Peter e Tania estavam deitados na cama, invadidos pelo tédio pós-coito. Cada qual fumava um cigarro, como em filmes antigos.
“Que música era aquela?”, perguntou Tania em seu inglês com um charmoso acento ucraniano. “É tão, tão, tão linda.”
Peter gostava de colocar música na hora do sexo. Escolhera uma que ouvira num programa de rádio da BBC 2 apresentado por Elaine Page, uma grande cantora de musicais do lendário West End de Londres. Não poderia ser mais cafona, mais brega. Mas era profunda, verdadeira como só as músicas absurdamente românticas são. On Days Like These, cantada por Matt Munro, uma espécie de réplica britânica de Frank Sinatra nos anos 60. On Days Like These fora trilha sonora de um dos primeiros filmes de James Bond.
Era a história de um amor acabado, e de um homem que relembrava a mulher que amara. Peter cantarolou um trecho.
On days like these when skies are blue and fields are green
I look around and think about what might have been
and then I hear sweet music float around my head
as I recall the many things we left unsaid
it’s on days like these that I remember
singing songs and drinking wine
while your eyes played games with mine
“Me deu vontade de chorar”, disse Tania. “Será que um dia você …”
Ela parou no meio da frase. Peter notou que seus olhos verdes estavam molhados como o mar de Salvador. Estivou automaticamente os braços para confortá-la.
“Será que … você vai se lembrar de mim assim, no futuro? Um dia eu vou voltar para minha Ucrânia e você vai seguir sua vida de jornalista itinerante.”
Ele evitava pensar no futuro, porque era sempre fonte de apreensão, angústia, sofrimento. Lera em Epicuro que o sábio é um imprevidente, e procurava aplicar essa grande máxima a sua vida. Ninguém, exceto os loucos, olha para o futuro e vê coisas lindas. Para que olhar, então?
“O futuro está tão longe, Tania, mas tão longe que não vale a pena perder tempo falando dele.”
“Peter.”
“Hmmm?”
“Você. Você já escreveu coisa assim para alguma mulher? Nunca escreveram nada parecido para mim. Me sinto tão … tão vazia.”
“Sou um jornalista, não um escritor, Tania. As coisas que posso ter escrito para mulheres que amei e perdi devem ser muito ruins, francamente. Não tenho o lirismo, a melancolia necessária para fazer coisas sentimentais. Sou um … durão. Um homem durão, como um caubói daqueles faroestes antigos.”
Riram.
Então a puxou para si, e se amaram mais uma vez ao som daquela música tão tola, desta vez com uma sofreguidão que até então estivera ausente da rotina erótica leve e alegre que tinham criado.