Um de meus textos favoritos, para ser ouvido com a música acima uma, duas vezes …
Minha primeira revista foi a Vip, da qual lembro com o afeto e a gratidão dedicados a coisas e pessoas que fizeram diferença na nossa vida, e para melhor. Fui colunista lá, sob o título de Homem Sincero. Uma vez participei de uma reportagem especial cujo tema eram os fracassos masculinos. Um amigo meu falou na primeira demissão. Ele recomendava às pessoas que se comportassem, no trabalho, com a lógica do samurai: cada dia pode ser o último. Sem paranóia, sem desespero, sem pânico. Apenas com realismo e serenidade. Quem está preparado para as dificuldades sofre menos com elas. Sêneca falava no perpétuo vai-e-vém de elevações e quedas, e eis uma frase que levo na alma. A gente pensa que os problemas só acontecem com os outros: morte, perda amorosa. E quando eles acontecem conosco, sem que os esperássemos, nossa aflição é enorme. Muitas vezes, maior que o próprio problema.
Ao reler sei lá por que o texto de meu amigo decidi me atrever aqui ao crime de plágio. Meu amigo haverá de me perdoar, quando menos por conta dos velhos tempos em que éramos camaradas de compartilhar sonhos, desilusões e tudo mais o que grandes amigos dividem. Vimos juntos A Mulher do Lado, Era uma vez na América e Corrida contra o Destino. Lemos ao mesmo tempo O Poder e a Glória, Fim de Caso e os Ensaios. Pego a lógica do samurai da qual ele falou profissionalmente e a transporto para o mundo amoroso. Acho que os que amam deveriam viver cada dia como se fosse o último. Até porque, como tudo, um dia isso vai acontecer. Ou porque um dos dois vai se cansar do outro, ou por morte, ou pelo que for. Nada é para sempre. Já ouviu All Things Must Pass, do George Harrison? Estou ouvindo agora. Sunrise doesn’t last all morning. O nascer do sol não dura toda a manhã.
Li um livro com um nome estranho, Memento Mori. É de uma escritora escocesa, Muriel Spark. Memento mori, em latim, significa: lembre-se de que vai morrer. Um velhinho, ou uma velhinha, diz no romance que essa reflexão deveria ser feita diariamente pelos jovens. Quanto mais se medita sobre a morte, menos aterrorizadora ela nos parece. O santo tibetano Milarepa morava em cavernas no Tibete sempre próximas de cemitérios. Epicteto recomendava nunca se afastar da idéia da morte justamente para abrandar seu impacto e vivermos uma vida plena. Morremos mil vezes do medo de morrer, disse Sêneca. Memento mori. Lembrarmo-nos de que vamos morrer é um antídoto contra esse terror de cada minuto. (Sei perfeitamente que o que estou escrevendo soará bizarro no mundo de fantasia em que vivemos, em que a idéia da morte é ingenuamente negada, em cujos comerciais de TV somos todos jovens, bonitos e saudáveis sempre.)
E então volto ao campo das relações sentimentais. Viver cada dia como se fosse o último vai fazer você dizer hoje as coisas bonitas que tem para dizer a ela. Vai fazê-lo dar um beijo não automático nem monocórdio, mas intenso e definitivo. Vai fazer você comprar flores que há tanto tempo saíram do seu decrescente repertório de gentilezas. Viver cada dia como se fosse o último vai fazer você dar o devido valor às pequenas coisas boas que os dois conquistaram juntos e também o devido valor às pequenas coisas ruins para as quais os dois atribuíram um tamanho desmedido.
Talvez faça você viver um eterno verão sentimental até que, e isso é inevitável, gostemos ou não, surja diante do casal o inverno cruel do nunca mais, nunca mais, nunca mais.
15/10/2010 às 02:21 |
LINDÍSSIMO TEXTO!!! Amei, amei, amei FH! Me fez pensar em mtas coisas… Em tudo que pode ser feito antes que eu morra. “Memento Mori” uma frase que vou levar pra vida!
15/10/2010 às 10:12 |
Tenho tatuado na parte de dentro do braço direito “Tempus fugit”. E confesso que, há muito tempo, quando li outro texto seu a falar sobre “Memento mori”, pensei em tatuar a expressão no braço esquerdo.
Acho que são duas coisas que acabam por casar e fazer sentido para mim, que procura viver o dia como se fosse o último, ainda que isso não queira necessariamente dizer ser irresponsável e descomprometido.
Abraço e grande texto!
15/10/2010 às 10:23 |
Fabio,
Belíssima reflexão…
É verdade, encararmos que nada dura para sempre é um exercício que aos poucos, deixa de ser doloroso e passa a fazer parte de vc, normalmente, sem traumas.
No amor não poderia ser diferente, não é? É a ânsia pela posse e controle que estraga tudo. Se simplesmente aceitarmos o momento presente e desfrutarmos dele como é, vivemos mais plenamente.
Um dia temos que dizer adeus a um amor…se vc viveu o bom da relação, ótimo, se não, perdeu uma grande oportunidade…hora de aprender. O bom é que sempre é uma boa hora para aprendermos…
15/10/2010 às 11:53 |
Bonito texto mesmo! E concordo, vivemos em um mundo de fantasia em que a morte parece muito distante. As pessoas não querem conversar sobre isso, acham o assunto fúnebre e assustador.
Vc me contagiou com o seus textos e me inspirou voltar a escrever o meu blog. Mudei o visual por lá e gostaria que desse uma conferida, Mestre.
15/10/2010 às 12:20 |
I will …
16/10/2010 às 06:27 |
vi … e gostei, PqnA.
Recomendo a todos.
o colorido, os temas …
… é a alma de uma mulher contemporânea, alegre e com vontade de descobrir e compartilhar coisas novas.
constância nas postagens é fundamental, o movimento faz toda diferença num blog … pode ser uma frase, uma foto, ou o que for … só não pode deixar o blog sem novidade.
parabéns!
15/10/2010 às 11:55 |
Ah Fabio, sei bem o que é isso.
Memento Mori…
…Vai fazer você comprar flores que há tanto tempo saíram do seu decrescente repertório de gentilezas….**Suspiros**
Obrigada.
15/10/2010 às 14:00 |
Adoro você sentimental….
Bjs
15/10/2010 às 14:46 |
Parece que eu quero um autógrafo
15/10/2010 às 15:00 |
Já disse o poeta…
“(…)
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.”
(Vinícius de Moraes)
15/10/2010 às 15:45 |
Seu Hernandez, adorei o texto, a música.
É como eu costumo dizer seu Hernandez…
O tempo é efêmero, saibamos. Mas o amor quando cintilado na sua forma mais pura e única, não o são; mesmo assim é preciso que ele saiba. Sempre.
É preciso que o “memento mori” seja lembrado sempre para que enfim saibamos viver.
.)
16/10/2010 às 15:34 |
Deve ter sido o “destino” quem me fez voltar aqui. Quero uma palavra para mais uma tatuagem.
Memento Mori.
Estranho e lindo.
Mas creio que coordenará com o já meu La petite mort tatuado no único bom lugar em que essa frase ficaria
17/10/2010 às 03:22 |
hmm, la petit mort … grandes franceses!
20/10/2010 às 01:03 |
O bom de passar pelo inverno é que fatalmente surgirão outras estações. Que isso sirva também para o amor. Lindo texto e com certeza teu amigo te perdoou por proporcionares tanta reflexão aos que lêem esse teu blog. Ainda mais embalados ao som de George H.
20/05/2011 às 21:12 |
Eu li este texto na Vip há uns 9,10 anos e não me esqueci de lembrar quase sempre que um dia vamos morrer, alguns começaram a me achar meio insensível por isso, mas não vou mudar, afinal esta é uma verdade imutável.
É muito profundo falar da morte e te faz pensar realmente na vida que levamos.
11/08/2011 às 19:56 |
Viver cada dia como se fosse o último vai fazer você…
MERGULHAR…