Archive for Abril, 2011

“Pode ser que existam casamentos bons. Mas casamentos divertidos, não.”

29/04/2011

Saudade do tempo em que as pessoas debatiam com verve, com paixão os assuntos trazidos aqui.
Para tentar reacender a chama, trago uma frase de Rochefoucauld, o genial autor de máximas francês do século 17. Não sei se concordo com essa frase, mas ela me fez pensar.
“Pode ser que existam casamentos bons. Mas casamentos divertidos, não.”

O clássico erótico que esqueci

28/04/2011

Fiz uma lista com os 10 melhores romances eróticos da história da literatura.

Só fui me dar conta da injustiça que cometi quando reli um grande livro no iPad: O Amante de Lady Chatterley, de DH Lawrence.

Não o coloquei na lista. Errei.

É um primor, e não apenas pelo intenso conteúdo sexual. A força da narrativa, a limpidez da prosa, o ritmo da história são primorosos.

Lady Chatterley merece um lugar ao lado de Madame Bovary, Capitu e Ana Karênina como uma das mais notáveis adúlteras da ficção. O marido, impotente e aleijado por um ferimento na Primeira Guerra, não a pode satisfazer como mulher. Ela tem fogo, e ele se transformou em gelo. O resto é consequência.

É tamanha a importância da obra de Lawrence que um intelectual situou o início do movimento de libertação sexual em algum ponto entre o fim do banimento de O Amante de Lady Chatterley e a chegada dos Beatles. (O livro permaneceu proibido do final dos anos 20 até o começo dos 60, sob o argumento de que é obsceno.)

Há uma sabedoria notável no romance de Lawrence.

Numa conversa, perguntam a um homem se ele acredita no amor. A resposta é não. “No que você acredita?, então?”, continuam. “Eu? Ah, intelectualmente eu acredito em ter um bom coração, um pênis firme, uma inteligência vívida e a coragem de dizer ‘merda’ na frente de uma dama.”

Sócrates não diria coisa mais sábia.

NO homem feliz é essencialmente o homem potente. Nm livro, Philip Roth conta o dilema de um homem entre a vida e a potência. Cardíaco, teria que tomar remédios que o inviabilizariam como amante. Ele prefere morrer potente.

São atuais e provocativas as conversas que você vê no livro de Lawrence sobre homens e mulheres em sua eterna luta para se compatilizar e se satisfazer sexualmente.

Lawrence traça um retrato soberbo da classe privilegiada inglesa nos primórdios do século XIX. O império britânico já começava a se desintegrar. Lady Chatterley, numa cena, é sodomizada pelo caseiro da propriedade de seu marido.

É simbólico.

Mais que apenas uma lady, era toda uma casta de privilegiados e esnobes – a upper middle class, cultivada ao longo de muitas décadas de exploração das colônias – que estava sendo submetida a uma sodomização da qual jamais se recuperaria inteiramente.

On Days Like These

26/04/2011

Peter e Tania estavam deitados na cama, invadidos pelo tédio pós-coito. Cada qual fumava um cigarro, como em filmes antigos.

“Que música era aquela?”, perguntou Tania em seu inglês com um charmoso acento ucraniano. “É tão, tão, tão linda.”

Peter gostava de colocar música na hora do sexo. Escolhera uma que ouvira num programa de rádio da BBC 2 apresentado por Elaine Page, uma grande cantora de musicais do lendário West End de Londres. Não poderia ser mais cafona, mais brega. Mas era profunda, verdadeira como só as músicas absurdamente românticas são. On Days Like These, cantada por Matt Munro, uma espécie de réplica britânica de Frank Sinatra nos anos 60. On Days Like These fora trilha sonora de um dos primeiros filmes de James Bond.

Era a história de um amor acabado, e de um homem que relembrava a mulher que amara. Peter cantarolou um trecho.

On days like these when skies are blue and fields are green
I look around and think about what might have been
and then I hear sweet music float around my head
as I recall the many things we left unsaid
it’s on days like these that I remember
singing songs and drinking wine
while your eyes played games with mine

“Me deu vontade de chorar”, disse Tania. “Será que um dia você …”

Ela parou no meio da frase. Peter notou que seus olhos verdes estavam molhados como o mar de Salvador. Estivou automaticamente os braços para confortá-la.

“Será que … você vai se lembrar de mim assim, no futuro? Um dia eu vou voltar para minha Ucrânia e você vai seguir sua vida de jornalista itinerante.”

Ele evitava pensar no futuro, porque era sempre fonte de apreensão, angústia, sofrimento. Lera em Epicuro que o sábio é um imprevidente, e procurava aplicar essa grande máxima a sua vida. Ninguém, exceto os loucos, olha para o futuro e vê coisas lindas. Para que olhar, então?

“O futuro está tão longe, Tania, mas tão longe que não vale a pena perder tempo falando dele.”

“Peter.”

“Hmmm?”

“Você. Você já escreveu coisa assim para alguma mulher? Nunca escreveram nada parecido para mim. Me sinto tão … tão vazia.”

“Sou um jornalista, não um escritor, Tania. As coisas que posso ter escrito para mulheres que amei e perdi devem ser muito ruins, francamente. Não tenho o lirismo, a melancolia necessária para fazer coisas sentimentais. Sou um … durão. Um homem durão, como um caubói daqueles faroestes antigos.”

Riram.

Então a puxou para si, e se amaram mais uma vez ao som daquela música tão tola, desta vez com uma sofreguidão que até então estivera ausente da rotina erótica leve e alegre que tinham criado.

Um homem faz o que tem que fazer

23/04/2011

Zapeio a televisão e paro em Shane, um clássico do faroeste.

Paro tudo e vejo. Mais uma vez.

Gosto do herói solitário, incorruptível, melancólico, gosto do homem que “faz o que tem que fazer”, como Shane diz e como Shane é.

Shane não quer mais usar a pistola com a qual é exímio. Rápido, certeiro.

Mas um homem faz o que tem que fazer. E então ele a tira da gaveta onde jazia para enfrentar os vilões que querem matar o dono do rancho em que ele trabalhava para tomar suas terras.

Ele tentara viver uma vida pacífica, mas não era isso que a fortuna imporia a ele.

Um homem faz o que tem que fazer. No caso dele, isso significava sacar a arma e matar vilões até que um deles algum dia fosse mais rápido.

A primeira vez que vi Shane me marcou, particularmente, a cena em que ele se despede da mulher do dono do rancho, que ele amava silenciosamente, respeitosamente. Homens como Shane, em sua pureza inexpugnável, jamais avançam sobre mulheres alheias.

Sou um obcecado por cenas de despedidas. Elas contêm toda a tensão, toda a grandeza épica que um caso de amor pode ter.

A mulher pergunta a Shane, ao vê-lo partir, quando voltariam a se ver. Ele avisa que está indo embora para não voltar.

“Nunca mais?”

“Nunca é tempo demais”, ele responde. Never is a long time.

Escrevi um romance aos 30 e poucos anos ao qual dei exatamente este título. O personagem principal esperara uma vida inteira para, numa despedida, poder dizer essa frase.

Guardei esse romance na gaveta. Jamais quis publicá-lo.

Um homem faz o que tem que fazer.

Once upon a time in Parsons Green

18/04/2011

Peter estava com Tania no Seven Bells, um pub em Parsons Green. Era um de seus pontos prediletos de Londres. A pint era boa, a comida era boa, o preço era bom. Peter gostava de se sentar com os olhos voltados para a praça de Parsons Green. Ficava vendo as crianças de patinete, os casais namorando na grama, homens e mulheres lendo ou simplesmente deitados sem fazer nada. Peter jamais descobrira o mistério da grama londrina. Você não tem que usar uma toalha de anteparo para se deitar. Você pode sair do escritório para comer um sanduíche na grama, como num piquenique, deitar em seguida para descansar e depois basta se chacoalhar para poder outra vez voltar ao trabalho, sem ter que tomar banho ou trocar de roupa.

Nada é tão londrino quanto deitar na grama de um parque.

Peter pensava por que se apaixonara por Tania. Verdade que ela era atraente, verdade que seu acento ucraniano era extremamente charmoso, verdade que era simplesmente matadora a tatuagem do violino de Man Ray nas costas brancas de quem nasceu, cresceu e viveu com sol escasso. Verdade que, como uma Ibiza Angel que era, uma das lendárias massagistas do Empire, o cassino de Londres de Leicester Square, seus dedos sutis e ao mesmo tempoo intensos provocavam múltiplas sensações boas no homem. Verdade que no sexo ela parecia sempre faminta, voraz, disposta a agradar.

Mas não era isso. Ou não era apenas isso. Tania sabia fazer um homem se sentir único. Olhava nos olhos nas conversas, não perdia uma só palavra, ria das piadas. O riso não era alto e grosseiro: era suave e transmitia sinceridade. Tania não desviava a cabeça quando um homem bonito entrava no bar, no restaurante ou onde fosse. Peter, com ela, se sentia único e insubstitível.

Quem pode resistir a uma mulher assim?

“Você parece preocupado”, ela disse.

E estava mesmo. Mal tocara no prato, uma combinação de linguiça, purê de batatas e um molho agridoce. Claudio lhe telefonara na noite anterior. Queria desabafar. E ouvir o amigo.  Serra fora hostilizado por petistas numa andança pelo Rio. Alguma coisa fora atirada nele, e ele acabou fazendo uma tomografia. Imagens mostrariam, depois, que o que jogaram em Serra era uma bolinha de papel. Aparentemente, ele queria tirar proveito político do episódio. Estava atrás de Dilma e isso poderia ajudar. Mas o dono do jornal queria que Claudio escrevesse um editorial em que sublinhasse a intolerância dos petistas diante da divergência.

Claudio não era petista. Tivera problemas, na juventude, com petistas em disputas em movimentos estudantis. Mas era jornalista. Um editorial sério teria que questionar, muito mais que os braços que atiraram a bolinha de papel, o teatro de Serra. Não havia uma só marca de nada em sua cabeça. Como era de esperar, a tomografia não acusara rigorosamente nada.

Mas não era este o editorial que o dono pedira.

Claudio acabara escrevendo o que lhe fora mandado, depois de relutar. Cada palavra saíra com repugnância, mas saíra. Tinha que falar com alguém, e essa pessoa era Peter, seu velho amigo. Dissera que nunca se sentira tão irrelevante como jornalista. Estava pensando em se demitir. A perspectiva de escrever no futuro coisas como aquele editorial o apavorava. Pensava, quando jovem, que poderia mudar o mundo com o jornalismo. Agora percebia que não conseguia sequer mudar uma ordem do patrão.

Mas.

Mas o salário, os bônus, as obrigações pesavam, e não pouco. Peter aconselhou Claudio a não fazer nada até o final das eleições. Sugeriu que tirasse férias depois e viesse a Londres, onde poderia espairecer e decidir com calma seu futuro. De resto, Peter disse a Claudio que o espaço dos editoriais era dos donos, e não dos editores do jornal.

“Algum problema no Brasil?”, perguntou Tania. Ela estava comendo uma salada de folhas com brie derretido. Era vegetariana.

“Nada, nada”, disse Peter. Não iria aborrecer Tania com uma história de bastidor de redação.

“Minha mãe diz que um homem bom merece ser tratado como um rei quando está preocupado”, disse Tania.

“E …”, disse Peter.

“Você é um homem bom.”

“E …”

“Sou uma filha obediente.”

“E …”

“E parece que uma chuva caiu em mim. Estou completamente molhada.”

“E…”

“Então acho que a gente deve terminar logo essa comida””, disse Tania. Ela se inclinou para Peter, deslizou a mão direita sobre sua coxa, e viu que ele queria exatamente a mesma coisa que ela.

O editor deve levar a estagiária para a cama?

13/04/2011

Um romance está sendo escrito.

E é solicitada a ajuda de vocês.  Ele é passado numa redação de jornal, e uma das tramas centrais é a atração que o diretor sente por uma estagiária.

A questão: ele deve ir adiante?

Um trecho:

Claudio acordou no meio da noite pensando em Daniela.

Devia ir adiante no que seu instinto mandava ou era melhor obedecer à razão?

Estava, no momento em que pensava nisso, com o que poderia ser definido como um estado de ereção pulsante. A imagem de Daniela provocava isso nele. Como esquecer a tatuagem em seu coração atrevido, que ela lhe mostrara por segundos petulantemente num bar, e na qual se lia seu nome, Claudio? Como esquecer, mais que tudo, o rabo de cavalo que dava a ela um ar de normalista?

À turgidez física se contrapunha a reflexão fria. Romances em redação são complicados, sobretudo quando a diferença de idade é muito grande. Entram em cena ciúmes perigosos. Passou pela cabeça de Claudio uma frase de Rochefoucault, o grande autor de máximas francês do século XVII: “O ciúme nasce do amor, mas não morre com ele.” Claudio tinha um exemplar com anotações do livro de Rouchefoucault. Regulamente o lia ao acaso durante alguns minutos porque o fazia lembrar, sempre, da miséria humana. Rochefoucault não tinha nenhuma fé na virtude das pessoas. “A maior parte de nossas virtudes são vícios disfarçados”, escrevera.

Não que os romances entre jornalistas tivessem que acabar em sangue, como foi o caso da paixão doentia que ligou o diretor do Estadão Pimenta Neves a uma jovem jornalista. Mas é difícil que terminem bem, pensava Claudio.

O problema é que a ereção não cessava.

Acendeu o abajur para ler. Fazia isso sempre que acordava no meio da noite. Não ficava se mexendo, torturado, angustiado. Simplesmente lia até voltar a dormir. Apanhou um livro de poesia de Auden. Abriu em qualquer página. Foi dar num poema que se chama Leap before you think. Pule antes de pensar.

The sense of danger must not disappear:
The way is certainly both short and steep,
However gradual it looks from here;
Look if you like, but you will have to leap.

Um sinal?

Não que Claudio acreditasse nisso. Era, tecnicamente falando, um materialista ateu. Só acreditava no que via. No que podia tocar. Desprezava superstições e superticiosos. Mas. Mas era curioso. Parecia feito para ele na questão de Daniela.

Era como se Auden estivesse lhe dizendo: vá em frente antes de pensar muito. Era exatamente esta a mensagem que vinha, também, de sua ereção que já se ia tornando dolorida.

Pense se quiser, mas você vai ter que se atirar.

Xxxxxx

Exatamente naquele momento Daniela estava na cama de seu apartamento com Lívia, designer de uma revista feminina. Não chegavam a namorar. De vez em quando, faziam sexo. Livia era lésbica. Daniela em certos momentos preferia homens, pela intensidade. Em outros mulheres, pela delicadeza. Naquela noite, ela estava fria, distante.

“São necessárias duas pessoas para que o sexo seja bom”, disse Lívia. “Estou sozinha aqui nesta cama. Cadê você, Dani?”

Dani estava em Claudio. Quer dizer, estava pensando em Claudio. Aproximou seu rosto do de Lívia e a beijou na boca com volúpia, mas era Claudio que imaginava alcançar ali com sua língua frenética.

Paixão

11/04/2011

Quero que vocês me ajudem a refletir sobre uma frase de La Rochefoucauld: “A paixão faz do tolo um sábio e do sábio um tolo”.

Once Upon a Time in London

04/04/2011

O Violino de Man Ray

“Eu adoraria tocar violino”, Peter falou. “Um tio meu dizia que se você toca um instrumento nunca está sozinho.”

Ele estava passando os dedos pelas costas de Tania. Parecia hipnotizado pela tatuagem, reproduzida de uma foto de Man Ray de 1924 que foi uma das primeiras imagens surrealistas, “O Violino de Ingres’. Man Ray homenageara ao mesmo tempo o corpo feminino, comparado à beleza de um violino, e Ingres. Sua foto remetia à “Banhista de Valpinçon”, de Ingres, uma de cujas paixões era tocar violino.

Estavam na cama do apartamento de Peter em Londres. Tania estava suada, e Peter gostava de seu cheiro assim. Tinham acabado de dar uma volta de bicicleta pelo Bishops Park. O Bishops tinha este nome porque os bispos de Londres ficavam hospedados num palácio ali. Foram margeando o Tâmisa até o final do parque, no ponto em que aparece o estádio do Fulham. Quando estava só, Peter parava ali e se sentava no banco para ler. Sempre ficava por uns instantes também vendo um carvalho de mais de 500 anos do parque, um formidável desafio ao conceito budista de impermanência. Ao chegarem do passeio de bicicleta, Tania quis tomar banho, mas Peter não deixou.

“Peter?”

“Hmmm.”

“E se eu estiver grávida?”

“Vai ser uma festa. Uma festa de nove meses, Tania.”

Peter fora tomado, nos últimos meses, pelo impulso de espalhar sua semente pelo mundo. Dissera isso a seu amigo Claudio, que respondera que era uma resposta infantil e imatura ao sentimento de mortalidade que fatalmente ataca um homem de meia idade.

“Você não vai esquecer que eu sou mulher, Peter?”

Não era a primeira vez que Tania falava nisso. Ela tinha medo de que um filho levasse o pai da criança a tratá-la não mais como mulher mas como mãe.

“Como eu poderia esquecer?”, pensou Peter, os olhos ainda fixados na tatuagem.

Virou-a então para si e se dedicou mais uma vez à tentativa — imatura e infantil, segundo Claudio, mas absurdamente agradável — de espalhar sua semente.