de tempo.

“Oi, Nadja. Tudo bem?”

Era ela. Nadja, meu amor perdido. Eu sempre quis falar coisas inteligentes para Nadja, bem diferentes de um simples “tudo bem?”. Sempre quis impressioná-la com falas cinematográficas. Hoje vejo como isso foi ruim para o nosso romance. Eu deveria ter acreditado que ela pudesse gostar de mim como eu sou mesmo, com minhas frases banais e gramaticalmente manquitolas. Uma relação em que você se sinta na obrigação de parecer melhor do que é não pode ter um futuro muito brilhante.

“Fabio, eu queria escrever um texto sobre a minha verdade. A minha versão sobre o fim do nosso romance. Você já apresentou, nos seus textos, a sua verdade. Não acho muito justo. Aliás, não acho nada justo.” (Ela frisou o “nada” esticando deliciosamente a primeira sílaba. É uma das pequenas coisas que mais me trazem saudade. Me ocorre o seguinte pensamento: a saudade das pequenas coisas dói ainda mais que a saudade das grandes coisas.)

“O que você está querendo é inusual, Nadja. Posso adiantar que…”

“Não me adiante nada, Fabio.”

Nadja jamais tivera muita paciência com embromações. Daí o corte abrupto de minha frase. Num momento isso me encantou. Depois confesso que senti falta, em Nadja, de uma dose um pouco maior de paciência. Pelo menos comigo. É curioso, nas relações, como muitas coisas que vemos no começo como virtudes no outro ou na outra se transformam depois, aos nossos olhos, em defeitos. O tempo é cruel como um velho cossaco russo.

“Eu quero expor o meu lado. Fabio, você sempre foi imaturo. Extremamente imaturo. Você gosta do amor impossível. Você gosta da fantasia, não da realidade. Você não deu certo comigo por mais que eu amasse você. Você não deu certo com a Constância por mais que ela amasse você. Será que você percebe que não dá certo com ninguém? Quando será que você vai crescer, Fabio? É isso que eu quero escrever no artigo. Você é um embuste, Fabio. Alô, você está aí?”

Ela queria uma prova de que seu golpes verbais estavam doendo. E eu dei, talvez por uma espécie de gentileza póstuma.

“Sim. Pode ir em frente, Nadja.” (Recentemente li numa revista americana que a melhor coisa que você pode fazer quando se vê numa conversa destruidora com sua namorada é encerrar essa conversa enquanto os danos não são tão grandes assim. Infelizmente, em relação a Nadja, só li depois de um número considerável de conversas pesadas.)

“Você me atirou para fora de sua vida com esse comportamento infantil, Fabio. E me atirou para os braços de outro homem. Bem melhor, aliás, que você, Fabio. Principalmente naquilo.”

Naquilo? Um dos maiores temores de um homem ̩ que seu sucessor seja melhor que ele naquilo. O ideal seria que nossos sucessores fizessem tudo Рcantar, escrever poesias, ganhar dinheiro, eventualmente at̩ dar uns beijos -, menos aquilo.

“Fabio. Eu… eu…”

Passou pela minha cabeça a possibilidade de que ela completasse a frase assim: “… amo você”.

“… eu odeio você. Quero que você se ferre.”

Nadja me odeia e eu aceito que seja assim. O grande amor só é grande amor se terminar em maldição eterna.

Dia Perfeito

03/11/2007

Escrevo agora sob a melodia triste de Perfect Day, por Lou Reed. Dia perfeito. “I’m glad I spent it with you/oh such a perfect day/you keep me hanging on”. Mais ou menos assim: estou feliz por ter passado este dia perfeito com você. Você me põe sempre pra cima.
Não, ao que consta não é exatamente uma frase romântica, mas irônica. O que o deixa alto não é uma mulher, mas a heroína. Lol.
Como aquele grande filme de Clint Eastwood. Um dia Perfeito. Clint persegue um cara que, ao fugir, levara um garoto. O garoto está com o cara. Ele jamais faria qualquer mal ao menino. Mas ninguém exceto Clint , provavelmente,sabe. Clint aprendeu com Sergio Leone, o gênio italiano do western spaghetti, a dar drama a certas cenas com um close no rosto e uma melodia pungente. Clint trabalhou, no início da carreira, sob a direção de Sergio Leone. (Se você ainda não viu Era uma vez na América, meu, sorry por você.)
Um dia perfeito. Exemplo. Aquele em que, a família reunida, uma equipe de médicos disse no hospital o que aguardava meu pai. O diagnóstico técnico. Joguei meus óculos na parede. Lol. Sempre fui impulsivo, tolo. Minha tia depois disse que deus sabia o que estava fazendo, e eu xinguei um deus no qual não acreditava. Aumentei desnecessariamente a tristeza de minha tia, e não reduzi a minha. Ôculos. Pus depois os óculos em meu pai. Naquela hora. Você sabe. Para que ele não sentisse falta deles.Just in case. Meu pai era mais míope que eu. Oh, um dia perfeito.

O museu dos relacionamentos fracassados

03/11/2007

Li um texto no blog da Maria Julia. Julia Duarte, como é popularmente conhecida. Fala sobre um museu de relacionamentos fracassados. As pessoas enviam peças dos amores arruinados. Gostei do nome. Me lembrou a Banda dos Corações Solitários, do grande clássico dos Beatles. Ou A Rua dos Sonhos Perdidos, o quadro lindo inspirado na pintura Nighthawks, de Hopper. Hopper. Conhecê-lo é amá-lo. Edward Hopper, o pintor soberbo da solidão americana. Tanto quanto Klimt é agressivo em seu erotismo perturbador, Hopper é doce em sua melancolia deslumbrante.

Vargas Llosa é louco por Klimt, eu soube uma vez ao ler um romance dele. Digressão. Llosa faz uma coisa boa para quem, como ele, e eu mesmo, se enche de livros. A cada um que chega, outro é dado. A bagagem jamais fica excessiva assim. Ah, outra coisa útil: ele faz uma espécie de ficha de cada livro lido. Todo leitor devia fazer o mesmo. Recomendo fortemente, embora eu próprio não faça isso.
Mas o museu. Penso nos itens que doaria. Que tal um rim? Lol. Brincadeira macabra, admito. O espelho que foi quebrado naquele dia. Que tal? Penso na tatoo feita por alguém que se foi. Como doar a tatoo ao museu?
Vocês. Sugiro. Que nós abramos uma espécie de fórum. A peça que doaríamos. A que nossa turma considerar mais original rende um prêmio ao autor.

Você acredita em cartomante?

03/11/2007

?

Meu, fui a uma. Mas sei lá. Devo contar a visita? Ou é perda de tempo? Alguém acredita em cartomante? Acho que não. Lol. Se as pessoas acreditassem, eu narraria minha experiência naquele consultório ao qual se chega depois de passar por um salão de beleza, e subir uns degraus de escada. Mas. Lol. Alguém acredita?

O museu dos relacionamentos fracassados

02/11/2007

Li um texto no blog da Maria Julia. Julia Duarte, como é popularmente conhecida. Fala sobre um museu de relacionamentos fracassados. As pessoas enviam peças dos amores arruinados. Gostei do nome. Me lembrou a Banda dos Corações Solitários, do grande clássico dos Beatles. Ou A Rua dos Sonhos Perdidos, o quadro lindo de Hopper. Hopper. Conhecê-lo é amá-lo. Edward Hopper, o pintor soberbo da solidão americana. Tanto quanto Klimt é agressivo em seu erotismo perturbador, Hopper é doce em sua melancolia deslumbrante.

Vargas Llosa é louco por Klimt, eu soube uma vez ao ler um romance dele. Digressão. Llosa faz uma coisa boa para quem, como ele, e eu mesmo, se enche de livros. A cada um que chega, outro é dado. A bagagem jamais fica excessiva assim. Ah, outra coisa útil: ele faz uma espécie de ficha de cada livro lido. Todo leitor devia fazer o mesmo. Recomendo fortemente, embora eu próprio não faça isso.
Mas o museu. Penso nos itens que doaria. Que tal um rim? Lol. Brincadeira macabra, admito. O espelho que foi quebrado naquele dia. Que tal? Penso na tatoo feita por alguém que se foi. Como doar a tatoo ao museu?
Vocês. Sugiro. Que nós abramos uma espécie de fórum. A peça que doaríamos. A que nossa turma considerar mais original rende um prêmio ao autor.

Dia Perfeito

Escrevo agora sob a melodia triste de Perfect Day, por Lou Reed. Dia perfeito. “I’m glad I spent it with you/oh such a perfect day/you keep me hanging on”. Mais ou menos assim: estou feliz por ter passado este dia perfeito com você. Você me põe sempre pra cima.
Não, ao que consta não é exatamente uma frase romântica, mas irônica. O que o deixa alto não é uma mulher, mas a heroína. Lol.
Como aquele grande filme de Clint Eastwood. Um dia Perfeito. Clint persegue um cara que, ao fugir, levara um garoto. O garoto está com o cara. Ele jamais faria qualquer mal ao menino. Mas ninguém exceto Clint , provavelmente,sabe. Clint aprendeu com Sergio Leone, o gênio italiano do western spaghetti, a dar drama a certas cenas com um close no rosto e uma melodia pungente. Clint trabalhou, no início da carreira, sob a direção de Sergio Leone. (Se você ainda não viu Era uma vez na América, meu, sorry por você.)
Um dia perfeito. Exemplo. Aquele em que, a família reunida, uma equipe de médicos disse no hospital o que aguardava meu pai. O diagnóstico técnico. Joguei meus óculos na parede. Lol. Sempre fui impulsivo, tolo. Minha tia depois disse que deus sabia o que estava fazendo, e eu xinguei um deus no qual não acreditava. Aumentei desnecessariamente a tristeza de minha tia, e não reduzi a minha. Ôculos. Pus depois os óculos em meu pai. Naquela hora. Você sabe. Para que ele não sentisse falta deles.Just in case. Meu pai era mais míope que eu. Oh, um dia perfeito.

Você acredita em cartomante?

Meu, fui a uma. Mas sei lá. Devo contar a visita? Ou é perda de tempo? Alguém acredita em cartomante? Acho que não. Lol. Se as pessoas acreditassem, eu narraria minha experiência naquele consultório ao qual se chega depois de passar por um salão de beleza, e subir uns degraus de escada. Mas. Lol. Alguém acredita?