Archive for Janeiro, 2008

O preço da traição

31/01/2008

Ouvi no meu iPod o tema de Era Uma vez na América, o grande filme de Sergio Leone, o gênio italiano do cinema. O autor do tema é Enio Morricone, outro gênio italiano. É uma melodia que me comove, e simplesmente lembrar do filme me faz suspirar fundo. Leone foi o mestre, o inovador dos focos dramáticos em rostos dos personagens, sobretudo olhos, sob o som sublime dos temas de Morricone.

Para mim, Leone foi um caso de amor à primeira vista, ou semivista. Vi, em Ribeirão Preto, Quando Explode a Vingança, de Leone, a história de dois amigos improváveis, um bandoleiro mexicano e um terrorista irlandês, durante uma tentativa de revolução popular no México. Era a última sessão de cinema, e como é linda e triste essa expressão, última sessão de cinema, e eu dormi a maior parte do tempo. O que vi, porém, foi suficiente para eu sair daquele cinema de Ribeirão outro cara.

Vi Era uma vez na América, a obra magna de Leone, pela primeira vez numa cópia precária na qual prolongados minutos não tinham som. Fui arrebatado. A cena final. O reencontro entre dois amigos, muitos anos depois. Eles tinham se amado tanto na juventude. Eram amigos como Montaigne define a amizade, uma união entre duas almas tão perfeita que você sequer nota a costura. Compartilharam coisas que criam laços poderosos entre homens: cresceram juntos, aprenderam a beber e a amar mulheres juntos, começaram a carreira – de ganguesteres – juntos.

Não foi um reencontro feliz. Um deles, o personagem interpretado por Robert de Niro, fora traído. O traidor fingiu que morreu num assalto feito pela quadrilha que ambos comandavam. Levou o dinheiro todo, deixou o amigo com a tristeza imensa de uma morte que não acontecera afinal, e ainda surrupiou a mulher devotadamente amada pelo homem enganado. O traidor (James Woods) olha para o grande amigo com a esperança de que a memória do tempo em que se amavam tanto dissipe a mágoa, a desilusão, a dor aguda e penetrante da traição. Não. E então a câmara dá um foco perturbador, e eis Leone no seu prime time, no rosto, nos olhos, na expressão de de Niro, sob a melodia tristemente bela de Enio Morricone. “Uma vez conheci um cara, e ele era o melhor amigo que alguém poderia ter”, diz o homem traído. “Mas ele morreu.” E ele vai embora.

Tantas vezes, com mulheres ou com amigos, como amigos ou como amantes, traímos alguém e, como o personagem de James Woods, esperamos pelo milagre do perdão, como se o que fizemos para destruir coisas como fé, confiança pudesse ser amortecido ou mesmo neutralizado sei lá pelo quê.

Mas é um esforço vão, e vão, e vão. A vida nos impõe preço para tudo, para cada um dos nossos atos, e não há como regatear. Um dos preços mais altos, como viu o amigo infiel de Era Uma vez na América, é aquele que pagamos por trair quem um dia acreditou, confiou em nós. Na verdade dificilmente perdoamos a nós mesmos nestas situações. E então me ocorre uma frase de Graham Greene, meu romancista amado. “Esquecemos os que os que amamos, mas não esquecemos os que traímos.”

Friends

27/01/2008

Vejo um episódio de , minha série favorita. A taxa de acerto nas piadas é alta. A cada dez tentativas de fazer graça na série, você ri oito ou nove vezes. Em certos episódios, dez. E quando você não ri é possível que o problema esteja em você e não na piada. é ótimo para ver antes de dormir, sobretudo depois de dias duros. Seu humor com certeza melhora, e também seu sono. Seinfeld me faz rir menos. Dizem que tem um humor mais sofisticado que o de , mas como eu sou um cara mais pop, prefiro . The Office, a tradução de Dilbert para a tevê, é outra série que se pode e se deve ver antes de dormir para tirar, como um calmante, o peso de jornadas demandantes.

Mas eu estava falando de . Do episódio que vi agora há pouco. A turma discute no já célebre Central Perk, o barzinho em que se reúnem, que escolha fazer. Se você tivesse que renunciar para sempre a sexo ou a comida, qual seria sua opção? Neste episódio, Joey, o mais engraçado e cândido dos personagens de , diz que não divide comida. Com veemência. Me lembrei da PequenAprendiz com seus chocolates. Quer estar bem com ela? Ok, não peça um pedaço de chocolate. Ela escreveu sobre isso em seu blog.

Ross, outro grande personagem de , afirma que, sem dúvida, renunciaria a comida. Já quando perguntam se preferiria ficar sem sexo ou dinossauros (ele é apaixonado por paleontologia desde criança), diz que é uma escolha de Sofia. Grande livro, o de William Styron, A Escolha de Sofia. Sofia, na era nazista na Alemanha, teve que escolher um dos dois filhos para salvar. Ela era judia, e os judeus foram barbaramente massacrados no nazismo. Sofia fez a escolha, e enlouqueceu. O livro foi transformado num ótimo filme em que Meryl Streep faz Sofia. Daí, do livro de Styron, a escolha de Sofia a que se refere Ross quando lhe perguntam se ficaria sem sexo ou dinossauros se tivesse que abdicar para sempre de um dos dois.

E você, se estivesse ali com Joey e Ross e amigos no Central Perk, o que você responderia?

Aqueles olhos verdes

26/01/2008

OS DEDOS do pianista escorregavam pelo teclado, e sua voz medíocre, caricatura da voz de Sinatra, ecoava pelas mesas do salão escuro e chique naquela noite quente. O homem sombrio olhou para a jovem de imensos olhos verdes a seu lado e sorriu. Divisou a silhueta de seus seios livres por baixo do vestido leve de verão, e foi invadido por fugazes pensamentos concupiscentes.

Sorriu de novo. “Por que você ri tanto?”, ela perguntou, os cabelos claros displicentemente atirados para trás. Respondeu com mais um sorriso. Talvez risse tanto por causa dos dois gins-tônicas que tomara, talvez porque a própria situação fosse, de certa forma, risível. Olhava os vultos elegantes espalhados pelo salão e identificava, neles, pessoas que pertenciam a um mundo bem diferente do seu.

Outro mundo. Sorriu de novo. Quando jovem, sonhara com a possibilidade de, um dia, contribuir para o fim desse outro mundo. O tempo liquidara a chama. O leitor de O Capital se transformara num admirador e pregador do capitalismo. Só o mercado salva, como Hayek, o gênio do liberalismo, tanto pregara. Não, não ia falar sobre Hayek com ela, e nem sobre sua conversão, não agora, pelo menos. A jovem bonita e atraente olhava-o intensamente nos olhos, e cantarolava a canção que vinha do canto onde ficava o piano. You must remember this, a kiss is still a kiss, a sigh is just a sigh. As time Goes By. O homem pediu ao garçom o terceiro gin-tônica e lembrou a velha cena. Rick, bêbado, pede a Sam que toque a música. Sam não quer. Você tocou para ela, tem que tocar para mim, ordena Rick. It seems the same old story, a fight for love and glory, a case of do or die. Rick e Ilse, amores impossíveis, braços que se desenlaçam em despedidas supremas. Era o que escrevera, há tantos anos, Eça.

Será que alguém o lia ainda hoje?

Estava ficando piegas, sentimental, e decidiu, então, parar de beber. Bêbado sentimental, eis uma das mais perversas combinações que a humanidade jamais produziu. Pensou na jovem. Ela inclinou-se para apanhar seu copo de vinho e ele sentiu seu cheiro perturbador de fêmea no esplendor, e esse cheiro era melhor ainda do que o que vinha do gin-tônica, e por um momento desejou tê-la em pleno bar. “Ih, meu Deus, estou trabalhando demais”, ela lhe contara. “Pareço a Amélia.” Não, não parecia. Ou parecia tanto quanto uma nota de um euro parece uma nota de um peso equatoriano. Falou-lhe de seus namorados, a voz suave manobrando astuciosamente para não mostrar saudades. Traíra certa vez um, Dona Flor dos Jardins. Gostava dos dois, precisava dos dois, dormia com os dois. Contava tudo sem nenhum sentimento de culpa e isso, se um dia poderia tê-lo chocado, agora de certa forma o encantava.

O pecado pode ser puro, aprendera. E belo.

Tinha havido até um príncipe, um remoto descendente de reis e rainhas, um jovem destronado que talvez se convertesse em Pedro 87 ou 88 caso fosse restabelecida a monarquia. “Ele era o máximo”, dissera ela, convicta. Será que as noitadas reais também eram o máximo?, pensou ele em voz alta. Ela riu e não quis responder. Pareceu ao homem que os olhos dela diziam que sim, e ele achou então que havia pelo menos um motivo para respeitar Pedro 87 ou 88, o quase príncipe. O pianista deixara de tocar e o bar agora estava silencioso. O homem gostou. Não queria ouvir nada além da voz dela, e suas histórias sobre o lugar onde trabalhava, seus namorados, suas viagens, seus sonhos de capricorniana. Capricornianas, será que elas sempre se atravessariam em seu caminho?, o homem se perguntou. Muito tempo atrás, existira uma, olhos verdes, tão verdes e tão puros e tão doces e tão enfeitiçadores que ao mesmo tempo enterneciam e intimidavam. Machucara-a e fora machucado, achara um dia que jamais iria parar de doer, e um dia parara, e ele curiosamente ficara frustrado quando parara. Ele saberia, anos depois, que Proust escrevera sublimemente sobre a dor da perda da dor amorosa.

Nada dura para sempre, nem os amores eternos. Nem a dor da perda desses amores eternos.

Não restava ninguém no bar além dos dois, o homem sombrio mergulhado em reflexões tolas, proustianas, a jovem interessante se encaminhando com graça para o carro. Deixou-a na porta de seu apartamento, aquele ovo, como ela dizia, aquele ovo na Consolação do qual ela haveria de sentir saudade o resto da vida, e se foi. Morava no sétimo andar. Sétimo andar. Uma dia talvez escrevesse sobre o quarto de moça daquela capricorniana de olhos verdes.

No caminho, começou a cantarolar Aqueles Olhos Verdes, mas logo parou. Ninguém ligava mais para um bolero.

As pessoas que traímos

23/01/2008

Vejo coisas que escrevi muito tempo atrás. Cito, em algum texto dos tempos em que eu acreditava em muitas coisas, um escritor. Não escrevi o nome, apenas coloquei a frase que me impressionou. Penso por um momento, e pelo tom concluo que só pode ser Graham Greene, o grande Greene, o magistral criador de heróis relutantes, personagens covardes, às vezes canalhas, mas capazes de um gesto grandioso no final que lhes traz a redenção. Greene foi fundamental em minha vida e em minha formação.
A frase que me chamou a atenção lá para trás, uma reflexão amorosa, atribuída agora por mim merecida ou imerecidamente a Greene: “Esquecemos as pessoas que amamos, mas não esquececemos as pessoas que traímos.”

E después de ti

20/01/2008


Pedro estava em seu pequeno apartamento de jornalista solteiro. O clássico entre os jornalistas: muitos livros e discos, pouca ou nenhuma organização, garrafas variadas de bebida, comida precária. Roupas, em geral baratas, espalhadas pelos cômodos, algumas delas no chão. Gravuras bem escolhidas, e jamais caras, nas paredes. Alguns pôsteres. Um deles, seu predileto, mostrava a cena final de Butch Cassidy: os dois mocinhos feridos, revólveres em ambas as mãos, correndo rumo à morte ignorada. Um retrato do pai. Pedro estava deitado na cama baixa.
“Gostaria tanto de ter dado um jeito em seu apartamento e em você”, disse Carol. Ela estava se vestindo, na beira da cama, e ao mesmo tempo indo embora. Naquela tarde, tinha avisado a Pedro que o caso deles acabara. O marido banqueiro começara a suspeitar de que algo estranho estava acontecendo com a mulher, e tudo ficara complicado. Carol amava Pedro, mas não a ponto de colocar em risco sua vida de mulher da sociedade paulistana. Não era apenas o marido que estava em jogo, mas o círculo de amigos, os jantares e as festas e os almoços em que aquela pequena elite fugia do tédio à base de flertes entre os casais, bebida fina e antidepressivos da última geração. “Sinto que fracassei”, disse Carol. “Saio da sua vida e você está do mesmo jeito que estava quando entrei nela.”
“E você, você mudou em alguma coisa?”, Pedro perguntou.
Ela riu, e quando isso acontecia seus enormes olhos verdes brilhavam como faróis solitários num mar bravio e remoto.
“Melhorei muito no beijo, com certeza. Pedro. Jamais existiu antes para mim e nem vai existir no futuro um beijo como o nosso. Eu tinha vontade de te beijar pela eternidade. Disso, do beijo, é que vou sentir mais falta. Não que do resto não vá sentir, mas …”
“Mil cópulas não valem um grande beijo”, disse ele. “Li isso outro dia num blog.”
“Legenda, por favor.” Sempre que ele usava uma palavra que ela desconhecia, ela pedia a legenda.
“Sexo. Cópula é uma maneira vulgar, mas interessante, de dizer sexo. Fazer amor também é vulgar, só que é desinteressante”, ele disse, e sorriu.
“Gosto da sua risada, Pedro. Também vou sentir falta dela. Risada de menino. Inocente. O tempo transforma a risada numa coisa maliciosa, mas você conservou a inocência no riso.”
“Também gosto da sua. Um escritor, não sei qual. Um grande escritor. Ele disse que contava nos dedos o número de mulheres capazes de gargalhar sem ficar ridículas. Esqueci o nome do escritor, mas não a frase. Você é um caso desses. Ri e gargalha com classe.”
“Você me acha calculista por eu estar indo embora, Pedro? Uma vez você disse que eu parecia uma máquina de calcular.”
“Você disse que se sentia fracassada por não ter dado um jeito em mim e no meu apartamento. O meu fracasso foi não ter transformado você numa mulher irresponsável como eu, Carol. Era uma missão acima das minhas forças, agora eu entendo. Mas num certo momento eu achei que podia o impossível com você. Sou … sou … sei lá, um otimista amoroso. Ou tolo.”
Ela acabara de se vestir.
“Vou sentir falta deste seu vestido”, ele disse. Era um vestido de tecido fino e de muitas transparências. Um decote grande e algumas rendas. Quem o escolhera, pacientemente, fora o marido de Carol. Numa manhã de sábado ele a acompanhara a uma loja fina do Iguatemi, e ela experimentou vários vestidos. Pedira ao marido que escolhesse aquele que mais a fizesse irresistível. Carol estreou o vestido com Pedro.
“Só não te dou agora o vestido porque, bem, porque bem não dá pra sair assim daqui”, disse Carol.
Pedro riu. Lembrou-se de um episódio de Friends em que a namorada de Ross pedia a ele, na despedida, que lhe desse de recordação uma camisa rosa que ele amava. Ela já estava com a camisa na mão. Era uma cena romântica. Ele pensa por um instante e diz, firme: “Não”. Ao mesmo tempo, pega de volta a camisa. O jeito Friends de lidar com cenas românticas.
“Pedro. Também vou sentir falta da imagem de você cheirando os dedos.”
Pedro riu. “Carol, é melhor você parar de falar assim. Sou meio sentimental, e não quero fazer uma cena na hora da despedida. Não quero que lágrimas atrapalhem a última visão de você.”
“Você dizia que era o melhor cheiro do mundo”, disse Carol.
“E é. A combinação de seu perfume de mulher rica com sua essência íntima de fêmea. Uma vez eu fiquei um dia inteiro sem lavar as mãos. Quando estava desanimado levava as mãos ao nariz e sorvia o ar como um mergulhador que demora a subir.”
O celular Prada de Carol tocou. Era o marido. Pedro entendeu que a hora chegara.
“Você. Você canta para mim uma vez, a última vez? Aquela música.”
Ela sabia bem qual era a música. Pedro era um esnobe cultural, e gostava do seu esnobismo. Jamais ouvira música espanhola romântica. Desprezava Julio Iglezias e outros cantores similares. Até o dia em que Carol, do nada, começou a cantar para ele Corazon Partido. Jamais ouvira esta música. Carol não cantava como uma profissional, mas era afinada e tinha voz bonita. Secretamente, ele pusera Corazon Partido em seu iPod, e às vezes escutava obsessivamente. Carol, nessas horas, aparecia em sua mente, linda, vivaz, apaixonada, arrebatadora, os imensos olhos verdes fixados nele. Carol o influenciara mais do que Pedro poderia imaginar. Nenhuma outra mulher antes conseguira fazê-lo gostar de uma música romântica e brega espanhola.
Ela atendeu ao pedido de Pedro. E después de ti, después de ti no hay nada. Era o trecho de que mais ele gostava. Quando ela terminou, disse a Pedro: “Posso também pedir uma coisa?”
Pedro aquiesceu com a cabeça.
Ela foi a Pedro e o beijou. Já na porta, ela disse a ele: “Aquele livro. O primeiro que você me deu. Dostoievski. A frase final. Tudo podia ter sido tão diferente. Para nós também, Pedro. Tudo podia ter sido tão diferente. Mas … mas eu também não quero que lágrimas distorçam minha última visão de você, Pedro. Pedro. Meu Pedro.”
E então ela partiu, apressada, rumo a seu marido e a sua vida de mulher da sociedade.

E después de ti

20/01/2008


Pedro estava em seu pequeno apartamento de jornalista solteiro. O clássico entre os jornalistas: muitos livros e discos, pouca ou nenhuma organização, garrafas variadas de bebida, comida precária. Roupas, em geral baratas, espalhadas pelos cômodos, algumas delas no chão. Gravuras bem escolhidas, e jamais caras, nas paredes. Alguns pôsteres. Um deles, seu predileto, mostrava a cena final de Butch Cassidy: os dois mocinhos feridos, revólveres em ambas as mãos, correndo rumo à morte ignorada. Um retrato do pai. Pedro estava deitado na cama baixa.
“Gostaria tanto de ter dado um jeito em seu apartamento e em você”, disse Carol. Ela estava se vestindo, na beira da cama, e ao mesmo tempo indo embora. Naquela tarde, tinha avisado a Pedro que o caso deles acabara. O marido banqueiro começara a suspeitar de que algo estranho estava acontecendo com a mulher, e tudo ficara complicado. Carol amava Pedro, mas não a ponto de colocar em risco sua vida de mulher da sociedade paulistana. Não era apenas o marido que estava em jogo, mas o círculo de amigos, os jantares e as festas e os almoços em que aquela pequena elite fugia do tédio à base de flertes entre os casais, bebida fina e antidepressivos da última geração. “Sinto que fracassei”, disse Carol. “Saio da sua vida e você está do mesmo jeito que estava quando entrei nela.”
“E você, você mudou em alguma coisa?”, Pedro perguntou.
Ela riu, e quando isso acontecia seus enormes olhos verdes brilhavam como faróis solitários num mar bravio e remoto.
“Melhorei muito no beijo, com certeza. Pedro. Jamais existiu antes para mim e nem vai existir no futuro um beijo como o nosso. Eu tinha vontade de te beijar pela eternidade. Disso, do beijo, é que vou sentir mais falta. Não que do resto não vá sentir, mas …”
“Mil cópulas não valem um grande beijo”, disse ele. “Li isso outro dia num blog.”
“Legenda, por favor.” Sempre que ele usava uma palavra que ela desconhecia, ela pedia a legenda.
“Sexo. Cópula é uma maneira vulgar, mas interessante, de dizer sexo. Fazer amor também é vulgar, só que é desinteressante”, ele disse, e sorriu.
“Gosto da sua risada, Pedro. Também vou sentir falta dela. Risada de menino. Inocente. O tempo transforma a risada numa coisa maliciosa, mas você conservou a inocência no riso.”
“Também gosto da sua. Um escritor, não sei qual. Um grande escritor. Ele disse que contava nos dedos o número de mulheres capazes de gargalhar sem ficar ridículas. Esqueci o nome do escritor, mas não a frase. Você é um caso desses. Ri e gargalha com classe.”
“Você me acha calculista por eu estar indo embora, Pedro? Uma vez você disse que eu parecia uma máquina de calcular.”
“Você disse que se sentia fracassada por não ter dado um jeito em mim e no meu apartamento. O meu fracasso foi não ter transformado você numa mulher irresponsável como eu, Carol. Era uma missão acima das minhas forças, agora eu entendo. Mas num certo momento eu achei que podia o impossível com você. Sou … sou … sei lá, um otimista amoroso. Ou tolo.”
Ela acabara de se vestir.
“Vou sentir falta deste seu vestido”, ele disse. Era um vestido de tecido fino e de muitas transparências. Um decote grande e algumas rendas. Quem o escolhera, pacientemente, fora o marido de Carol. Numa manhã de sábado ele a acompanhara a uma loja fina do Iguatemi, e ela experimentou vários vestidos. Pedira ao marido que escolhesse aquele que mais a fizesse irresistível. Carol estreou o vestido com Pedro.
“Só não te dou agora o vestido porque, bem, porque bem não dá pra sair assim daqui”, disse Carol.
Pedro riu. Lembrou-se de um episódio de Friends em que a namorada de Ross pedia a ele, na despedida, que lhe desse de recordação uma camisa rosa que ele amava. Ela já estava com a camisa na mão. Era uma cena romântica. Ele pensa por um instante e diz, firme: “Não”. Ao mesmo tempo, pega de volta a camisa. O jeito Friends de lidar com cenas românticas.
“Pedro. Também vou sentir falta da imagem de você cheirando os dedos.”
Pedro riu. “Carol, é melhor você parar de falar assim. Sou meio sentimental, e não quero fazer uma cena na hora da despedida. Não quero que lágrimas atrapalhem a última visão de você.”
“Você dizia que era o melhor cheiro do mundo”, disse Carol.
“E é. A combinação de seu perfume de mulher rica com sua essência íntima de fêmea. Uma vez eu fiquei um dia inteiro sem lavar as mãos. Quando estava desanimado levava as mãos ao nariz e sorvia o ar como um mergulhador que demora a subir.”
O celular Prada de Carol tocou. Era o marido. Pedro entendeu que a hora chegara.
“Você. Você canta para mim uma vez, a última vez? Aquela música.”
Ela sabia bem qual era a música. Pedro era um esnobe cultural, e gostava do seu esnobismo. Jamais ouvira música espanhola romântica. Desprezava Julio Iglezias e outros cantores similares. Até o dia em que Carol, do nada, começou a cantar para ele Corazon Partido. Jamais ouvira esta música. Carol não cantava como uma profissional, mas era afinada e tinha voz bonita. Secretamente, ele pusera Corazon Partido em seu iPod, e às vezes escutava obsessivamente. Carol, nessas horas, aparecia em sua mente, linda, vivaz, apaixonada, arrebatadora, os imensos olhos verdes fixados nele. Carol o influenciara mais do que Pedro poderia imaginar. Nenhuma outra mulher antes conseguira fazê-lo gostar de uma música romântica e brega espanhola.
Ela atendeu ao pedido de Pedro. E después de ti, después de ti no hay nada. Era o trecho de que mais ele gostava. Quando ela terminou, disse a Pedro: “Posso também pedir uma coisa?”
Pedro aquiesceu com a cabeça.
Ela foi a Pedro e o beijou. Já na porta, ela disse a ele: “Aquele livro. O primeiro que você me deu. Dostoievski. A frase final. Tudo podia ter sido tão diferente. Para nós também, Pedro. Tudo podia ter sido tão diferente. Mas … mas eu também não quero que lágrimas distorçam minha última visão de você, Pedro. Pedro. Meu Pedro.”
E então ela partiu, apressada, rumo a seu marido e a sua vida de mulher da sociedade.

O precário frescor da juventude

18/01/2008

Sem beijo não há nada. Quando um casal não se acerta no beijo, a causa está perdida. O beijo, muito mais que o sexo, define o relacionamento. Bons beijos dão bons romances. Beijos ruins dão romances ruins. Não existe sexo excitante com beijo medíocre. Acho poético o código das marafonas. Elas entregam tudo em troca de moeda, mas não o beijo. O sexo pode ser comércio. O beijo, nunca. Um relacionamento floresce quando dois querem se beijar com volúpia molhada de um convalescente que depois de uma longa temporada na clausura sai enfim à rua. E você percebe que alguma coisa mudou, e para pior, quando perde a vontade de colar seus lábios aos dela. A falência do beijo antecipa a do amor.

Beijo. Não sei por que decidi escrever sobre beijo. Ou melhor: sei. É que passei outro dia, depois de muito tempo, pelo lugar em que ia dançar nas noites de domingo. Mingau. Era assim que chamávamos aquelas festas ingênuas de domingo que começavam às 8 e terminavam à meia-noite. Nem sei se existem ainda. Vejo agora que escrevi dançar. Só posso descrever os passos desgovernados que eu dava no salão como dança à luz de uma generosa licença poética ou de uma espantosa demonstração de auto-indulgência.

É interessante como a vista de certos lugares instantaneamente reaviva lembranças que nos pareciam mortas. Ao ver a fachada daquele salão, retrocedi anos. E foi então que vi ali dentro do salão aquela menina cuja pele tão clara contrastava notavelmente com os cabelos negros como piche. Márcia tinha o ar de inocência maliciosa que é tão genuíno em meninas quando estão se transformando em mulheres. Um certo ar que, depois, nem mesmo o cálculo mais fino consegue reproduzir. Bandeira tem um verso lindo sobre isso: o precário frescor da pubescência. Outro dia escrevi sobre os olhos da Natasha de Tolstoi, aqueles olhos de estrela que as mulheres só têm na era da inocência. Márcia tinha olhos de Natasha quando nos encontramos no acaso de um salão.

Jamais esqueci a música que tocava quando tirei Márcia para dançar. O refrão dizia: I am so happy. Eu também estava tão feliz ali, aos 15 anos, com a deusa daquele salão de adolescentes. Terminada a música, nos encostamos em uma pilastra. E então nós parecíamos aquele casal do quadro de Klimt chamado O Beijo. Para ser honesto, acho que nossas línguas nem sequer se encontraram, mas que importa? Foi meu primeiro beijo. Lembro, nos detalhes, as palavras que disse a ela em minha voz titubeante de garoto que quer parecer homem. Foram consideradas engenhosas por meus amigos e, depois, descaradamente copiadas nas tentativas de ganhar um beijo de boca, quase sempre com êxito.

Falei com Márcia uma ou duas vezes depois daquele triunfo espetacular. Uma demorada temporada no hospital me impediu de tentar repetir o beijo. Numa das vezes, estava exatamente no hospital. Acho que alguém, provavelmente minha mãe, lhe deu o telefone do hospital quando ela ligou para minha casa. O som de sua voz me confortou como a visão de um amigo numa terra estranha. Depois, não restou nada, senão uma lembrança que aos poucos foi se esgarçando até ressurgir, como que por milagre, restaurada muitos anos depois, quando passei pela frente do velho salão. O telefone jamais voltaria a tocar em nome de Márcia.

Uma velha cigana, num romance de Hemingway, diz a uma jovenzinha pela primeira vez apaixonada que, na vida de uma mulher, há três ocasiões em que a terra treme. Num romance de Norman Mailer alguém, mais parcimonioso, diz que há uma única vez na vida de uma mulher em que ela olha para um homem e um macaco parece saltar dentro de seu estômago. Para um homem a conta não é diferente. A terra não tremeu exatamente para mim naquela noite em que tive Márcia nos braços e dei meu primeiro beijo. Mas de alguma forma saí daquele beijo diferente do que eu tinha sido até então. Me pergunto o que a vida fez de Márcia. Proust escreveu que as ruas e os lugares infelizmente são fugitivos como os anos. Acrescento o seguinte: também as pessoas infelizmente são fugitivas como os anos.

A esquina

15/01/2008

O mundo cabia ali, naquela esquina. Meus amigos e eu naquela esquina. Passo por ela, tantos anos depois, e revejo por um átimo os rostos jovens, inocentes e cheios de esperança da turma que se reunia na esquina. Éramos jovens, éramos imortais, éramos invencíveis. O Totó, o Zezé, o Banus, o Minhoca, o Ed, o Artime, o Pepe. O Belisco e o Maguila. Cada um de nós tem na memória dois ou três lugares que definiram uma época, uma vida, um sonho. Aquela esquina é, para mim, um desses lugares sagrados.

Meus amigos. Descer a minha rua para encontrá-los na esquina era um grande programa. Eu podia contar com meu amigos. Eles podiam contar comigo. Éramos um só. Isso acontece apenas em momentos especiais. Você e seus amigos como um todo. Depois a vida como ela é se apresenta e os amigos se dispersam. Ficam fragmentos, às vezes. Mas a verdade é que aquela proximidade, aquela intensidade, aquela intimidade, aquela cumplicidade, isso fica lá para trás. Existe um momento solene e impossível de repetição em que os amigos e nós somos um só, e exatamente por isso podemos enfrentar tudo.

A minha esquina. A nossa esquina. Ríamos muito. Encontrávamos em tudo motivo para rir. Amigos riem muito. Basta às vezes um olhar. Todos entendem o significado desse olhar mudo e todos caem na gargalhada. Muitas vezes o humor entre amigos vem simplesmente do nada. Como diz Tio Fabio, um homem sábio do interior, a mais legítima prova da amizade está na risada sem motivos. Nós ríamos com motivo e sem motivo na esquina.

E flertávamos também. Lá vinha a Ana Estela com seus olhos assombrosamente azuis. Mais azuis do que um céu de verão adolescente. Ela e outras meninas passavam a uma prudente distância de nós. Jamais na mesma calçada. Mas a verdade é que estávamos muito mais ocupados em rir do que em namorar. Depois que crescemos um pouco os risos se alternaram com inquietação. Foi na esquina que recebemos, perplexos, a notícia de que o Badô tinha se matado. Virou o revólver contra a cabeça e apertou o gatilho. Um pouco mais velho que nós. Drogas. Antes o Marcão tinha feito a mesma coisa. Aprendemos muita coisa sobre a vida na esquina. Incluída a morte. A morte absurda, jovem, estarrecedora. Outras baixas haveria. O Mingo numa briga. O Edu numa moto. Talvez não fôssemos tão imortais quanto supúnhamos.

E eis que a esquina como um ponto mágico um dia se perdeu. Tento lembrar se houve uma última vez, um último encontro. Não, não houve. É como se um dia tivéssemos combinado nos encontrar no dia seguinte na esquina e, por alguma razão insondável, simplesmente não tivéssemos comparecido. Melhor assim. Imagino, olhando para trás, como teria sido dura uma despedida de nós e de nossa esquina, um dia tão amada como a mais amada das namoradas. Ninguém se despede da inocência sem tristeza e dor. E então me ocorre que por um momento eu pudesse voltar a ser garoto correria à esquina e diria a meus amigos: “Amo vocês. Obrigada por tantas coisas boas”. Eles com certeza achariam ridículo, e ririam de minha declaração de amor, e eu também. Mas, deus, como nos amávamos. Nós não nos despedimos. Apenas um dia deixamos de aparecer naquela esquina em que cabia o mundo, e à qual às vezes volto, na imaginação e na saudade, em noites frias e escuras na busca do calor e da luz que a mera lembrança dos meus amigos traz.

Beijo ou chocolate?

12/01/2008

?

A Pequena Aprendiz faz uma declaração de amor sincera, imprevista e tocante. Ao chocolate. “Quer ficar bem comigo? Não me peça um pedaço de chocolate”, ela avisa. “Reparto tudo, sou generosa, mas chocolate não. Detesto dar um pedaço.” Da certeza, ela passa a uma dúvida. “Não sei o que é melhor: beijo ou chocolate.”
? Sei lá. Acho que cada um tem sua hora, e os dois podem se misturar com sucesso.
Tenho a sensação de que a maioria das mulheres prefere chocolate. Pela constância. Não há risco de um alpino ou um sonho de valsa ou um talento branco serem ruins. Muito menos um diamante negro. E o beijo pode não funcionar. Mas essa suposta preferência feminina é apenas um palpite meu. E pode ser um mau palpite, como tantos outros que acumulei na vida quando tentei decifrar o indecifrável, a alma feminina.

A luz acesa de Bill Gates

10/01/2008

Leio que Bill Gates anuncia a aposentadoria. Deixa a Microsoft para entrar na história, como um dos mais cintilantes gênios dos negócios em todos os tempos. E também para se dedicar à filantropia.
Mas o que sempre mais me comoveu em Gates foi uma luzinha acesa. Melinda, uma jovem funcionária da Microsoft, deixava, anos atrás, uma luzinha acesa em seu escritório. Era um sinal para o jovem Bill Gates, seu namorado. Ela estava dizendo que o aguardava para uma visita. Eles posteriormente se casariam.
Era o código deles, inspirado num dos mais lindos livros jamais escritos, O Grande Gatsby, de Fitzgerald. Dayse, a pérfida, a interesseira Dayse deixava uma luz acesa para mostrar a Gatsby que o esperava. Gatsby morreu por Dayse, mas esta é outra história.
Aqui eu queria apenas celebrar uma luzinha acesa no escritório de Melinda. Uma luzinha que iluminou como o mais potente dos sóis a vida do jovem Bill.

“Você foi meu tudo”

09/01/2008


“Este retrato. Acho que você gostaria de ficar com ele”, disse Pedro a Julia. Era uma foto dela quando criança, talvez quatro anos, ou cinco. Ela o dera a ele quando se apaixonaram, e escrevera em sua letra infantil e inclinada para trás: “Repare nos olhos. Eles mostram que eu já estava apaixonada por você, e que iria te amar para sempre”. Era uma foto em preto e branco. Pedro lera um dia um conselho de um mestre zen. O mestre dizia que a gente deveria conservar perto de nós uma foto nossa de criança, para lembrarmos para sempre os dias em que não havíamos sido, sei lá, corrompidos pela vida e nem tinham sido destruídos nossos sonhos e crenças e ilusões.
Ela releu o que escrevera naquela foto. “Eu … eu só tinha olhos para você, Pedro. Aquela música que você ouviu numa época sem parar. Acho que se chama I Only Have Eyes For You. Se você me dissesse para me atirar do alto de um prédio, eu me atirava. Você foi meu hmm … você foi meu tudo, Pedro.”
“Outro dia li uma frase que me lembrou o papel que tive a seu lado”, disse Pedro. “Não me lembro exatamente as circunstâncias. Imagino que tenha sido um sábio grego, mas pode ter sido um guerreiro romano. O cara disse: fracassei, mas tentei. É uma sentença que simboliza a imagem que tenho de mim com vocêr. Fracassei, mas tentei.”
“Tentou o que, Pedro? Eu seria capaz de me matar por você. Você não perderia um jogo de futebol por mim. Eu sempre me senti tão pequena diante de sua preocupação com a carreira. Carreira primeiro, carreira segundo, depois eu.”
“Eu fiz o que consegui fazer”, disse Pedro.
“Pedro, Pedro”, ela disse. “O que vai ser de nós? O que vai ser de mim? Você foi minha vida. Me sinto tão perdida. Onde foi que nos perdemos de nós mesmos? Olha o que estava escrito na foto. Era para sempre, Pedro.”
“Li um texto num blog outro dia. Era uma citação latina. O que não é destruído pelo tempo?”
“Eu tinha certeza de que nós não seríamos”, ela disse. “Deus, como eu era tola … ou pretensiosa. Nós éramos tão diferentes de tudo, eu pensava. Tão, tão, sei lá, tão melhores. E olhe o que restou de nós. Nós teríamos olhos apenas um para o outro. Era isso que ia acontecer, não era? Mas o tempo mostrou que ninguém tem olhos apenas para uma pessoa. Isso é ficção, não é? E ficção ruim.”
“Fomos derrotados pelo tempo”, Pedro disse. “Mas ganhamos a guerra da posteridade.”
“Posteridade?”
“Napoleão em Santa Helena. Batido, sozinho, doente na ilha. Ele não tinha mais a espada, mas uma caneta. Escreveu suas memórias não para ganhar o mundo outra vez, mas para conquistar a posteridade. Era a batalha mais importante dele. Mais crucial que Waterloo. O que estava em jogo era o que o futuro diria de Napoleão, e para sempre. Ele venceu a guerra da posteridade.”
“Napoleão, guerra. Pedro, você me parece às vezes tão fora do mundo. Estamos falando de nós. Tentando escrever o obituário do nosso amor, a cronologia do nosso naufrágio, e você me aparece com o Napoleão em Santa Helena? Napoleão conforta algum coração partido, Pedro? Você inventou um novo uso para o Napoleão? Você é criativo a esse ponto, Pedro?”
Ela tinha razão, Pedro pensou. Não era hora para trazer Napoleão e sua guerra épica pela posteridade para a conversa. Era confuso. Napoleão em Santa Helena. Mas. Mas havia sim uma lógica na história napoleônica que aparecera na conversa entre os dois, pensou Pedro. Há momentos em que o que resta aos amantes é a luta pela posteridade. Pelo que pensarão um do outro, e dos dois juntos. Quase sempre se perde essa luta. Resta raiva, rancor. Algumas poucas vezes se ganha, e as recordações que ficam aquecem noites geladas.
Pedro achava que Julia e ele tinham vencido a luta pela posteridade, mas admitia que explicar isso era demasiadamente difícil. Viu-a colocar a foto que lhe dera na bolsa, e despediu-se.

Quid non imminuit dies?

05/01/2008

?

E então me despeço de Itaparica. Adeus noites de brisa quente como o abraço da mulher apaixonada, adeus areias pedregosas que dificultam o caminho rumo à imensidão azul do mar, adeus músicas insuportáveis de axé. São Paulo me espera. Nesta última noite, tenho nas mãos um pequeno livro, um romance curto de um escritor holandês chamado Cees Nooteboom. O nome é ” a seguinte história”. Me detenho numa citação latina. ? O que o tempo não destrói? O tempo destrói o amor, e também destrói a dor do fim do amor. Agostinho e o tempo. Santo Agostinho disse que quando pensava no tempo sabia o que era, mas quando lhe perguntavam o que era não tinha resposta. Agostinho poderia ter dito: o tempo é um destruídor. Ele teria produzido uma frase menos bonita, menos suntuosa, mas mais simples e mais verdadeira.
O que o tempo não destrói? ?