Archive for Outubro, 2010

Homens do povo

31/10/2010

Penny Lane?”

João estava na sacada do apartamento. Lá embaixo ele divisava um ponto de ônibus, no qual um grupo de homens simples parecia cansado e entediado depois de uma jornada áspera de trabalho duro.

“Hmmm.”

Penny Lane estava na cama, com preguiça e saciada. Parecia ronronar, e não falar.

“Vem aqui.”

Ela obedeceu. Estava nua. Cobriu-se com o lençol da cama.

João indicou os homens no ponto.

“São uns batalhadores. Gosto das pessoas simples”, ele disse. Parecia tocado. Sentimental.

“Devem ter tido um dia difícil. Vamos dar a eles uma visão que compense o cansaço.”

João esticou os braços para os ombros de Penny Lane e puxou o lençol. Aqueles homens do povo mereciam contemplar a nudez esplêndida de Penny Lane.

O reconhecimento

29/10/2010

A mulher, por Schiele

 

“Penny Lane?”

Ela estava prostrada de êxtase. Passou pela mente dela o trecho de uma canção. Erotic madness beyond any measure …

Ela ergueu, preguiçosa, os olhos amendoados para ele. A mão direita de Penny Lane coçava, automaticamente, os pelos de sua pequena floresta entre as pernas. No lençol branco, as marcas de sangue eram um sinal de que a menstruação dela fora comemorada por ambos. Havia umas gotas na barba dele.

“Hmmm?”, ela respondeu, catártica.

“A regra de ouro é não pedir nada. Nada. Apenas obedecer. Nada. Nem tapa e nem ser xingada de vagabunda. Nada. Entendeu? Se você se comportar bem, a recompensa virá. Certo?”

“Certo. Não pedir nada. É o justo.”

Ela falava baixo, num sussuro aos engasgos.

E então, num reconhecimento, a mão direita dele desceu sobre o rosto súplice de Penny Lane.

“Se a prostituição trouxesse dinheiro, todas as mulheres seriam putas”

29/10/2010

Uma obra de Schiele

 

Recomendei outro dia Desidéria, de Moravia, um dos maiores romances libertinos já escritos.

Pois bem.

Peguei-o para reler e topei com uma cena que quero ver discutida aqui.

A mãe de Desidéria é uma prostituta. Numa conversa, alguém diz a ela, a mãe, que toda prostituta ganha muito dinheiro. Ela nega. Afirma que quase sempre são pobres.

E termina assim: “Se a prostituição desse muito dinheiro, todas as mulheres seriam prostitutas.”

É uma frase que faz pensar.

Aos debates, por favor.

O táxi

28/10/2010

 

Estavam no banco de trás do táxi. Penny Lane estava atrás do motorista, João à sua direita.

Estavam voltando de um jantar, e João como sempre parecia interrogar o motorista. Queria saber como vivia. Quantas horas de trabalho, quantos dias. As férias.

Ele escorregou a mão esquerda para o meio das pernas de Penny Lane. Ela pareceu levar um susto. Contraiu-as. Mas depois relaxou.

Enquanto ele interrogava o motorista, acariciava Penny Lane. Ela achou que o motorista tinha notado, e estava gostando do espetáculo. João era indiferente a isso. Queria apenas entender a vida de um motorista de táxi e, ao mesmo tempo, acariciar Penny Lane.

Quando ela ficou úmida, quase inundada, ele levou os dedos à narina.

Cheirou-os como outras pessoas cheiram uma rosa.

O cavalheiro

28/10/2010

Desenho de Zéfiro

“Me bate”, disse Penny Lane. “Eu não valho nada. Eu sou uma vagabunda. Va-ga-bun-da!”

João estava sobre Penny Lane.  Ela primeiro não quisera que ele entrasse nela porque estava sem preservativo mas depois não quis que ele saísse de dentro dela.  Sua geração crescera sob o medo da Aids, mas a dele não.

Ela parecia querer apanhar como uma punição por estar fazendo sexo com um homem que mal conhecia. “Me bate, me bate. Forte”, ela dizia.

Não, ele não poderia deixar que ela se sentisse tão culpada.

Era um cavalheiro.

Coxas de jogador

27/10/2010

O amor, por Zéfiro

 

“Suas coxas são …”

Penny Lane estava montada na perna esquerda de João. Era uma coisa que acabava sempre acontecendo com suas mulheres.

“… de jogador de futebol …”, ela completou, arfante como se tivesse acabado de subir correndo um lance de escadas.

Penny Lane ia para lá e para cá, os cabelos caindo sobre os olhos. Ela apertava o próprio mamilo esquerdo,  mais sensível que o direito. Quando parou, João mordiscou-o como se fosse uma uva.

“Sinto seus músculos”,  ela disse.

João jogara futebol com seriedade durante muitos anos. Isso se refletia na coxa esquerda, na qual Penny Lane esfregava seu clitóris em que se misturavam os fluidos de ambos.

“João?”

“Hmmm?”

“Acredita em Deus?”

“Não.”

“Também não”, gemeu Penny Lane. “Mas estou no paraíso.”

O vôo

26/10/2010

Um desenho de Lichtenstein

“Escuta. Presta atenção”, João disse para Penny Lane.

Estavam no avião. Ele escorregou  a mão direita para o meio das pernas de Penny Lane, protegidas por uma manta.  Puxou para baixo sua calcinha branca. Ela pareceu assustada por um momento, mas logo depois ergueu o corpo levemente para facilitar o trabalho dele. Com os dedos ele desceu vagarosamente do umbigo dela em direção ao matagal úmido. Mexeu nele como se o estivesse penteando. Depois encontrou o alvo e começou a fazer girar seu indicador terna e firmemente.

Ela gemia baixinho. Os olhos fechados. O livro que estava lendo, Caixa Preta, de Amos Oz, balançava delicadamente sobre a manta.

“Escuta. Presta atenção”, ele sussurrava em seu ouvido, como um instrutor íntimo. “Você não vai gozar agora. Mas essa cena, a lembrança dela, vai te trazer mil gozos na vida.”

Ela aquiesceu, concentrada.

Sabor de chocolate

25/10/2010

 

 

Mulher nua, por Schiele

João e Penny Lane estavam na cama.

“Gosto do seu sabor de chocolate, Penny Lane.”

“João. Vai te catar na ladeira.”

“Hmmm?”

“É como a gente fala em Minas… Vocês de São Paulo dizem ‘vai se danar’ …”

“Penny? Não tô brincando. Sou louco pelo seu sabor de chocolate. Quer ver?”

João se levantou e foi até a cozinha. Trouxe de lá um pedaço de Diamante Negro. Pediu que Penny Lane fechasse os olhos e relaxasse. Delicadamente, ele abriu as pernas delas. Com o polegar de cada mão, afastou os lábios de Penny Lane, em que cintilava um piercing chamado Princesa Diana. Seus olhos pareciam deslumbrados ao mirar o sexo de Penny Lane, como se estivesse contemplando A Mulher Nua, de Schiele. A mesma pose, o mesmo langor, o mesmo abandono, a mesma selva de pelos. Com habilidade, colocou o pedaço de Diamante Negro em Penny Lane. Ela gemeu docemente, como se estivesse tendo um sonho bom, os olhos cerrados.

Ele olhou uma última vez para o sexo  escancarado de Penny Lane antes de fechar os olhos e mergulhar a língua em seu sabor de chocolate.

O sensacional capítulo final da saga de El Hombre

24/10/2010

Pequena, a quarta mulher de El Hombre

O fim de um folhetim, para um escritor, é uma despedida dolorida.

Todos aqueles personagens que passaram a fazer parte de nossa vida como se fossem nossa família se vão.

É com emoção, expressa em mãos ligeiramente trêmulas e olhos úmidos, que digo a El Hombre: “Fique com Deus! Que suas quatro mulheres dêem a você o que você merece, meu irmão.”

Agradeço as dezenas de sugestões de final que me chegaram. Nessas ocasiões, nosso trabalho parece ganhar sentido. Infelizmente nenhuma delas prestou, e então tive que agir sozinho. Uma editora sueca já me procurou com um cheque em branco, interessada em editar o livro. Dos estúdios de Hollywood disputam a honra de transformar a história de El Hombre num blockbuster.

Devo tudo a El Hombre, a quem agradeço aqui. E também a vocês, sem quem El Hombre não estaria, neste exato momento, fazendo o que um homemtem que fazer com suas quatro beldades arubenhas …

E então, enquanto o corpo vencido de Stieg Larsson fazia seu mergulho final rumo às profundezas geladas das águas de Aruba, El Hombre teve um lampejo, subitamente.

E se …?

Ele se viu numa sessão de sexo grupal com as três mulheres de Larsson. Eram parecidos. Elas precisavam de um homem que cuidasse delas. E ele precisava de um sentido para a vida, agora que exterminara Larsson.

Sexualmente, ele sabia que jamais poderia perder para um sueco. Como no futebol, o sueco não tem jogo de cintura no sexo. Ele consolaria as três viúvas com um sexo brasileiro em substituição ao sexo burocrático escandinavo.

A polícia poderia descobrir? Não a polícia de Aruba, cujos integrantes estavam completamente amolecidos pelo calor da ilha e entorpecidos pela absoluta ausência de crimes ali.

Era óbvia a continuação da história.

El Hombre teve um último vislumbre do corpo de Larsson sendo arrastado. Curiosamente, o chapéu de Mr Walker não se soltara. Tão logo Larsson saiu de sua vista, El Hombre foi acometido, uma vez mais, de uma ereção galopante, selvagem, daquelas que levam um homem a crer que sua virilidade pode explodir em pedaços.

De novo, El Hombre fez o que deveria fazer.

Seis meses depois

El Hombre, bronzeado, mais magro, sorridente como jamais estivera  desde a infância, estava deitado calmamente no monumental apartamento em que Larsson vivera com as três nativas. Uma quarta se acrescentara ao grupo, carinhosamente chamada de Pequena Aprendiz por El Hombre. As quatro dividiam as tarefas do lar: uma abanava a nudez rija de  El Hombre. A segunda massageava-o na virilha. A terceira acariciava  os cabelos de seu homem. A quarta lia para ele, e segurava um cacho de uvas doces que ia levando pausadamente à boca de El Hombre.

A polícia jamais o procurou. O porteiro e os vizinhos não notaram nenhuma diferença. Larsson vivia recluso com suas mulheres. El Hombre assumiu seu papel sem problemas.

A história que era lida para ele tinha como estrela uma personagem fascinante. Neurótica, polivalente sexualmente, agressiva e indefesa ao mesmo tempo.

Seu nome: Lisbeth Salander.

A namorada mais velha

23/10/2010

Ele ficou velho para ela

Zapeio num desgoverno e falta de compromisso totais.
E então dou com Jude Law, num filme em que ele é um conquistador compulsivo e, depois, arrependido. Um predador que abjurou.
Uma cena me fez pensar.
Ele tinha um caso com uma mulher mais velha, feita por Susan Sarandon. Ele se sente em pleno comando, por razões etárias. Ao procurá-la, depois de um tempo, fica sabendo que ela está com outro cara.
Fica surpreso, decepcionado e indignado.
Quer saber o que o outro tem de melhor que ele. Ela está embaraçada, mas acaba falando.
“Ele é mais novo …”
Isso me lembrou um artigo de Mantraman em que ele falava de seu amor por Rebeldia, bem mais moça que ele. Mantraman, aliás Ciro Pessoa, dizia que escutava muitas vezes o aviso de gente dizendo que ela podia encontrar alguém mais novo que ele.
“Mas esquecem de dizer que eu também posso”, dizia Mantraman.
Foi o que fez, no filme, a namorada velhota – mas que ainda dava um senhor caldo – de Jude Law. Quando li aquela provocação no Mantraman, fiquei parado alguns minutos, pensando. Nunca tinha visto um raciocínio daqueles. No filme, viria uma segunda surpresa — a mesma lógica aplicada a uma mulher que gosta de juventude. Curioso como JL fica desconcertado com a franqueza SS no filme com a súbita, irremediável perda de seu grande ativo — a juventude.

 

Quando a dor acaba

22/10/2010

 

 

Outro de meus favoritos de todos os tempos, um reencontro imaginário com minha musa dos primeiros tempos, Nadja, perdida, para sempre perdida, mas tão viva, tão linda, batendo os saltos nas calçadas da cidade da minha memória e da minha saudade … Se aceitam uma sugestão, leiam ouvindo Seems Like Old Times …

 

Uma mulher me esperava no restaurante. Ela sempre chegava um pouco antes; eu sempre um pouco depois. Fazia muito tempo que não a via, mas certos hábitos jamais se alteram. Vi que ela folheava um livro, acomodada numa mesa para dois. Ela sempre tinha um livro à mão para a hipótese de eu demorar mais que o razoável. O livro que ela lia naquele momento, vi depois, era uma pequena biografia de Marcel Proust sobre a qual eu escrevera na VIP do mês anterior. Era ela. Nadja, meu amor perdido. Ela estava de volta à cidade por uns dias para visitar a mãe. Nadja, depois que rompemos, conheceu um fazendeiro de Mato Grosso. Logo se casaram e ela mudou para lá para viver seu novo amor bucólico. “Tudo bem?”, perguntei. “Graças a Deus.”

Rimos e o gelo se quebrou. Era uma piada particular nossa. Nadja era atéia. Ela jamais acreditara em Deus. Num certo momento, deixou de acreditar também em mim. Foi aí que nosso romance começou a terminar. Reencontros com amores passados servem para mostrar muita coisa. Mostram, por exemplo, como uma intimidade construída em anos pode se dissolver instantaneamente com o rompimento. Você trata com cerimônia constrangida alguém com quem, até pouco antes, tinha a mais absoluta liberdade. “A melhor coisa que você fez por mim, em muito tempo, foi indicar na revista este livro”, ela disse. “Sou realmente grata a você.” Era a Nadja de sempre, irônica, às vezes ferina mesmo num banal agradecimento pela indicação de um livro. “Uma frase”, ela continuou. “Tem uma frase neste livro que talvez seja a mais linda que eu já li. E a mais triste também.”

Ela me passou o livro aberto numa determinada página. Nessa página, uma sentença estava sublinhada. Nadja costuma sublinhar as frases de que mais gosta nos livros que lê. Eu tentei muitas vezes fazer o mesmo, mas minha falta de método jamais me permitiu consolidar esse hábito. Li a frase sublinhada por Nadja. Ela tinha razão. É uma das frases mais tristes que alguém já escreveu. Proust disse: “Nesse nosso mundo onde tudo fenece, tudo perece, há uma coisa que se deteriora, que se desfaz em pó até de forma mais completa, deixando para trás ainda menos traços de si do que a beleza: a saber, a dor”.

A dor. A dor da perda de um grande amor. A gente imagina que vai morrer sem ele. Como dói aquela ausência. Como dói a perspectiva de nunca mais ter nos braços alguém que a gente imaginava ao nosso lado para sempre. Nunca mais. E no entanto quando aquela dor torturadora se vai, vencida enfim pelo correr dos longos dias, o que sentimos não é alívio, mas vazio e frustração. É como se pensássemos: o grande amor exige uma dor eterna, um luto no coração até o último dia. Só que a dor, como disse Proust, dura ainda menos que a beleza. Devolvi o livro a Nadja e trocamos de assunto. O resto do almoço foi alegre. Lembramos certas passagens de nosso romance como na cena final de um dos meus filmes preferidos, Annie Hall, de Woody Allen, e rimos muito. Lembramos, por exemplo, o dia em que entramos por acaso numa festa de firma num bar no Terraço Itália e acabamos comendo mais, bebendo mais e rindo mais do que qualquer pessoa naquele salão. Lembramos a madrugada bêbada numa boate em que uma prostituta recomendou compostura a Nadja. E então era tempo de despedida. Sem drama. Ela refizera sua vida e eu a minha. Ela voltava para Mato Grosso e eu para minha vida de escritor barato. Já não doía como doera nem nela nem em mim, mas ali compreendi com clareza que a morte da dor amorosa também pode, de uma forma estranha, doer.

Era uma vez no verão

21/10/2010

Um de meus textos favoritos. Nele eu falo de uma esperança secreta — a de que alguma coisa que eu tenha escrito possa aquecer alguém quando a vida castigar. “Nossa, olha o que inspirei … Tive meus dias, e no fim é o que importa …” É um texto que deve ser lido com a música desse vídeo …

Olho para minha estante e apanho um livro antigo. É um livro de um escritor barato, e está no meio de romances de escritores nada baratos. Dostoievski e Tolstoi, Balzac e Flaubert, Hemingway e Fitzgerald, Machado e Eça, Roth e Updike, Chandler e Hammett, Garcia Marques e Vargas Llosa.
É um livro simples, banal, tolo, como as coisas que escrevo. Mas eu o amo, e ele sobrevive ás limpezas periódicas de livros em minha biblioteca. O nome é Verão de 42, escrito por um certo Herman Raucher, e inspirou um filme tão bonito quanto o livro, e isso é raro. A trilha sonora, um piano lírico, melodioso, lento, triste, é uma das mais belas do cinema. Um cara retorna ao lugar em que passou o verão de sua vida, uma praia. Essa a história. O narrador lembra aqueles dias ensolarados, aqueles tempos de descobertas e transformação que a gente vive apenas aos quinze anos.
Vou direto ao final. Quero reler as últimas linhas ainda uma vez. O garoto se apaixona por uma mulher mais velha, com quem faz sexo pela primeira vez. Ela fora movida pelo desespero, depois de saber que o marido morrera, e o garoto pela paixão deslumbrada. Depois ela vai embora, e deixa uma carta para ele na qual diz esperar que ele seja poupado de todas as tragédias sem sentido. Mas ninguém é, ninguém é. O garoto cresceu, virou homem, e jamais perdeu a carta.
“De vez em quando, sempre que o mundo o castigava, ele parava o que estava fazendo e lia outra vez a carta”, diz o livro. Às vezes me pergunto se as coisas que um dia escrevi servirão de conforto a alguém quando o mundo castigar, ou se tudo são folhas na relva, palavras perdidas na imensidão das coisas. Não tenho resposta, mas secretamente alimento a ilusão de que certas coisas escritas por mim possam, quem sabe um dia, despertar um sorriso num rosto triste.
Um pequeno trecho do tolo livro de Raucher tem este efeito sobre mim. O narrador está indo embora do lugar onde vivera o maior verão de sua vida.  “O homem se afastou da casa e voltou para a direção de onde viera, com a areia de todos esses anos passados caindo nos seus pés, a manhã fresca, a umidade matutina. E pensou na pequena verdade que ele quando menino tinha levado tanto tempo para entender. A vida é feita de pequenas idas e vindas, e para tudo que um homem leva existe alguma coisa que ele deve deixar.”
Para tudo que a gente leva existe alguma coisa que a gente deve deixar. É uma verdade dolorida, e também uma frase que eu gostaria de ter escrito.

Uma conversa sobre tolices sentimentais

20/10/2010

Dimitri primeiro e Karina depois me lembraram que um dia participei de um chat no UOL. Ambos me sugeriram publicá-lo. Nem preciso dizer que não o via desde o dia do chat. No Google, encontrei e li.

Fiquei agradavelmente surpreso. Chat é complicado. Você responde na hora, na raça, à medida que vão chegando perguntas que você não tem a menor do que irão abordar. E o relógio vai correndo. Por tudo isso, gostei do resultado, e decidi acatar a sugestão de Dimitri e Karina, aos quais agradeço.

O bom nível das perguntas me chamou a atenção, ao lê-la tantos anos depois. Fiquei feliz ao ver que na essência meu pensamento a respeito do amor não se alterou. Mantive a grafia original, em que você é por exemplo ‘vc’, e em quase nada mexi. Nem a ordem das perguntas foi alterada.  Abaixo, a conversa …

O que vc acha do amor?

A frase não é minha, mas é irresistível. O amor é o triunfo da esperança sobre a experiência.

Na sua opinião, qual a maior mancada ( ou uma delas) que a mulher pode dar num relacionamento?

A  maior mancada que uma mulher pode dar num relacionamento é não se entregar. Mas também é a maior mancada que um homem pode dar.

Fabio, vc acha o ciúme uma tolice sentimental?

Ah, os ciúmes. Tratados foram e são escritos sobre os ciúmes, mas como controlá-los? Nem meu tio Fabio, um homem sábio do interior, descobriu a fórmula.

Qual é a melhor maneira de conviver com uma pessoa?

A melhor maneira é ser você mesmo e aceitar que a outra pessoa seja ela mesma. Não querer impor, nem aceitar que imponham.

O que se faz quando o amor acaba, mas não se tem coragem de terminar o relacionamento?

Perde-se muito tempo. Só isso. Quando o amor acaba, não há nada que o faça renascer. O quanto antes a gente consegue aceitar isso, melhor.

Vc foi muito sensivel ao escrever sobre uma empregada que lhe levava chocolate quente. Vc é tão sensivel em relação aos seus subordinados ?

Há momentos em que os subordinados merecem 30 bengaladas. Isso é sabedoria zen. Aprendi com os mestres zen. Mas acho que se deve tratar todo mundo, subordinados ou não, com respeito e compaixão.

Vc escreve tolices sentimentais?

Sou um escritor barato que escreve tolices sentimentais. E não tenho nenhum problema em relação a isso. Um dia sonhei ser um Graham Greene, mas o tempo me fez entender e aceitar meu tamanho.

Vc acha que as mulheres podem desvincular amor de sexo por prazer apenas?

Todos podem fazer isso. Mulheres e homens. Mas o sexo sem amor em geral traz uma pequena dose de prazer, fugaz, e uma imensa carga de sofrimento, duradoura.

Vc acha que num relacionamento pode sobrar SÓ sexo, ou SÓ amizade e mesmo assim continuar sendo legal pros dois?

Não acredito numa continuação de brincadeirinha depois que o amor acaba. Isso só traz dor.

Vc tem algum livro na praça ?

Não tenho livros. O que produzo são folhas na relva. Que fiquem ali mesma, perdidas entre um exemplar e outro da Vip.

Vc observou que a sala é quase totalmente feminina? Vocês da revista faziam idéia do imenso número de mulheres que devoram sua coluna?

Sim, sabemos que muitas mulheres nos lêem. É um caso de amor correspondido.

Na sua opinião, onde se encontra a sabedoria : no excesso ou no meio termo?

A sabedoria se encontra onde você consegue encontrá-la, às vezes no excesso, às vezes  no meio termo.

Vc acha possivel viver diferentes amores ou a lembrança do GRANDE AMOR não acaba triturando qualquer possibilidade de virmos novamente a nos apaixonar?

Acho perfeitamente possível viver muitos amores. Cada qual tem seu encanto, seu cheiro, seu sabor. Viver preso à lembrança de um grande amor é uma forma de aprisionamento mental e emocional.

Existe amor eterno?

Tudo acaba. A juventude acaba. A beleza acaba. Minha coluna vai acabar. É um fenômeno que os budistas chamam de impermanência. Vivamos o aqui e agora, em tudo. Inclusive no amor.

Há possibilidade de uma pessoa manter um relacionamento por atração fisica?

Esse tipo de relacionamento, baseado em atração física, tem a fugacidade, a brevidade da chama de um fósforo.

O que fazer quando vc sente um amor obsessivo?

Se livrar dessa obsessão. O bom sexo flui natural como as águas de um riacho. Quanto mais nos preocupamos com o “grande sexo”, pior o sexo.

E quanda a gente parece ter sempre uma paixão à primeira vista? É melhor fugir?

Acho que não se devem represar os sentimentos. Se você sentir pela décima vez uma paixão à primeira vista, invista nela, ainda que em outras nove vezes tenha tido desilusão. Cada história é uma história.

Qual o segredo para manter aceso um relacionamento?

De um modo geral, acho que se o homem tratar a mulher como alguém especial, e a mulher também tratá-lo como alguém especial, 90 por cento dos problemas estarão resolvidos. Saber ouvir responderão pelos demais 10 por cento. Hoje as pessoas falam muito, em geral de si mesmas, e não conseguem ouvir os outros.

Vc não acha que sua coluna “homem sincero/ sensível” é apenas para equilibrar a cafajestagem da VIP?

Não considero a Vip cafageste. É uma revista com a qual me identifico inteiramente.

Qual sua melhor cantada? dá uma dica aí…

Acho que a melhor linha inicial de uma conversa é um simples e prosaico “oi”.

A infidelidade é grande entre os namorados. Por quê? E amor eterno, existe?

A infidelidade entre os namorados é apenas sinal de imaturidade. Amor para sempre? É uma quimera. Tudo é impermanente. Aceitando isso, a gente vive melhor cada momento.

Fabio, seguinte, estou berrando pra vc me ouvir. Tou apaixonado por uma mina… só que ela namora!!! mas entre nós já rolaram uns amassos… devo investir nessa paixão?

Não precisa gritar. O tom de voz contido é uma virtude. Inclusive nos relacionamentos. Quanto a seu amor, parece ser uma furada e tanto.

Meu último relacionamento era algo doentio. A mãe de meu namorado tinha uma relação muito estranha com ele….ela não aceitava o fato do filho gostar de mim, e vivia o tempo todo tentando destruir o relacionamento. Ele, como é uma pessoa que cede a todas as ordens da mãe, aceitou terminar o relacionamento sem nenhum motivo. Hoje eu sinto falta de uma conversa franca, mas ele não aceita, mesmo com 30 anos, continua achando que a mãe tem razão em tudo e por isso não discute nada.

Um homem que aos 30 se comporta como aos 15 deve ser jogado na cesta de lixo.

Você se considera “o bom” quando está  com alguém que lhe é especial ou preocupa-se em, primeiro, fazê-la sentir-se “a poderosa” antes de qualquer coisa?

Nos casais saudáveis, um faz o outro se sentir poderoso. Simultaneamente. Naturalmente.

É possível amar duas pessoas ao mesmo tempo?

Sim, é possível. Mas não é uma situação que possa perdurar muito tempo. Você tem que fazer sua escolha. Quanto antes, melhor.

Qual é a sua opinião a respeito do sadomasoquismo?

Sem nenhum moralismo, digo que o sadomasoquismo traz muito mais angústia e aflição que alegria.

Como devo regatar minha auto-estima?

Auto-estima se conquista quando a gente dá mais valor a nossa opinião sobre nós mesmos do que à opinião dos outros. Precisar da aprovação alheia é uma forma de sofrimento.

Por que meus avós não se beijam?

Seus avós não se beijam na sua frente provavelmente porque sejam discretos.

Qual é a sua posição a respeito do sexo virtual?

Nada substitui o sexo real.

Minha mulher me largou pq fiquei desempregado. Minha banda se desfez, qual o conselho que vc pode me dar ? Por favor …

Pare de pensar tanto em você mesmo. Pare de se lamuriar. É um bom começo para sua recuperação.

Vc usa bastante a palavra sofrimento em contraposição a alegria … por que isso ?

A vida alterna sofrimento e felicidade. Por isso faço essa contraposição.

Fabio, aqui é o Alex Cosy. Como seu colega colunista de VIP, não poderia deixar de dar um abraço. Respeito o seu talento e pensamento, embora como guardião dos direitos do homem ao prazer discorde por vezes de você. Tenho certeza que um pouco de machismo faria muito bem ao Fabio Hernandez… e a suas mulheres tambem…

Um pouco menos de machismo tb faria bem ao Alex Cosy.

Pode-se amar o bastante para aceitar uma traição? não apenas perdoá-la, e sim esquecê-la?

A traição pode ser superada, desde que você esteja disposto a isso.

Suas palavras me impulsionaram. Tenho absoluta certesa que vivia buscando a aprovação alheia. Digo “vivia” porque suas breves palavras me fizeram refletir muito. De hoje em diante, serei sua leitora assídua.

Obrigado. Tentarei atender suas expectativas, mesmo sendo um escritor barato.

Um fracassado com um certo charme leva vantagem sobre um próspero insosso … ?

Como não tenho charme, mas apenas o fracasso, não posso responder.

Como superar o medo e a desconfiança dos homens por causa de alguns relacionamentos ruins que tive no passado?

O passado já passou. Pense no presente. Será um grande passo.

Como perceber se o amor acabou?

Se você já não sente vontade de ver um filme comendo pipoca com a sua mulher ou namorada, é sinal que a festa já acabou. Os sinais de fim de caso são inúmeros. Nós é que fingimos não vê-los.

Fim de caso

19/10/2010

Cris e Pedro se viam pela última vez. Cumpriram todas as etapas de um amor: se encontraram, se apaixonaram e se desencontraram.

“Achei que íamos ficar juntos pelo resto da vida, Pedro. Era tão bom dormir com você. Sua boca aberta. Se eu me assustava à noite me aninhava em você. Me sentia tão … tão protegida.”

“Aquelas primeiras noites … Sabe do eu mais lembro nelas? Não do sexo, que era muito bom. Mas das madrugadas que passamos com as bocas coladas, um respirando o outro.”

“Tenho tantas fotos nossas, Pedro. Um dia vou ver. Agora não.”

“Putz, perdi todas quando meu celular pifou. Mas engraçado. Tenho na memória.”

“Quis tanto um filho seu, Pedro … Comprei ácido fólico para uma gravidez que acabou não acontecendo. Como eu sou sonhadora.”

“Também quis. Eu via um bebê num carrinho e imaginava que era nosso, Cris. Sempre achei que você seria a grávida mais linda do mundo. E a nossa filhinha na minha imaginação … era igualzinha a você. Sabe aquelas fotos que você me mostrou de você criança? Nosso bebê nos meus sonhos era aquilo.”

“Mas eu tinha medo de que, na minha gravidez, você ia correr atrás de alguma … vagabunda.”

“Nunca pensei em nenhuma mulher enquanto estivemos juntos. Nunca.”

“Pedro?”

“Se eu tiver um filho com outro cara. Ele vai se chamar Pedro. Pensei nisso outro dia.”

“E eu, Cris. Olha, juro que não é piada. Eu tinha pensado a mesma coisa. Exatamente. Uma menina, se eu tiver, vai se chamar Cris. Vou fazer rabinho de cavalo nela para ficar parecidinha com você. Ah, seu rabo de cavalo. É outra coisa que nunca vou esquecer. Um ar tão de … normalista …”

“Normalista, Pedro? Nossa, essa é do tempo da minha mãe …”

Eu sou do tempo da sua mãe …”

“Nós nos amamos tanto e fizemos tanto mal um para o outro, Pedro…”

“Fizemos o melhor que conseguimos, Cris. Erros de amor serão perdoados no Juízo Final …”

“Pára … Você nunca acreditou em Deus, Pedro.”

“Mas acreditei numa deusa, Cris. Você.  Enquanto tive fé, fui um homem feliz.”

“Pedro. Quando você vai embora? Lá é tão longe, Pedro.”

“Cris. Acho que já fui. Na verdade já fui. Já fomos. Os dois. Para as distantes terras do nunca mais.”

“As distantes e geladas terras do nunca mais … “, Cris disse. “Rubem. Rubem Braga. Olha. Pedro. Que bom que você me deu pra ler o Rubem Braga. E o Llosa. Você dizia que eu era a sua menina má. Lembra?”

“Eu … eu te amei, Pedro. Muito.”

“Eu também, Cris.”

“Você vai ser sempre. Você vai ser sempre meu beibe, Pedro. Meu beibezinho.”

Sorriram um para o outro, talvez porque quisessem que ficasse em cada um deles uma lembrança feliz.

E partiram, cada qual para sua vida.

Morte em Aruba

18/10/2010

Aruba, na madrugada do duelo mortal

 

Em prosseguimento a nosso folhetim, El Hombre finalmente está cara a cara com sua presa em Aruba …

Não, não era possível.

Ou era?

El Hombre por um momento imaginou que estivesse diante de um duplo. A diferença entre o Larsson das fotos que vira e o Larsson que encontrava agora derivava de uma plástica com a qual o sueco elevara as dificuldades em descobrirem seu golpe perfeito.

Os cabelos claros escureceram. Mesmo a cor dos olhos se modificara, mas isso graças a lentes de contato. Antes seus olhos míopes eram castanhos. Agora eram esmeralda. Exatamente como os de Liz Taylor.

E os de El Hombre.

Os lábios receberam um reforço. Pareciam agora os de Angelina Jolie e os de Mick Jagger.

E os de El Hombre.

Passada a estupefação inicial, El Hombre partiu para seu plano. O que ele não imaginava era a reação de Larsson. Ele quase morrera uma vez, e isso fez com que ele amasse depois desesperadamente a vida. Ele não sabia por que fora atacado por um sósia seu. Mas sabia que a intenção dele era exterminá-lo fisicamente.

Os dois Mr Walkers travaram uma luta titânica ali na ponte de Aruba da qual El Hombre planejava atirar Larsson rumo à morte e ao desaparecimento na imensidão azul do mar. Por um instante El Hombre pensou que ele terminaria sendo atirado. Estava em desvantagem naquele duelo de morte, e encontrado precariamente contra a mureta da ponte. Larsson, inteiro e ensandecido em seu ódio ao agressor, notou a vulnerabilidade dele.  Inteligentemente, decidiu arremeter contra o inimigo de morte e com o impacto de seu corpo atirá-lo para as águas profundas e mortais.

El Hombre viu a intenção homicida nos olhos esmeralda de Larsson. Dizem que em seus últimos momentos um homem pensa na vida em quadros. El Hombre, ofegante e exaurido, lembrou apenas de seu pai, dos dias em que era menino e olhava para ele como um muçulmano para o Corão.

E ali vinha, urrando de ódio na madrugada arubenha, Larsson.

Quando Larsson estava já prestes a atropelá-lo e projetá-lo para a morte, El Hombre usou as migalhas de energia que lhe restavam para se agachar. Se errasse na hora do agachamento, Larsson virtualmente o esmagaria contra a murada e depois terminaria o serviço. Mas se fosse preciso teria chance de inverter um jogo que parecia liquidado.

El Hombre se agachou quando percebeu que Larsson estava a nanosssecundos da colisão de corpos estranhamente iguais. Deu um berro primal e se ergueu.

Os céus de Aruba testemunharam uma cena pavorosa.

O corpo de El Hombre acabou funcionando como um trampolim humano. Larsson subiu alguns metros e mergulhou na escuridão, os olhos arregalados de pavor.

El Hombre olhou para a baixo a tempo de ver o choque do sueco com as águas.

Era a segunda vez que Larsson morria, e a definitiva.

El Hombre foi então acometido de uma turgidez pulsante inacreditável. Será possível que gostei de matar um homem?

Enquanto o corpo de Larsson se encaminhava para o esquecimento marinho, El Hombre aplacava febrilmente sua turgidez. Parecia ter recuperado, como por milagre, toda a energia.

(continua)

Assim falava Tia Iracema

18/10/2010

 

A mulher que busca a 'pequena morte', por Shiele

 

Mais uma frase  que recolhi de nossa Sócrates da libertinagem …

“O que os franceses chamam de ‘la petite mort’, o desfalecimento lânguido do pós-êxtase, eu defino como ‘la grande vie”, mon cher.”

“Ninguém cuida da gente. Só nós mesmos”

17/10/2010

 

O Taiti de Gauguin

 

“Hernandez?”

Quando me chamam assim ao telefone já sei que é meu amigo Thunder. Só ele me chama de Hernandez.

“Fala, Thunder. Tudo bem?”

“Masomeno, Hernandez.” Mais ou menos, na locução rápida de Thunder, vira masomeno.

“Me conta tudo, homem.”

“Cansei. Você já se cansou?”

“Muitas vezes, Thunder.”

“Mas acho que você não se cansou disso.”

“Hmmm?”

“Me cansei de minha relação com o mundo, Hernandez.”

“Hmmm?”

“Acordei me dando conta disso, Hernandez. Era uma coisa óbvia, mas eu demorei a vida inteira para enxergar.”

“Hmmm?”

“Dou mais do que recebo, Hernandez.  O mundo …. hmmm …. tem uma relação de exploração comigo. Desde que eu me lembro foi sempre assim. A única novidade é que eu cansei.”

“A Cláudia tá incluída.”

Cláudia era uma namorada com quem Thunder ia e vinha.

“A primeira da lista, Hernandez. Mas não a única. Não sou prioridade para ela, tá na cara.  Amigas, amigos, viagens vêm antes. Mas ela exige que eu a trate como prioridade 1, 2 e 3.”

“Hmmm?”

“A família também.”

“Ah, Thunder pára com isso.”

“Sério, Hernandez. Eu sempre dei mais do que recebi. Suporte, apoio.”

“Hmmm?”

“Tudo bem até eu cansar. Eu tenho que cuidar de mim, Hernandez. Ninguém cuida de mim.”

“Sem autolamúria, Thunder. Você nunca foi disso.”

“Não é autolamúria, Hernandez. Apenas acordei.  As pessoas se acostumaram a cobrar de mim o que elas não me entregam. Paciência, por exemplo. Fazem horrores e depois o problema sou eu. Não é justo, Hernandez.”

“Thunder. Passei por isso. Acho que todo mundo passa num determinado momento. Voce olha para as pessoas a seu redor e procura sentido. Nem sempre encontra.”

“E então, Hernandez, que faço?”

“Aconteceu comigo, Thunder. Eu tirei férias das pessoas. Lembra? De você também. Se você puder, faz que nem o Gauguin. Rumo ao Taiti. Com o respiro, você pode avaliar melhor as coisas. E …”

“E?”

“Qualquer que seja o futuro, você falou uma verdade fundamental. Cuide de você. Ninguém cuida da gente. Só nós mesmos. E …”

“E vem tomar uma cerveja, Thunder. Você tá precisando. E eu também.”

Clássicos Libertinos: o número 3 é O Sofá

17/10/2010

Como era boa a literatura libertina francesa do século 18, quando os ventos da mudança radical varriam a França. O Sofá, de Crebillon, é um clássico erótico. Como muitos romances do gênero, a inspiração – improvável quando se pensa no mundo em que vivemos – é o Oriente misterioso e sensual dos maometanos, tão bem registrados nas 1001 Noites e hoje símbolo do conservadorismo sexual.

Um homem que em outra vida foi sofá – ah, o humor e a imaginação dos franceses – narra a um rei o que testemunhou. Não foi pouca coisa. Crebillon toca na hipocrisia. O sofá fiz que viu muita gente tomada pelo vício se empenhar não em mitigá-lo e sim em escondê-lo. O livro, como tantos outros da mesma família, foi publicado anonimamente. Os franceses inventaram a arte de fazer amor e também a arte de escrever sobre fazer o amor.  Uma prosa charmosa, jamais vulgar, inteligente e sacana. Voilá.

Numa biblioteca libertina decente, O Sofá e Crebillon são mandatórios.

O primeiro amor

16/10/2010

 

Este texto, da época em que quase me tornei um místico, é para ser lido ouvindo Crying Game …

 

Tio Fábio, Deus o tenha, foi um homem sábio do interior. Uma vez ele me viu aflito com uma pilha caótica de livros que eu tinha na cabeceira. Tanta coisa para ler, tão pouco tempo: esse é o motivo da minha aflição, expliquei a tio Fábio. Na próxima vez que o encontrei ele me passou uma citação de Sêneca, o grande filósofo romano de quase 2000 anos atrás. Tenho-a até hoje. “Uma profusão de leitura sobrecarrega o espírito, mas não o ilustra. É melhor se aplicar num pequeno número de atores do que vagar no meio de muitos.” (Adiante, conforme me contou tio Fábio, Sêneca quase louvou o célebre incêndio da biblioteca de Alexandria, considerado pela visão convencional como um dos maiores desastres culturais da humanidade. Sêneca qualificou a biblioteca queimada como um exemplo de “orgia de literatura”. Tio Fábio gostava de Sêneca porque admirava gente que pensa diferente. Herdei essa admiração. Uma das razões pelas quais falo tanto de tio Fábio é que ele pensa diferente.)

Agora confesso que esqueci por que falei em Sêneca e no esforço inútil despendido em letras inúteis. Ah, lembrei. É que no esforço de seguir o romano genial eu passei a me concentrar em alguns autores, não numa infinidade. E tirei de minha vista a montanha de livros que me trazia tanta ansiedade. Entre as minhas poucas e boas constantes leituras estão dois escritores “espirituais”. Um deles é o monge católico Thomas Merton, já morto. O outro é o monge zen Thich Nhat Hanh, um vietnamita que ergueu uma comunidade budista num lugar retirado na França.

Citei ambos porque, em livros que escreveram, eles trataram de um assunto que é único, vital, indelevelmente marcante na vida de um homem: o primeiro amor. É quando descobrimos que não somos mais crianças. É quando descobrimos que existem outros prazeres além da bola de futebol ou do videogame. E é quando descobrimos também o quanto a alegria está conectada com a tristeza. O quanto a euforia está próxima da angústia. Um telefone que toca com a voz de quem você deseja ouvir. É então o êxtase. Um telefone que teima em ficar cruelmente silencioso. Você é um antes do primeiro amor. E outro depois. Os beijos. O adeus. (E então me ocorre aquela linda canção chamada Crying Game, que deu nome ao filme com o mesmo nome. “First there are kisses/ Then there are sighs/ And then before you know where you are/ You�re saying goodbye”. Primeiro os beijos, depois o suspiros, e antes que você saiba onde está, já está dizendo adeus, mais ou menos isso numa tradução livre. A gravação de Crying Game por Boy George é estupenda.

Merton, em sua autobiografia, nota algo que eu nunca tinha pensado. Somos tão jovens, tão frágeis, quando aparece pela primeira vez em nossa vida aquela onda avassaladora, o primeiro amor. Tanto impacto e somos tão indefesos. Merton se apaixonou antes de virar monge. Thich Nhat Hanh, num pequeno livro chamado Cultivando a Mente de Amor, confessa a paixão que o tomou quando, jovem monge, conheceu uma monja. Ele diz que decidiu falar desse amor para ajudar os outros monges que por acaso enfrentem a mesma situação. Transcrevo um texto que Thich Nhat Hanh fala do objeto de seu amor: “O comportamento dela como monja era perfeito – a forma de se mover, de olhar, de falar. Ela era tranqüila. Jamais dizia alguma coisa, a menos que lhe perguntassem”. (Eis, segundo meu amigo Thunder, que recentemente adotou uma barba hemingwayana, a fórmula da mulher perfeita. A que só fala quando lhe pedem para falar. Thunder é um cínico amoroso.) Mais adiante o monge budista compara seu amor a uma tempestade pela qual ela e ele tinham sido apanhados sem saber como. E também sem saber como escapar.

Ele aconselha a gente a pensar, tempos depois, no primeiro amor. Vamos notar coisas que não percebemos na ocasião. É o que faço agora. Deus, que tempestade. O vestido verde e a blusinha amarela da festa em que começamos a namorar. Os cabelos negros, a tez morena, os olhos verdes. A menina mais bonita da cidade. Afastei-a de mim porque não suportava me sentir tão pequeno. Quanto tempo demorei para entender meu comportamento destrutivo. A tempestade do primeiro amor. Fui apanhado por ela, e poderia ter me deixado levar por suas águas copiosas e deslumbrantes, mas não tive força para fazer outra coisa que não fosse fugir. Fugi de tudo. Até de mim mesmo.

Assim falava Tia Iracema

15/10/2010

 

Sócrates da libertinagem, faltou um Platão a Tia Iracema, alguém que recolhesse sua sabedoria e a transformasse em livro. Na falta de Platão, eu mesmo vou colocando aqui, em drágeas, o pensamento de Tia Iracema.

A sábia prefere um orgasmo verdadeiro a um diamante falso, assim como prefere um diamante verdadeiro a um orgasmo falso. Quando ambos são reais, ela optará pelo mais conveniente em sua presente situação.