Archive for Dezembro, 2008

Fique com quem faz você rir

31/12/2008

Tio Fábio, um falecido homem sábio do interior, Deus o tenha, sempre gostou de circo. Um dia, quando eu ainda era garoto, ele me levou ao circo. E apontou, com seus dedos amarelados pelo cigarro, o palhaço que me fizera gargalhar. Pense nesse palhaço quando for escolher as pessoas para ter ao seu lado. Amigos, namoradas. É vital ter por perto pessoas que sorriam e nos façam sorrir. (Tio Fábio não era homem apenas de teoria. Na vida prática, tinha, como o palhaço daquele circo tão distante no tempo, uma notável capacidade de fazer os outros rirem.)
Então reflito sobre os relacionamentos amorosos. Eles são tão mais leves, tão mais gostosos quando temos conosco alguém que traga a luz exuberante dos sorrisos genuínos. (Digo genuínos porque não existe nada pior que o sorriso hipócrita e fabricado, como os dos políticos.) E os relacionamentos podem ser um tormento quando quem está ao nosso lado não sabe rir. O ideal é termos uma palhaça como namorada, mulher, manteúda ou que você quiser.
O sorriso é uma atitude. Mostra, quase sempre, um espírito superior, de gente capaz de lidar, com dignidade e bravura, com as adversidades da vida. (Jamais vi uma foto do Dalai Lama em que ele não aparecesse sorrindo. Paz genuína interior ou dissimulação? Alguém tem um palpite?) Assim como o rosto fechado e sombrio é quase sempre sinônimo de pessoas tomadas pelo síndrome da vítima, a compulsão de pôr a culpa de tudo nos outros, a evasão total e descarada de responsabilidade. É aquela história: o mundo me persegue. Ninguém me compreende. Deus criou tudo apenas para que eu fosse sacaneado. Para estas pessoas, Sartre criou a frase definitiva: o inferno são os outros.

O sorriso é, repito, uma atitude. E também uma virtude. Como toda virtude, tem que ser cultivado. São absolutamente excepcionais as pessoas cuja alma já nasce sorridente. Para nós, outros, os chamados normais, sorrir para a vida é fruto de um esforço cotidiano, um treinamento incessante para não ver os fatos sob ângulos negativos.
Um dos livros mais admirados por Tio Fábio (quantas vezes ele tentou fazer-me ler) traz uma passagem de Sêneca, filósofo estóico de quase 2000 anos atrás. Uma passagem sublinhada por Tio Fábio fala de um filósofo que perdeu todos os seus bens no naufrágio. A reação do sábio: É que o destino quis que eu filosofasse mais desembaraçadamente.  (Admiro a disciplina de Tio Fábio de ler livros sempre acompanhado de lápis e caneta. Tentei algumas vezes, mas tropecei em minha completa falta de método. Quem sabe um dia.)
Cercar-se de palhaços foi o conselho que Tio Fábio me deu há muitos anos. Nem sempre fui bem-sucedido. Ou nem sempre dei a devida atenção a esse conselho. Sofri e levei sofrimento e aqui cometo a ousadia de vir fazer um acréscimo à frase de Tio Fábio. Não basta se cercar de palhaços. É preciso que sejamos palhaços também. Receber risadas é bonito, mas mais bonito ainda é dá-las.
Você sabe que uma relação está morta quando se acabam os risos. Um romance saudável tem a estridência irresistível e espontânea das gargalhadas. Pode acontecer que os dois tenham se esquecido de como dar risada. E então vale a pena o esforço de se lembrar. Mas, se você tentar devolver a alegria a uma relação que se tornou pesada e não conseguir nada além de queixumes e lamúrias, é melhor desistir. Não do sorriso, nem da alegria e do amor, mas da relação. Só continue se você gostar do sofrimento. Para quem acredita que o propósito da vida é a felicidade, não há saída se não respirar fundo e cair fora, com um sorriso de preferência.

Balzáqueas21: O silêncio do infiel

25/12/2008

“Um marido, como um governo, nunca deve confessar a culpa.”
Balzac

Balzáqueas20: O amor e a aversão

24/12/2008

“O homem vai da aversão ao amor. Mas, quando começou por amar e chega à aversão, nunca mais volta ao amor.”

Balzac

O presente que não dei

24/12/2008

O mundo basicamente de divide entre os que dão e os que recebem presentes. Eu estou na primeira turma. Poucas coisas me trazem tanto prazer quanto acertar num presente a alguém querido. É uma questão de vocação. Gosto muito mais de dar do que de receber presente.
E no entanto. E no entanto, quando olho para trás e examino minha relação com os presentes, não é algum que dei que me chama a atenção mais que os outros. É um que não dei. E aqui peço licença para uma digressão pugilística. Uma vez li uma matéria numa revista americana sobre um grande lutador. Ele tinha dezenas de vitórias, e apenas duas derrotas. Mas foram derrotas épicas, disputas que entram na lista dos maiores combates do boxe. O articulista escrever que paradoxalmente aquele lutador – chamemos pelo nome, Thomas Hearns – seria lembrado não pelas vitórias mas pelas derrotas.

É mais ou menos o que acontece comigo em relação aos presentes. O que não dei é o que não sai e não sairá jamais de minha mente.

Meu pai. Meu pai, que jamais deixara de trabalhar por causa de doença, um homem vigoroso e exuberante, um certo dia se queixou de dores. Uma bateria de exames mostrou que o problema era aparentemente simples: pedras na vesícula. Uma cirurgia rápida, uns poucos dias de recuperação no hospital e pronto. De volta à vida normal.

A cirurgia foi marcada para uma semana em que eu, um repórter iniciante, faria uma cobertura de um encontro de produtores de petróleo em Quito, no Equador. Tudo parecia banal na questão médica de meu pai, e então embarquei. (Vou poupar você da descrição das dores de cabeça pela perda da mala na conexão que fiz a caminho de Quito.)

Comprei uns poucos presentes nas raras horas vagas que tive em Quito. Mas não para meu pai. Tento entender as razões, e acho que jamais consegui dar presentes a meu pai que eu julgasse dignos dele. Meu pai amava livros. Mas qual livro dar para ele?

Na volta, encontrei meu pai no hospital. Minha mãe, delicadamente, me perguntou o que eu trouxera para ele. Nada. O que parecia ser um problema corriqueiro se transformou num pesadelo. Em pouco tempo meu pai foi fisicamente devastado – mas não mentalmente. Como Sócrates, que confortou seus discípulos na hora de beber a cicuta que o mataria, meu pai nos consolou em sua morte. Deu-nos, na prática, um exemplo sublime de força na adversidade. De aceitação dos reveses. Montaigne escreveu que nada mostra com tanta clareza a estatura de um homem como a sua atitude perante a morte. Pela medição de Montaigne, meu pai foi um gigante.

E eu. E eu. Eu não trouxe nada a meu pai de Quito. E ele estava num leito de hospital. Mas. Mas tudo parecia tão simples. Foi a última oportunidade que tive de dar um presente a meu pai. Um mentiria se dissesse que não carrego um sentimento de culpa nestes anos todos. Uma sensação. Para usar uma frase de um conto de Machado de Assis que li obsesivamente numa fase de minha vida, Um Capitão de Voluntários, uma sensação que não é grande senão por me fazer sentir pequeno.

Presentes. Gosto de dá-los. Muito. Mas o que não dei é que jamais esqueci.

Balzáqueas 20- A Mulher que Ama Demais

22/12/2008

“No amor, é certo que se dermos demasiado não receberemos bastante. A mulher que ama mais do que é amada há de necessariamente ser tiranizada. O amor durável é o que tem sempre as forças dos dois seres em equilíbrio.”

Balzac

Madonna

22/12/2008

“Faltou música antiga”, disse Cris a Pedro. Ela estava falando do show de . Cris usa um espanhol sonoro para se definir como “energética”, e de fato é. Foram duas horas em pé à espera de uma extravagantemente atrasada para quem é uma profissional como ela é. E depois mais uma hora e meia em pé no espetáculo. E Cris dançou o tempo todo.
“Os artistas consagrados vivem um drama na hora de montar sua lista de músicas”, disse Pedro. “Eles querem cantar coisas novas. Mostrar que ainda criam, inovam, fazem hits. Mas o público só quer os clássicos. Agradar o público ou a si próprios é o dilema dos caras que fazem sucesso há muito tempo. É duro achar um ponto de equilíbrio aí.”
Claro que o ponto alto do show de , para o público, foi um clássico. Like a Prayer. Life is a mistery/Everybody must stand alone. Verdadeiro este verso, pensou Pedro. Todo mundo tem que se virar sozinho na vida.
Sinatra dizia que abominava cantar Strangers in the Night. Dylan tem uma maneira peculiar de não se entediar cantando sempre as mesmas músicas: muda tudo. Você tem extrema dificuldade em reconhecer Dylan cantando mesmo um clássico do porte de Like a Rolling Stone.
Um episódio de Simpsons é brilhante em mostrar a vontade do público em oposição à dos astros. Uma banda antig aparece na cidade e vai fazer um show. O cantor diz que a banda lançara um novo disco. O público vaia e pede a música da banda que mais fez sucesso. É cantada, mas mal se inicia as pessoas exigem que se vá direto ao refrão. Lol.

“Ela é abusada”, diz Cris. é uma das maiores inspirações de Cris, ao lado da Carrie de Sex and The City. ” Tem atitude. Olha o que ela faz com a guitarra.” acabara de passar a guitarra lascivamente pelo meio das pernas. dá um beijo na boca de uma das dançarinas, mas é uma ação de marketing já desgastada. Zero em erotismo. Ela aparece mais do que o habitual, no show, com diferentes guitarras. Ligadas ou não? O certo é que há por trás um guitarrista profissional. Com a guitarra lembra um pouco Courtney Love. As canções estão com um ar mais de rock do que de costume. Borderline, uma das raras músicas antigas cantadas, ganha ares quase de punk.
“A guitarra é uma forma elegante de ela dançar menos”, diz Pedro a Cris sem qualquer evidência. “Ela já tem cinqüenta anos. Não dá para dançar que nem você, horas sem parar.”
“Ela parece ter envelhecido muito desde a última turnê”, diz Cris. “Tá muito magra. Olha as pernas finas. Ela sempre foi gostosa.”

É uma superprodução. O uso primoroso dos telões no palco faz do concerto mais que um show de música. Recursos digitais fazem com que virtualmente dance com Justin Timberlake. Mensagens reliossas de paz aparecem uma hora nos telões, oriundas de diversas origem. As coisas de sempre. Não alimente o ódio. Não busque vingança. Faça com os outros o que gostaria que fizessem com você. Será que ela tratou o divórcio com o Guy Ritchie, o cineasta inglês, de acordo com aquelas mensagens?, pensou Pedro. Cris conta a Pedro qiue não deixava Ritchie comer gordura em casa.

é um fenômeno em durabilidade num universo pop que cria e destrói em dias, semanas. Ela é manchete há quase trinta anos.
“Ela não tem voz de diva”, diz Cris. “Mas é uma inovadora o tempo todo.” não fez o que tanta gente consagrada faz: imitar a si própria. Ela parece gostar do risco da novidade, e este é um dos maiores méritos que um artista pode ter. A tentação de repetir fórmulas que deram certo é enorme. Os Stones a partir de um certo momento passaram a imitar Os Stones. Ao contrário dos Beatles. Do primeiro ao último disco os Beatles inovaram, avançaram, e por isso viraram referência em reinvenção incessante na comunidade musical.
Aos inovadores se perdoa muita coisa. Incluído o fato de colocar menos músicas antigas num concerto. Ou mesmo atrasar duas horas. A mesma platéia que vaiava a espera aplaudiu freneticamente quando ela entrou afinal no palco.
“A pode”, diz Cris. “Ela é abusada. Ela pode muito.”

Balzáqueas 19: A Mulher Infiel

16/12/2008

“Ainda não foi possível decidir se a mulher é levada a tornar-se infiel mais por não conseguir se refrear do que pela liberdade que encontra para a traição.”

Balzac

Balzáqueas 19: A Mulher Infiel

16/12/2008

“Ainda não foi possível decidir se a mulher é levada a tornar-se infiel mais por não conseguir se refrear do que pela liberdade que encontra para a traição.”

Balzac

“Uma mulher deve despir o pudor no momento em que despe a saia”

16/12/2008

“Tenho que voltar a ler Montaigne”, disse Pedro a Cris. “É o melhor calmante que encontrei na vida.”
Pedro tinha em sua cabeceira os Ensaios de Montaigne, o grande e tardio filósofo estóico do século XVII. Os escritos de Montaigne eram para Pedro uma formidável inspiração para lidar com as adversidades O sábio, segundo Montaigne, é quem lida com serenidade com o perpétuo vai-e-vém de elevações e quedas na vida. A obra de Montaigne é rica em exemplos de coragem nos tropeços. Pedro gostava de abrir os Ensaios ao acaso, e ler até dormir as páginas que encontrava sem programar. Sem uma razão objetiva, deixara de fazer isso por meses seguidos, e o resultado fora a perda parcial de sossego.
Eram dois os escritores que Pedro gostava de ler ao acaso da página aberta sem intenção. Montaigne e Proust. As pessoas, achava Pedro, se assustam com os sete tomos de Em Busca do Tempo Perdido, de Proust. Algumas sonham a vida inteira em ler essa pirâmide literária, mas se intimidam pelo número de degraus. Proust, como a mulher bonita, fascina e ao mesmo tempo intimida as pessoas. Se elas soubessem que se pode ler Proust em pílulas, teriam a chance de ler páginas de beleza avassaladora, pensava Pedro.
“Nenhum Montaigne me tiraria do Vargas Llosa”, disse Cris. Ela lera com devoção Travessuras da Menina Má. Adiara a leitura das páginas finais como quem guarda o pedaço derradeiro de um prato especial. Pedro fazia o mesmo com certos livros. Era uma pena terminá-los.
Pedro abriu seu exemplar de Montaigne.Várias passagens sublinhadas, ou por lápis ou por caneta. Mas foi uma passagem intocada que lhe chamou a atenção. Era uma frase atribuída à nora de Pitágoras, o gênio extravagante da matemática. “Uma mulher deve despir seu pudor no momento em que tira a saia, e só voltar a usá-lo quando a vestir de novo.” Lol.
A nora de Pitágoras por certo não tinha a inteligência exuberante e inovadora do genro, mas era sexualmente interessante e avançada, pensou Pedro. Mulheres dos nossos tempos teriam a aprender com ela.
Cris olhou para o livro amado nas mãos de Pedro. Pensou na possibilidade de um dia tirar uma página dele. Riu sozinha. Uma única página. Não duas, não três. Uma só. Uma amiga lhe contara que fora essa a vingança de uma amiga. O marido dela era um cara que adorava livros, e se orgulhava de sua biblioteca. Traiu-a. Ela, meticulosa e friamente, tirou uma página de cada livro da biblioteca. A vingança perfeita.
“Perdi alguma piada?”, perguntou Pedro ao ver Cris rir.
“Não. Você não perdeu piada. Mas cuidado para não perder página.”
“Perder o quê?”
“Esquece”, ela disse. Cotinuava com o sorriso em seus lábios carnudos.
“Hmmmm?”
“Pedro. Olha. Da próxima vez presta mais atenção no que eu digo.”

Balzáqueas18- A forma éterea de uma jovem e bela mulher

06/12/2008

“Você despertou em mim várias formas distintas de curiosidade e é culpada de uma adorável coqueteria que não cabe a mim condenar. Você não avalia como é perigoso para uma imaginação vívida e um coração incompreendido vislumbrar a forma etérea de uma jovem e bela mulher.”

De Balzac, para Eveline Hanska

Posição ridícula?

05/12/2008

?
Hora de dormir. Escolho um entre os vários livros que estou lendo. Férias de Natal, de Somerset Maughan. Bom entretenimento. Maughan era um contador de histórias notável.

No romance, passado quando a União Soviética parecia florescente, Simon é um jovem inglês devotado à causa comunista. Despreza o modo de vida burguês. Me fixo numa passagem, e paro por uns momentos para refletir. Simon diz para seu amigo Charley, um ingênuo: “Chesterfield disse a palavra definitiva a respeito das relações sexuais: o prazer é momentâneo, a posição é ridícula e a despesa, condenável.”

Chesterfield foi um político e pensador inglês do século XVII. Grande frasista. Uma de suas melhores tiradas diz respeito aos homens e à moda. “É um absurdo um homem se preocupar com as roupas que vai vestir, mas mais absurdo ainda é não se preocupar”, disse ele. No que diz respeito ao sexo, ele não foi original. Marco Aurélio, o imperador filósofo dos romanos, disse coisa parecida. Sexo, segundo Marco Aurélio, é troca de fluidos em posição ridícula.

Fecho o livro e os olhos. Penso por um instante na posição do amor, e me vejo na dúvida sobre se é ridícula ou não. Rio comigo mesmo, e tento dormir.

Mãe

03/12/2008

. Me espera. Tô indo para longe, para uma terra cuja língua você jamais entendeu, e não vai ser pouco o tempo que vou ficar lá. Mas me espera.
. Da outra vez que fui para lá você colocou uma lata de Nescau na minha mala sem que eu soubesse. Você me esperou daquela vez. Me espera agora de novo.
. Me ocorre sei lá por que a melodia chorosa de uma canção chamada Never Going Home Anymore, da trilha de Butch Cassidy. . Por que essa música se instalou no meu ouvido?
. Eu escrevi tanto sobre o papai, e tão pouco sobre você. Me sinto culpado e injusto, mas sei que você vai me compreender e perdoar. Você também sempre falou muito mais do papai do que de você. . Sua humildade é majestosa.
. Me espera. Quero reencontrar seus olhos. Nos momentos de apuros eles sempre nos confortaram, a meus irmãos e a mim.
. Me explica. Por que o tempo destrói tão rápido o mundo em que somos felizes?
. Você foi a rainha do nosso mundo. A rainha mais generosa que jamais existiu. Todos os seus súditos, para você, eram bonitos e inteligentes. Todos também tinham bom caráter. Ninguém era desleal, ninguém traía, ninguém fazia nada feio no reino em que você, com o laquê que dava a seus cabelos ares de coroa, era a senhora suprema. Porque a seus olhos todos eram iguais a você.
. Uma das razões pelas quais eu detestaria viver outra vida além dessa é que não suporto a idéia de ter outra mãe que não você. Como um irmão escreveu de outro no livro do Martin Amis, você preencheu todos os meus céus, mãe.
. Não vou mentir. Vou demorar. Mas me espera.