O Amor e a Guerra


Uma revista masculina americana publicou, há algum tempo, um artigo que era uma espécie de elogio da violência no amor. Não, não. Estou exagerando. O artigo apenas falava como um pouco de guerra entre o homem e a mulher pode, na hora das pazes, resultar num sexo alucinante. (E lá vou eu para mais uma digressão: amo uma passagem do filme O Advogado do Diabo em que o Al Pacino descreve, para o marido traído, o sexo que fez com a mulher deste. Em sua voz tonitruante e cínica, ele diz mais ou menos o seguinte para o marido atormentado: numa escala de 0 a 10, considerando-se que o sexo papai-mamãe que você faz com sua mulher é 3, chegamos a 7.)

Enfim: o tal artigo dizia que, depois da guerra, o sexo podia subir alguns pontos na escala Pacino-Diabo. Havia até algumas evidências supostamente científicas para dar suporte à tese. Eu pensei o seguinte: pobres dos leitores e leitoras que decidirem testar. Guerra no amor não se controla. Não há retorno possível, uma vez começados os combates.

Os amantes que iniciam uma guerra talvez subam aos céus nas reconciliações sexuais, mas inapelavelmente descerão ao inferno para dali não mais saírem, miseravelmente derrotados. O inferno só vai terminar com o fim da relação. Acabado o romance, se o homem e a mulher estiverem inteiros, o máximo que conseguirão dizer de tantas coisas que viveram juntos é: sobrevivi. E não será pouco. Porque muita gente não sobrevive. Digo fisicamente mesmo. Um dos destinos clássicos da guerra amorosa, como na guerra convencional, é o caixão.

Eu falei acima em teste. Em casais que decidam testar a tese bélica da revista americana. Mas errei. A guerra no amor, como a globalização, não é escolha. É destino. Os tambores já começam a rufar, anunciando a guerra, quando certos homens e certas mulheres nem trocaram ainda o primeiro olhar de flerte. Pode acontecer que ele, o homem, tenha sido, em todos os outros relacionamentos, tão pacífico quanto uma ovelha tibetana. E ela também. Mas, ao se encontrarem, por alguma química estranha, os exércitos se mobilizam. E não demora muito para que alguém aperte o gatilho.

É o amor neurótico em ação. O amor neurótico é generoso como nenhum outro tipo de amor: proporciona momentos inigualáveis, sobretudo no sexo. E é também cruel como um cossaco russo. (Meu Tio Fabio, um homem sábio do interior, é que me contava que não havia nada tão cruel como um cossaco russo. Jamais conferi a veracidade histórica dessa afirmação, mas confio integralmente na sabedoria de meu tio.) Céu e inferno, céu e inferno.

Uma característica essencial no amor neurótico é que ou você pega o pacote todo ou não pega nada. Não dá para ficar com a parte boa e desprezar a ruim. Infelizmente, é impossível ter sexo com alta nota na escala Pacino-Diabo e, ao mesmo tempo, assistir de mãos dada à novela das 8 comendo pipoca. A fraternidade é uma impossibilidade científica no amor neurótico.

Uma outra característica vital do amor neurótico é que, no princípio, o êxtase predomina sobre a fúria. Há muito céu e pouco inferno. Aos poucos, numa marcha perversa e inexorável, a ordem vai se invertendo. Cada vez mais inferno, cada vez menos céu. No último estágio, do céu resta apenas recordações, mais e mais difusas. Você mal acredita que um dia as coisas andaram bem, tão destruidora a relação se tornou. É tempo de encerrar. Isto é, se você ainda estiver vivo para cair fora. Eu quase ia dizendo, pueril e inútil: fuja, fuja do amor neurótico enquanto há tempo. Mas não adianta: você é capturado muito antes de se dar conta de que se trata de um amor neurótico. Então termino dizendo apenas a quem está vivendo ou vai viver uma paixão dessas: boa sorte.

16 Respostas to “O Amor e a Guerra”

  1. vitoria Barros Says:

    Tudo o que está escrito é uma excelente ponderação, inteligente e bem fundamentada, levando em consideração a banda boa da mente humana. Sabemos perfeitamente que o amor neurótico não passa de perversão enrustida. O bom da vida é o amor livre de amarras e artimanhas. Nada como uma mente sã e um corpo sudável. Pequenas loucuras temperam um pouco. Mas nada de ultrapassar para a banda podre do inferno sexual.

  2. Moca Says:

    tem 3 meses que saí de um desses. sobrevivi, sim, e não tenho dúvida de que encerrar a guerra através da separação era a única possibilidade. o físico está bem, mas o emocional ainda está colando os pedaços.

  3. nadja maria Says:

    Exageradoe contraditório! Sabemos que há possibilidades sim, de se ter um sexo fabuloso e comer pipoca vendo novela das 8.
    O problema é que o amor neurótico só vira neurótico porque uma das partes se acovarda: quer o sexo, mas não quer assistir a novela das 8 (que pode ser bom, mas tb. tediosa – e daí?.. a vida pode ser tediosa até para o Paul mcCartney). Qualquer relação de amor conhece o céu e o inferno, mesmo os não neuróticos. E qualquer relação pode subir aos céus em momentos de sexo. O compromisso de se viver o céu e o inferno juntos é que interessa. Sem ele, semeia-se a neurose e o ódio. Vc. sabe bem disto

  4. nadja maria Says:

    Exageradoe contraditório! Sabemos que há possibilidades sim, de se ter um sexo fabuloso e comer pipoca vendo novela das 8.
    O problema é que o amor neurótico só vira neurótico porque uma das partes se acovarda: quer o sexo, mas não quer assistir a novela das 8 (que pode ser bom, mas tb. tediosa – e daí?.. a vida pode ser tediosa até para o Paul mcCartney). Qualquer relação de amor conhece o céu e o inferno, mesmo os não neuróticos. E qualquer relação pode subir aos céus em momentos de sexo. O compromisso de se viver o céu e o inferno juntos é que interessa. Sem ele, semeia-se a neurose e o ódio. Vc. sabe bem disto

  5. Alexia Says:

    De acordo com o comentário abaixo.
    sp Fabio.

  6. TATIANA REZENDE Says:

    Oi, Fabio. É a primeira vez que visito seu blog. Gostei, vou voltar mais vezes. Sobre esta história de amores e paixões, ontem também abordei rapidamente o tema – não com essa sua seriedade… Se puder, dê uma olhada em http://tatirez.blog.terra.com.br
    Abs,
    Tatiana.

  7. Felipe Mendes Says:

    Olá é o primeiro texto que leio do seu blog… e de cara gostei bastante de ter usado a citação do filme “advogado do diabo” sempre uso essa escala Pacino – Diabo. Quanto a depois disso tudo assistir a novela das 8h, realmente é dificil para muitos unir diferentes situações. Obs.: Prefeiro ver a novela, do que a futebol das quartas-feiras.

    Obs II.: Hoje nosso São Paulo foi PENTA.

  8. Rosane Martins Says:

    Adorei seu texto e a mais pura e verdadeira descrição do amor neurotico.
    Meu amado irmão(hoje falecido)so conseguiu encontrar em sua curta vida amores assim.
    E verdade amres neuroticos levam ao caixão.

  9. Rosane Martins Says:

    Adorei seu texto e a mais pura e verdadeira descrição do amor neurotico.
    Meu amado irmão(hoje falecido)so conseguiu encontrar em sua curta vida amores assim.
    E verdade amres neuroticos levam ao caixão.

  10. Marcella ferrari Says:

    Amour – Amor

    O amor é um animal selvagem
    Ele te respira ele te procura
    Ele se aninha sob corações partidos
    E vai à caça quando há beijos e velas
    Ele chupa com força nos seu lábios
    E cava túneis entre suas costelas
    Ele cai suavemente como neve
    Primeiro ele fica quente então frio por fim ele machuca

    Amour Amour
    Todos só querem te domar
    Amor Amour no final
    Pego entre seus dentes

    O amor é um animal selvagem
    Ele morde e arranha e caminha em minha direção
    Ele me segura com força com mil braços
    E me arrasta para dentro de seu ninho de amor
    Ele me devora completamente
    E tenta me regurgitar depois de muitos anos
    Ele cai suavemente como neve
    Primeiro ele fica quente então frio por fim ele machuca

    Amour Amour
    Todos só querem te domar
    Amor Amour no final
    Pego entre seus dentes

    O amor é um animal selvagem
    Você cai na armadilha dele
    Ele te encara nos seus olhos
    Fascinado quando a contemplação dele o atinge

  11. Marcella Ferrari Says:

    desculpe não ter explicado, a musica abaixo está traduzida do alemão (originalmente Amour – Rammstein)

    creio que o que pega mesmo nessa coisa de amor neurótico é a ilusão de poder domar o outro feito um bicho selvagem…

  12. Anónimo Says:

    que lindo isso aí no comentário! concordo.

  13. Anónimo Says:

    que linda, e profunda, a letra da música oferecida a nós pela marcella!
    marcella: gracias, gracias.
    fh

  14. Anónimo Says:

    Sou uma neurótica anti-internet. Por falta de atenção não digitei o nº indicado e fui impedida de enviar o texto “filosófico” escrito. Pô, internet é muito chhhhhaaattto! Bom mesmo é conversar pessoalmente, é o olho no olho, é sentir a presença de alguém… Mas, vá lá……. Entendo que todos os sentimentos humanos são neuróticos, tendo em vista a natureza caótica do ser humano. Jamais conseguiremos a ordem total, o ideal traçado, a vida planejada. No máximo chegaremos próximo e num momento bem distante daquele em que o idealizamos e desejamos. Haja paciência!!!! Portanto, as ilusões, os sentimentos e os momentos do ser humano devem ser vividos em sua plenitude, pois, no fundo é apenas um momento existencial, um pequeno tijolo que servirá para a nossa casa do amanhã. Que a nossa casa seja o somatório de nossas experiências passadas e, não, de nossas expectativas futuras.

  15. Anónimo Says:

    Sou uma neurótica anti-internet. Por falta de atenção não digitei o nº indicado e fui impedida de enviar o texto “filosófico” escrito. Pô, internet é muito chhhhhaaattto! Bom mesmo é conversar pessoalmente, é o olho no olho, é sentir a presença de alguém… Mas, vá lá……. Entendo que todos os sentimentos humanos são neuróticos, tendo em vista a natureza caótica do ser humano. Jamais conseguiremos a ordem total, o ideal traçado, a vida planejada. No máximo chegaremos próximo e num momento bem distante daquele em que o idealizamos e desejamos. Haja paciência!!!! Portanto, as ilusões, os sentimentos e os momentos do ser humano devem ser vividos em sua plenitude, pois, no fundo é apenas um momento existencial, um pequeno tijolo que servirá para a nossa casa do amanhã. Que a nossa casa seja o somatório de nossas experiências passadas e, não, de nossas expectativas futuras.

  16. Sabrina Says:

    otimo

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