Archive for Setembro, 2009

Paulo e Fabio

29/09/2009

Éramos inseparáveis na escola de jornalismo. Ele, um obcecado por fazer tudo o melhor possível; eu; com a tranqüilidade preguiçosa de alunos sem grande ambição. Paulo e Fabio. Em comum algumas coisas, como a paixão pelo Corinthians, os romances de Graham Greene e os solos de guitarra suavemente minimalistas de George Harrison. Nescau, Calipso, Coca. O amor desvairado por jogar futebol: éramos capazes de sair direto de uma sexta de madrugada, bêbados, rumo a um jogo de futebol no sábado pela manhã. Montaigne e Sêneca. Gatsby, o romance de Fitzgerald. Conhecíamos e discutíamos detalhes de Gatsby. Anotávamos trechos de livros que nos pareciam especiais, e isso era outro ponto que tínhamos em comum. O Gatsby de cada um de nós estava quase todo rabiscado. O tempo se incumbiria de dar a nós dois o destino que cada um começou a construir lá para trás.

Paulo é o que comumente se define um jornalista de sucesso. Primeiro repórter, depois editor, depois diretor de revista. Minha carreira foi menos variada. Primeiro um escritor barato. Sempre um escritor barato.

A vida nos afastou. (A vida sempre afasta os amigos da juventude. A vida é cruel como um cossaco russo nesse trabalho de afastamento de amigos.) Ficamos anos sem nos ver. Deixei pelo telefone, duas ou três vezes, recado com sua secretária. Não recebi retorno. Entendi: pessoas em alta posição nunca têm tempo para nada, ao contrário de vagabundos como eu, para os quais os minutos fluem vagarosos como a água de um riacho. Até que um dia nos encontramos por acaso numa fila de cinema. Tínhamos ambos ido ver A Mulher do Lado, de Truffaut. (Não pus, por engano, esse filme perturbador na lista de nossas paixões comuns. Agora corrijo o erro. Como falávamos desse filme em nossos dias de jovens, como elucubrávamos, como discutíamos cada cena.)

Ver meu amigo bem-sucedido na fila de A Mulher do Lado me levou imediatamente a uma constatação. Sim, ele vestia um blazer que me pareceu Armani, e imagino que fosse Rolex o relógio que tinha no pulso esquerdo. Mas, na alma, não mudara tanto assim, ou assim me pareceu ao vê-lo na fila. Estávamos ambos sozinhos. A Mulher do Lado era e é um filme sagrado para nós. E filmes sagrados, dizíamos ele e eu em nossos dias de jovens, exigem que você os veja sozinho. Para se concentrar inteiramente. No máximo, a companhia de um saco de pipocas. Nada mais.

Combinamos tomar um lanche na saída. Nada muito demorado. No dia seguinte, meu amigo tinha uma reunião bem cedo. Fomos ao Hamburguinho, outra de nossas obsessões comuns que me esqueci de listar. Miramos em silêncio respeitoso o quadro Boulevard of Broken Dreams, sobre o qual tanto falávamos lá pra trás. Na melancólica lanchonete retratada no quadro parecíamos reencontrar um pouco da juventude para sempre perdida. “Sempre invejei você”, Paulo me disse.

Pensei que fosse piada. “Invejou o quê?” Minha desimportância? Desde quando escritores fracassados despertam inveja? Eu imaginava uma estante repleta com livros escritos por mim. Um novo Dostoievski. Um novo Fitzgerald. E acabei como um colunista de assuntos sentimentais. Com dinheiro contado para comer esse sanduíche. “Ele suspirou. “Você não foi apanhado pela gaiola em que me meti. Você é dono de você. Há muito tempo eu deixei de ser dono de mim. É o preço que ambiciosos como eu pagam.”

Eu disse: “E quem não paga? Só não paga quem não pode”. Ele deu uma risada irônica. E olhou para algum lugar que era bem longe dali. “Meu pai. Meu pai não pagou.” O pai morto era uma dor constante para meu amigo. “Foi o maior homem que eu conheci. O maior jornalista. Fui bem mais longe na carreira que ele. Muitas vezes me perguntei por quê. Outro dia finalmente entendi. Fui adiante não porque fosse melhor que ele. Mas porque sou pior. Eu paguei o preço que meu pai recusou pagar.”

Era hora de ir embora. Antes de nos despedirmos, para talvez nunca mais nos encontrarmos, Paulo me disse: “Leio você. Sabe? Acho que me realizei em você. Um escritor barato. Era isso que eu queria ser. Barato e livre. Mais não tive a coragem de recusar o que as pessoas chamam de sucesso”. Então meu amigo foi em seu carro importado rumo a sua cobertura, a seu sucesso dolorido e a seu sentimento de orfandade e desamparo. Antes de partir, Paulo abriu o vidro de seu carro e gritou para mim a frase de que mais gostávamos em Gatsby. Gatsby estava derrotado, caminhando rumo ao nada, abandonado por todos os que o bajularam enquanto estava por cima, quando o narrador gritou para ele: “Ei Gatsby, você é melhor que todos eles”. Ainda hoje me comove lembrar essas palavras pungentes de Nick, o narrador. Ouvi a mesma frase de Paulo. Com uma pequena modificação. “Ei, Fabio, você é melhor que todos nós.” Nós quem, pensei depois. Os que se venderam como ele diz ter se vendido? Depois apanhei um táxi no ponto, pedi ao motorista que me deixasse na Kilts e no trajeto pensei que o sucesso é mesmo uma coisa muito engraçada.

Quando a dor acaba

29/09/2009

Uma mulher me esperava no restaurante. Ela sempre chegava um pouco antes; eu sempre um pouco depois. Fazia muito tempo que não a via, mas certos hábitos jamais se alteram. Vi que ela folheava um livro, acomodada numa mesa para dois. Ela sempre tinha um livro à mão para a hipótese de eu demorar mais que o razoável. O livro que ela lia naquele momento, vi depois, era uma pequena biografia de Marcel Proust sobre a qual eu escrevera na VIP do mês anterior. Era ela. Nadja, meu amor perdido. Ela estava de volta à cidade por uns dias para visitar a mãe. Nadja, depois que rompemos, conheceu um fazendeiro de Mato Grosso. Logo se casaram e ela mudou para lá para viver seu novo amor bucólico. “Tudo bem?”, perguntei. “Graças a Deus.”

Rimos e o gelo se quebrou. Era uma piada particular nossa. Nadja era atéia. Ela jamais acreditara em Deus. Num certo momento, deixou de acreditar também em mim. Foi aí que nosso romance começou a terminar. Reencontros com amores passados servem para mostrar muita coisa. Mostram, por exemplo, como uma intimidade construída em anos pode se dissolver instantaneamente com o rompimento. Você trata com cerimônia constrangida alguém com quem, até pouco antes, tinha a mais absoluta liberdade. “A melhor coisa que você fez por mim, em muito tempo, foi indicar na revista este livro”, ela disse. “Sou realmente grata a você.” Era a Nadja de sempre, irônica, às vezes ferina mesmo num banal agradecimento pela indicação de um livro. “Uma frase”, ela continuou. “Tem uma frase neste livro que talvez seja a mais linda que eu já li. E a mais triste também.”

Ela me passou o livro aberto numa determinada página. Nessa página, uma sentença estava sublinhada. Nadja costuma sublinhar as frases de que mais gosta nos livros que lê. Eu tentei muitas vezes fazer o mesmo, mas minha falta de método jamais me permitiu consolidar esse hábito. Li a frase sublinhada por Nadja. Ela tinha razão. É uma das frases mais tristes que alguém já escreveu. Proust disse: “Nesse nosso mundo onde tudo fenece, tudo perece, há uma coisa que se deteriora, que se desfaz em pó até de forma mais completa, deixando para trás ainda menos traços de si do que a beleza: a saber, a dor”.

A dor. A dor da perda de um grande amor. A gente imagina que vai morrer sem ele. Como dói aquela ausência. Como dói a perspectiva de nunca mais ter nos braços alguém que a gente imaginava ao nosso lado para sempre. Nunca mais. E no entanto quando aquela dor torturadora se vai, vencida enfim pelo correr dos longos dias, o que sentimos não é alívio, mas vazio e frustração. É como se pensássemos: o grande amor exige uma dor eterna, um luto no coração até o último dia. Só que a dor, como disse Proust, dura ainda menos que a beleza. Devolvi o livro a Nadja e trocamos de assunto. O resto do almoço foi alegre. Lembramos certas passagens de nosso romance como na cena final de um dos meus filmes preferidos, Annie Hall, de Woody Allen, e rimos muito. Lembramos, por exemplo, o dia em que entramos por acaso numa festa de firma num bar no Terraço Itália e acabamos comendo mais, bebendo mais e rindo mais do que qualquer pessoa naquele salão. Lembramos a madrugada bêbada numa boate em que uma prostituta recomendou compostura a Nadja. E então era tempo de despedida. Sem drama. Ela refizera sua vida e eu a minha. Ela voltava para Mato Grosso e eu para minha vida de escritor barato. Já não doía como doera nem nela nem em mim, mas ali compreendi com clareza que a morte da dor amorosa também pode, de uma forma estranha, doer.

O caso de amor deve terminar antes que a paixão se extinga?

28/09/2009

Leio que Roman Polanski foi em cana na Suíça, o lugar mais improvável para alguém ser preso, o paraíso das contas secretas de plutcratas e traficantes que querem esconder o dinheiro, a terra que segundo Graham Greene tudo que fez foi o relógio.

Polanski pode ser extraditado para os Estados Unidos, onde enfrenta problemas legais por ter feito sexo com uma lolita de 13 anos em 1977, hoje uma gorducha de bochechas rosadas que deve preferir a cozinha à cama, segundo a foto que vi.

Gosto de Lua de Fel, de Polanski. É interessante. Provocativo, sexualmente, sem ser vulgar. Há uma cena que gostaria que você visse.

Viu? Se falhei por alguma razão, é colocar Bitter Moon Best Scene no YouTube.

“O caso de amor deveria terminar antes que a paixão se extinguisse”, diz o homem, olhando com absoluta indiferença para a mulher belíssima que está na cama, nua, uma daquelas fêmeas de fazer bispo virar o rosto e chutar o poste. E ali está o homem, olhando-a como se fosse o jornal da véspera. Depois, vem a apologia da televisão como a salvação de casais que não têm mais o que conversar, mas esta é outra história.

Minha pergunta: que vocês acham desta cena? Especificamente, da utopia romântica formulada pelo homem diante da beldade desprezada cruelmente.

É uma frase sábia, porque preserva o romance, a magia, ou tola, porque não admite a possibilidade de uma relação duradoura e madura?

Um minuto, apenas um munuto, por favor, antes do debate: tenho gostado muito das observações, pelas quais agradeço. Vi que fui acusado por um anônimo de plagiar Paulo Nogueira, ou talvez ele tenha sido acusado de me plagiar, não me lembro bem; de toda forma, digo obrigado pelas defesas sinceras.

Bem, quero ouvir você sobre a essência da cena de Roman Polanski.

Gracias, muchas.

A aluna de 15 anos seduziu a professora. Que acabou na cadeia. Tá certo isso?

25/09/2009

Mais um giro pela Internet. Londres, esta semana. Uma professora de música de 25 anos. Loira, bonita, atraente. Uma criança prodígio na música. Professora de piano numa das escolas mais prestigiosas de Londres. Pai e mãe orgulhosos da filha, conhecida como Jazz Lady.

Hoje ela está na cadeia. O crime: aceitou a insinuação sexual de uma aluna de 15 anos. Começaram a namorar, por iniciativa da menina, conforme ela mesma admitiu. Chegaram a passar um final de semana em Paris, a terra onde até frígidas ou impotentes de todas as partes do mundo têm uma oportunidade de uma gloriosa recuperação sexual, dada a avassaladora energia romântica da cidade.

A notícia vazou na escola, e a professora foi submetida a julgamento. Sexo com menores de 16 anos é crime no Reino Unido, ainda que seja consensual, como foi o caso.  Quinze meses de cadeia para ela. Meninas de 15 anos, em pleno 2009, não têm discernimento sexual? A lei inglesa me parece extraordinariamente obsoleta, como uma calça boca de sino.

E para você, o que parece esta história? Moralismo, hipocrisia? Ou justiça a uma professora que não soube controlar seus instintos básicos diante de uma Lolitinha musical e sedutora?

O microfone está á disposição.

Você hesita diante de uma sex shop?

21/09/2009

Dou uma girada na Internet.

Olho o mundo, daqui de minha modesta condição de escritor barato, pelo laptop. Viajo longe, mesmo sem sair de minha cadeira que range quando me mexo. Henry Miller, um dos meus escritores prediletos, um dos meus heróis literários, também ele como eu sem leitores e sem dinheiro por tantos anos, Henry Miller, eu dizia, escreveu uma frase esplêndida sobre viagens. “Viajar é aprender a ver as coisas sob outros ângulos”, disse Miller.

E então viajo pelo laptop, destinos ao acaso dos cliques. Fui dar há pouco na China, e eis que vejo que, na modernização pela qual passa o país mais populoso da Terra, um fenômeno está acontecendo: as lojas de sexo estão vendendo barbaridade.  Olha só. Até há pouco tempo, a China fabricava e exportava brinquedos sexuais em grande quantidade. Mas o consumo interno era proibido. LOL.

Agora não. Fico imaginando a dificuldade de chineses e chinesas em entrar numa loja. Lembro, na adolescência, as voltas que meus amigos e eu dávamos no quarteirão antes de entrar numa farmácia e pedir, olhos nos sapatos, a voz trêmula, camisinha para balconistas que pareciam ter um prazer sádico em observar nosso constrangimento juvenil.

Mas não. Vejo o vídeo de uma reportagem e lá estão eles, consumidoras e consumidores chineses, entrando nas lojas como se estivessem indo fazer compras no magazine Luiza.

Tenho, ou tinha, a impressão de que muita gente preferia comprar vibradores, bonecas infláveis ou o que fosse pelo correio, pela internet. Amigas e amigos meus fizeram isso. Não me parece ser o caso dos chineses jovens, e nem tão jovens assim, que estão descrobrindo as delícias secretas da liberdade, depois de tantos anos de recato sexual impingido culturalmente exceto para os chefões.

Você. Sim, você. Não adianta olhar para trás e para o lado porque é você.

Você entra com naturalidade numa sex shop? Ou hesita? Já saiu de casa e na frente desistiu? Ou, como na China urbana moderna, pede no balcão um vibrador como se estivesse pedindo um chiclete antes de sair para uma balada? Tem histórias para compartilhar com nosso grupo escasso, mas valente?

Se sim, está aberto um fórum, por cuja participação digo a você: gracias, muchas gracias.

Você prefere dormir em camas separadas?

16/09/2009

Então leio que um estudo mostrou que faz bem para a saúde dormir em camas separadas. A razão principal é que, sozinho, você tecnicamente dorme melhor. Não é perturbado pela luz do abajur na madrugada, caso esteja dormindo. E também, no caso inverso, pode ler até mais tarde sem que ninguém se queixe. Ah, o ronco. Você se livra do ronco. Se ronca, dorme em paz porque não vai atrapalhar ninguém.

Então tá bom.

Dormir em camas separadas faz bem para a saúde, mas e para o amor? Dormir abraçado com a mulher amada é uma das situações e imagens mais românticas, e eróticas, que a humanidade já produziu. A cama de casal desarrumada é um símbolo sexual clássico. Em nome da saúde vamos sacrificá-lo?

E você? Que você acha do assunto? Prefere uma cama só ou camas separadas, e por quê?

“A barriga flácida daquela modelo é apenas marketing”

07/09/2009

Pete e Lucy estavam sentados nas espreguiçadeiras do bar em frente do Serpentine, o lago que divide o Hyde Park, em Londres. Era um dia de verão típico de Londres: calor moderado, nuvens no céu, risco de chuva. O verão londrino é parecido com o outono paulistano, com a diferença de que as pessoas em Londres usam camisetas, bermudas, saias curtas e em São Paulo, nas mesmas condições, o que se vê nas ruas são capotes, casacos, às vezes cachecóis. Uma mesma temperatura é contemplada de forma diversa de acordo com a origem da pessoa é uma das primeiras lições que você aprende ao morar fora.

No calçadão a poucos metros do bar, um grupo de jovens patinadores era objeto da atenção de alguns passantes. Eles tentavam pular, patins nos pés, em velocidade, um obstáculo de altura móvel. Um deles conseguiu saltar uma altura de mais ou menos um metro, numa manobra plasticamente bonita, e mereceu aplausos da platéia. Mas um companheiro fracassou, e alguns observadores aproveitaram para seguir adiante.  Pete gostaria de saber andar de patins, como as pessoas que se reúnem nas noites de quarta-feira no Hyde para passeios coletivos pelas alamedas esplêndidas do parque, mas achava que não tinha coordenação suficiente para aprender, e se contentava em observar os patinadores sempre que ia ao bar do Serpentine, como naquele final de tarde de julho.

Pete e Lucy estavam tomando sorvete, ele uma casquinha com uma bola de chocolate belga, ela um copinho com duas bolas de morango. Cabelos presos num rabo de cavalo que lhe dava ares de colegial, Lucy era magra, barriga lisa. Freqüentava a academia e sabia que duas bolas de sorvete não iriam atrapalhar suas formas. Pete estava alguns quilos acima do peso. Exercícios e dietas ficavam sempre para a segunda-feira seguinte. Ele  jamais pedia outro sabor que não fosse chocolate. Remetia-o à infância passada em São Paulo, nos anos em que seu pai fora correspondente do Times no Brasil e gostava de levá-lo ao Ibirapuera para tomar sorvete no quiosque amarelo de um italiano mal-humorado, fugido da Itália com a miséria pós-guerra.

Pete trabalhava, como Lucy, numa consultoria multinacional cujos escritórios ficavam em Leicester Square, e foi ali que se conheceram.  Ele já estava lá quando ela ingressou na consultoria  e interesses comuns, como a paixão pela música do Massive Atack e pelas pinturas dos pré-rafaelista s, os aproximaram. Estavam perto dos 30 anos os dois, e saíam juntos fazia alguns meses.

Ele lia o jornal enquanto tomava o sorvete, ela contemplava os barquinhos que se moviam lentamente no Serpentine.

“Adorei”, ele disse.

“Hmmm?”

“Essa história.”

Mostrou a ela a foto de uma modelo loira, nua, com a barriga flácida orgulhosamente exposta. A foto tinha sido publicada numa revista feminina, e ganhara repercussão internacional. Nunca antes uma barriga flácida fora tão notada e aplaudida.

“Já tinha visto isso”, disse ela. “Achei um horror. Você gostaria que eu tivesse uma barriga horrível dessas?”

“Não é esse o ponto”, disse ele. “Acho libertador publicador esse tipo de coisa. Para as mulheres, quer dizer. A mulher real olha e pensa: puxa, não sou tão pior que as outras.”

“Ninguém precisa ver a banha de uma modelo para se sentir melhor”, ela disse. “Achei um absurdo também o que a diretora da revista disse. Que era uma revolução. Revolução foi a francesa, que cortou a cabeça de rei.”

“No universo das revistas femininas, talvez tenha sido”, disse ele.

“Só seria mesmo uma inovação se daqui por diante a revista mostrasse sempre mulheres reais. Mas não. Isso foi apenas marketing.”

“Você acha mesmo?”

“Não acho. Tenho certeza. Se a gente pegasse todas as mulheres que estão aqui no Hyde e perguntasse a elas o que acharam da foto da loira barriguda, pode crer. A resposta seria: golpe de marketing.”

“Você acha mesmo?”, perguntou ele,  na melhor parte do sorvete, a casquinha.

“Aposto tudo que eu tenho, como se estivesse numa mesa de pôquer. All in. Tudo mesmo. Inclusive você.”

Ele lançou um último olhar para a barriga flácida que percorrera o mundo.  Fechou o jornal e mudou de assunto.  Jamais conseguira convencê-la em discussões, e não seria ali no Serpentine, em torno da loira barriguda, que isso aconteceria.